A depressão e a ansiedade são conhecidas por afetar cerca de uma em cada cinco pessoas, mas a depressão ocorre duas vezes mais em mulheres do que em homens. E quando se trata de transtorno depressivo maior — o diagnóstico formal da doença — uma revisão abrangente de quase todos os estudos populacionais realizados até hoje na Austrália, Estados Unidos, Porto Rico, Canadá, França, Islândia, Taiwan, Coreia, Alemanha e Hong Kong relatou que o número de mulheres que já apresentaram o transtorno é maior.

Em comparação com os homens, elas também têm taxas significativamente maiores de ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Enquanto cerca de um em cada 12 adultos teve TEPT em algum momento de suas vidas, o risco de as mulheres desenvolverem o distúrbio após a exposição ao trauma é cerca de duas vezes maior. A taxa de transtornos de ansiedade é quatro vezes maior em mulheres.

Mulheres e homens ainda têm diferentes níveis de controle sobre os determinantes da saúde mental, como acesso a recursos, status, papéis, opções e tratamentos. Como tal, o gênero é importante na definição da suscetibilidade e exposição a uma série de riscos à saúde mental. Ele também pode explicar as diferenças nas consequências dessas questões.

Embora a definição de gênero tipicamente se refira a diferenças sociais e culturais e não seja binária, este artigo utilizará a definição biológica de ser homem ou mulher, sobreposto por aspectos sociais e culturais.

Doenças psiquiátricas

Quando se trata de doenças psiquiátricas como esquizofrenia e transtorno bipolar, a prevalência, no geral, é a mesma para as mulheres e para os homens. Entretanto, existem diferenças de gênero dentro dessas condições: a idade de início dos sintomas, os tipos de sintomas e resposta aos medicamentos.

Homens, por exemplo, costumam desenvolver esquizofrenia cinco a oito anos antes do que as mulheres. Mulheres com esquizofrenia têm mais alucinações e os homens têm mais problemas com motivação. Eles também têm mais dificuldade com a memória e concentração.

Uma vez que mulheres desenvolvem uma doença psiquiátrica grave como a esquizofrenia, elas são muito mais propensas a sofrer abusos sexuais e físicos, bem como ansiedade, depressão e problemas de saúde física. Isso, por sua vez, pode acentuar a doença mental subjacente.

A capacidade de levar uma vida normal e socializar pode afetar o ajuste a longo prazo e os resultados de um transtorno mental grave. As habilidades diárias importantes para uma boa qualidade de vida, como compras, contas, culinária e uso do transporte público variam entre homens e mulheres ao redor do mundo.

Homens com doença mental geralmente precisam de mais ajuda com habilidades sociais do que as mulheres. No entanto, algumas culturas incentivam a independência feminina, enquanto outras não. Assim, os resultados sociais nem sempre são claramente diferenciados.

As diferenças de gênero também ocorrem com transtorno bipolar. As mulheres são mais propensas a desenvolver uma forma imprevisível e instável da doença com mais ansiedade relacionada. Elas têm maior probabilidade de serem hospitalizadas durante a fase maníaca do transtorno.

Taxas de suicídio e busca por ajuda

Os problemas de saúde mental estão sendo cada vez mais diagnosticados em homens de todas as idades; a maior incidência de transtornos e suicídio relatado é em idosos. A maior taxa de suicídio para homens australianos em 2015 (39,3 por 100.000 pessoas) foi em homens com mais de 85 anos, com 68 óbitos relatados nesta faixa etária.

Essa taxa foi consideravelmente maior do que a taxa de suicídio específica da idade em todas as outras faixas etárias. A taxa de suicídio entre homens de 40 a 55 anos foi de cerca de 31 por 100.000 pessoas. Para as mulheres, as taxas não diferem muito entre as faixas etárias: em 2015, foram de 8 a 10 por 100.000 pessoas.

Uma das razões pelas quais as mulheres têm taxas mais baixas de suicídio é que elas são mais propensas a procurar ajuda do que os homens. Cerca de 18% delas, em comparação com 11% dos homens, procuraram ajuda para tratar a ansiedade em 2007. E 7,1%, em comparação com 5,3% dos homens, procuraram ajuda para transtornos de humor. Apenas uma pequena porcentagem de meninos e homens adolescentes procuram ajuda para questões de saúde mental.

As mulheres também são mais propensas a usar serviços para problemas de saúde mental. Isso pode refletir no maior conhecimento psicológico feminino e aceitação de doenças mentais. Em homens, elas são frequentemente mascaradas por comportamentos de risco, como abuso de álcool e drogas, raiva e agressão, excesso de velocidade nas estradas e embriaguez ao volante.

Violência contra a mulher e hormônios

Mulheres com doença mental muitas vezes lutam para ter suas necessidades reconhecidas por tratamentos psicológicos e psiquiátricos padrão. Duas áreas que impactam claramente na saúde mental das mulheres não são consideradas nem acompanhadas: violência contra mulher e a interação complexa entre mudanças hormonais e mudanças de estado mental.

Estupro, assédio, abuso psicológico e privação são um espectro de eventos severamente prejudiciais e traumáticos que podem ter efeitos adversos na saúde mental das mulheres por um longo tempo. Por razões pouco claras, as questões dos traumas da vida precoce de uma mulher são muitas vezes ignoradas ou subestimadas ao analisar desenvolvimento de doenças mentais na vida posterior.

As flutuações hormonais também têm um impacto significativo na saúde mental ao longo da vida de muitas mulheres. O estrogênio, hormônio feminino, tem vários papéis-chave no cérebro e fornece um efeito protetor contra doenças mentais. Quando os níveis estão mais baixos, antes ou perto da menopausa, algumas mulheres desenvolvem uma depressão significativa e real, bem como ansiedade. A incidência de depressão aumenta até 16 vezes nas mulheres dos 40 aos 50 anos — que é a época do processo da menopausa e dos níveis de estrogênio diminuindo.

Os transtornos causados por hormônios, incluindo a depressão relacionada à menopausa, assim como o transtorno disfórico pré-menstrual (depressão na semana anterior à menstruação) e a depressão pós-parto, são mal compreendidas e tratadas. Isso prejudica as mulheres.

Transtorno de personalidade borderline

Outra condição em que existem disparidades significativas de gênero é o transtorno de personalidade limítrofe. Esta é uma das consequências a longo prazo da violência contra a mulher e a compreensão e o tratamento requerem uma reavaliação significativa.

O diagnóstico clínico de borderline engloba uma vasta gama de apresentações. Os homens também podem ser diagnosticados com o transtorno, mas a apresentação da condição neles é muitas vezes confundida com o diagnóstico de “transtorno de personalidade antissocial” (sociopatia). Esta é uma condição em que uma pessoa apresenta um padrão de manipular, explorar ou violar os direitos dos outros. Tal comportamento é, com frequência, criminoso.

Os sintomas mais típicos do transtorno de personalidade borderline são automutilação, como o corte ou a queimadura, acesso de fúria por questões aparentemente pequenas, alterações de humor, baixa autoestima, dissociação (sensação de não estar em seu próprio corpo), ansiedade constante e dificuldades com a identidade.

Mais de 80% das pessoas (principalmente mulheres) diagnosticadas com essa condição realmente têm traumas de vida precoce, incluindo incesto, abuso sexual, físico e emocional ou privação. No entanto, a condição é denominada “transtorno de personalidade”, que carrega uma conotação de que isso é de alguma forma culpa da pessoa, ignorando o agente causal comum do trauma na maioria dos casos.

Fatores biológicos, psicológicos e sociais atuam todos juntos para causar doenças mentais, e esses fatores são diferentes entre homens e mulheres. Devemos reconhecer isso e adotar uma abordagem mais voltada à perspectiva de gênero para tratar homens e mulheres com problemas de saúde mental; uma abordagem que integre uma série de fatores biológicos com comportamentos particulares e eventos externos para proporcionar melhores resultados.


Por Jayashri Kulkarni, professora de psiquiatria na Alfred Health and Monash University, atuante na área de saúde mental das mulheres.


Publicado originalmente no The Conversation, em 08/08/2017.