Era uma vez um movimento social chamado feminismo. Era um movimento criado por e para as mulheres. Esse movimento tinha objetivos claros — como libertar as mulheres da opressão masculina. Ele significava algo.

Hoje em dia, com a popularidade da terceira onda do feminismo liberal, “feminismo” pode significar o que você quiser. Qualquer um pode ser feminista, inclusive homens, e qualquer ato pode ser um “ato feminista” — mesmo aqueles que mantém instituições e estruturas que oprimem e massacram mulheres como um todo — contanto que você “escolha”, está tudo bem.

Enquanto feministas nas décadas anteriores lutaram contra a objetificação dos corpos femininos, acreditando que essas práticas contribuiam para nosso status de segunda classe, esse mesmo tratamento sexualizante foi repaginado como empoderamento feminino ou como liberdade sexual das mulheres (o que é bem difícil de distinguir das fantasias sexuais influenciadas pelo pornô de homens heterossexuais… vá saber o porquê…)
Empoderamento, ao que parece, significa mulheres sendo reduzidas a status de objeto mas agora em seus próprios termos.

Mulheres são igualmente encorajadas a “libertarem seus mamilos” em nome de um feminismo pró-sexo, porque mostrar os peitos para os garotos é percebido como um ato revolucionário que subverte o status quo enquanto manter a atenção em nossos corpos e em sua aparência ao invés do que temos a dizer — e os homens se importam mesmo com os motivos de nós tirarmos as nossas blusas ou eles querem apenas que tiremos de qualquer jeito?

Enquanto muitas feministas liberais reconhecem que a pornografia mainstream é irreal e falha em representar uma sexualidade saudável ou o prazer feminino, elas argumentam que a resposta a esse problema é um pornô de melhor qualidade — o tão chamado “pornô feminista”. No entanto, o padrão que define um “pornô feminista” é baixo, com o conteúdo frequentemente refletindo a mesma dinâmica de poder sexista e às vezes até a mesma violência contra mulheres. Conteúdos pornográficos que apresentam mulheres sendo subjugadas a atos sexuais degradantes como por exemplo o enforcamento, podem ser categorizados como feministas caso sejam produzidos por mulheres ou incluam tipos de corpos diversos. Boa forma de se destruir o patriarcado…

Até a mercantilização de mulheres e garotas na indústria mundial do sexo pode ser considerada feminista hoje em dia. Os que lucram com o mercado do sexo e os lobistas fazem um grande esforço para ressignificar a compra de corpos femininos por homens não como uma atitude de exploração e abuso, mas como um exercício da liberdade de escolha e da autonomia das mulheres, apesar das vítimas contarem uma história diferente. Muitas entram no negócio ainda crianças, vulneráveis e sem outras alternativas de sobrevivência e passam a viver uma rotina de violência que provocam, de acordo com pesquisas, níveis de trauma comparáveis a de veteranos de guerra.

Como as criadoras de um movimento que pretende acabar com a opressão vivenciadas por mulheres podem apoiar uma indústria que exige que mulheres pobres e sem recursos, incluindo indígenas, negras, estejam disponíveis sexualmente para homens? No feminismo atual, “estupro pago”,como as sobreviventes chamam, passou a se chamar “ profissional do sexo”, e esperam que mulheres abracem seu própria objetificação, encontrem empoderamento em serem mercantilizadas e submetam alegremente à sua própria subordinação. Pergunte a si mesma, quem se beneficia dessa situação?

Ao invés de questionarmos o direito masculino concedido de acessar livremente os corpos femininos, encorajamos os homens a considerar sua participação no sistema patriarcal ou apenas refletir sobre os privilégios e benefícios que eles aproveitam enquanto homens no topo da hierarquia de gênero, essa versão açucarada de feminismo não desafia nada. Ela não exige nada dos homens. Na verdade, ela deixou os homens tão confortáveis que alguns se sentem no direito de ensinar mulheres sobre feminismo quando elas não concordam com uma forma de feminismo* que privilegia o orgasmo masculino na frente de direitos básicos das mulheres.

Mulheres que falam sobre a natureza exploratória da indústria do sexo encontram frequentemente oposição de seus colegas homens, particularmente daqueles que consomem sexo e têm um vasto interesse de manter mulheres e garotas disponíveis sexualmente. Esses homens ficam subitamente tão preocupados com o feminismo, preocupados em defender os direitos das mulheres de escolher a prostituição (são tão heróicos). Como nós ousamos tentar tirar o direito de “escolha” das mulheres de serví-los sexualmente? Se você não consegue ver o absurdo da situação, imagine a mesma discussão sendo feita sobre um dono de escravos lutando pelo direito de seus escravos escolherem pela escravidão.

Está na hora que virarmos radicais. Está na hora de olharmos a obra de Catherine MacKinnon e seu conceito de “feminismo não-modificado”. O movimento de libertação das mulheres é o único lugar que é nosso, o lugar que podemos centrar os interesses das mulheres, e devemos ser corajosas e não nos deixar abalar quando desafiamos o direito masculino de acesso aos corpos femininos. Se os homens estão gostando do nosso feminismo, e se ele está causando ereções por aí, então tem algo errado. Como disse Andrea Dworkin, “Eu sou uma feminista radical. Não do tipo legal”.


(Tradução do texto de Caitlin Roper para o Huffington Post UK)

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