Existem inúmeros problemas na enunciação discursiva “o meu namorado é diferente”. O que você pretende por diferente? O termo diferente pode ser substituído por “alguém decente”? “Não fez mais que a obrigação”? “Ele mora também naquela casa, ele gera trabalho doméstico, todo mundo tem que fazer porque o pré-requisito básico de ter trabalho doméstico não é ter uma vagina, mas sim morar em uma casa”. “Ele não bate em você”. Bom, ele é diferente em relação aos outros homens? Então vamos partir de um ponto de vista coletivo. Política se dá a nível de coletividade. Por isso mesmo que não faz o menor sentido querer reivindicar o seu namorado como diferente. Porque exceção não faz regra.
Continuando, se vivemos em uma sociedade estratificada em classes sexuais, com homens ocupando o topo dessa hierarquia e as mulheres estão na posição de subordinadas, não faz o mínimo sentido querermos colocar em destaque como diferente uma pessoa que faz parte da classe opressora. Não passa de um discurso vazio. Todos os homens receberam benefícios da supremacia masculina. É inócuo afirmar que existe um homem diferente. Não é sobre isso. Feminismo é um movimento político que tem compromisso com a libertação das mulheres enquanto classe subordinada. Se você não questionar a heterossexualidade compulsória, que é o que confere acesso irrestrito aos direitos reprodutivos das fêmeas humanas aos machos, você estará soltando a mão das mulheres que enquanto classe são vítimas dessa prisão. A heterossexualidade em um sistema falocrático chamado patriarcado é uma prisão. É por isso mesmo que você diz “meu namorado é diferente”. Sim, mas levando em conta que o pessoal é político, você acha mesmo que a heterossexualidade precisa ser defendida? Ela é a norma.
Provavelmente seu imaculado namorado já tenha consumido pornografia. Deve ter se aproveitado de uma mulher extremamente bêbada e sem condições de decidir se consente. Você não estava lá. Você não é onisciente. Por trás do seu namorado podem existir vítimas. Você pode ser a vítima do seu namorado. Somos obrigadas a nos relacionarmos intimamente com nossos opressores. Todos os dias somos bombardeadas de mensagens misóginas. A frase “meu namorado é diferente” é um cuspe na cara das mulheres. Que bom, meu amor, que na sua relação amorosa acontece o mínimo do mínimo do mínimo de respeito e dialogismo, é o mínimo. Em uma sociedade em que mulheres são traficadas e mortas, eu tenho mais com o que me importar do que com sua relação com seu namorado. Esse assunto não é sobre você individualmente. Todos os homens receberam benefícios da supremacia masculina. Todos os homens têm oprimido mulheres. Todas as mulheres precisam fazer do feminismo uma ameaça novamente.
Talvez essa última parte pedindo que seja uma ameaça não faça e nem deve fazer sentido. O feminismo luta por direitos iguais, não por opressão. Entendo que precisamos nos fazer ouvir, mas colocar desse jeito só afirma pras mulheres que estão entrando na causa agora tudo o que elas conheciam por feminismo. Eu mesma me choquei e lembrei que falavam que é o oposto de machismo, e acredito que não queremos isso.
Entendo o seu comentário, acredito que tenha muita gente que pense assim. Mas o ponto de vista do feminismo radical não é esse, para ele o feminismo luta pelo fim do patriarcado, do genêro como associação entre sexo e personalidade/papeis, ou seja, propoe mudar a forma que se estrutura a sociedade. Propoe uma revolução. E quando digo luta, digo no sentido de conflito mesmo, porque nenhum movimento que muda estruturas o faz sem encontrar uma oposição gigantesca do lado que quer manter o status quo.
Mesmo a luta por direitos iguais, pauta do inicio do seculo passado, encontrou muita oposição. Mas mesmo com o direito de votar, divorciar, de conseguir estudar, o mundo não é mais justo para as mulheres. Muitos homens usam desse argumento para falar que o feminismo é so mimimi porque ja temos “direitos” iguais, e não entendem o porque de denunciar machismo, estupro, pornografia, prostituição, etc, porque pra eles o mundo é assim mesmo, são pessoas ruins que fazem coisas ruins, e não homens vitimizando mulheres. Se você retira o fator estrutural e coletivo da analise feminista, você se desarma, se você se preocupa em como homens vao perceber (criticar) seu feminismo você se desarma também.
Acho que é isso que o texto quis dizer. Sobre as mulheres que entram na causa agora, acredito que esse o texto traz uma boa reflexão porque coloca em cheque o individualismo que vemos hoje no chamado feminismo liberal. Afirmar individuos e falar de nem todo homem não é analise sociológica.
Simplesmente perfeito. ❤️