Hugh Hefner foi um irrevogável inimigo das mulheres
O editor chefe da Playboy, que morreu aos 91 anos, se referia às mulheres como “objetos sexuais” Getty

Ao ouvir que o cafetão e pornógrafo Hugh Hefner morreu essa manhã, eu gostaria de acreditar em inferno.

“A ideia de que a Playboy transforma as mulheres em objetos sexuais é ridícula,” disse o cafetão sádico em 2010. “Mulheres são objetos sexuais… é a atração entre os sexos que faz o mundo girar. É por isso que mulheres usam batom e shorts curtos.”

Hefner foi responsável por tornar o pornô em uma indústria. Como Gail Dines escreve em sua exposição abrasiva da indústria pornô, ele tirou o pornô dos guetos e o transformou em produto de Wall Street e agora, graças em grande parte a Hefner, o pornô se tornou uma indústria com faturamento anual multimilionário. Hefner operou no país em que eu vivo, um país em que se você filma um ato de humilhação ou tortura — e se a vítima for uma mulher — o filme é ao mesmo tempo um entretenimento e uma liberdade de expressão protegida.

Ele causou danos imensuráveis ao tornar o pornô — e portanto e compra e venda dos corpos das mulheres — em um negócio legítimo. Hefner odiava mulheres e se referia a elas como “cachorros”.

Em 1963, Gloria Steinem (na época uma jornalista freelancer) decidiu ir disfarçada de Coelhinha passar duas semanas na Mansão da Playboy. O que Steinem descobriu foi que as mulheres que trabalhavam lá eram tratadas como lixo. As coelhinhas tinham de usar saltos de no mínimo 10 centímetro e corpetes duas medidas menores em todos os lugares, exceto no busto, em que só se aceitavam os modelos bustiê. Steinem descreveu essa prática como uma forma de tortura. Um espirro poderia quebrar o zíper, e quando retirados, a pele do corpo ficava avermelhada e enrugada.

Steinem se deparou com uma misogina grotesta contra as mulheres, e comentou que elas eram “desumanizadas” pelos clientes — que estavam, no fim das contas, seguindo o exemplo de Hefner.

“Essas garotas [as feministas] são nossas inimigas naturais. Está na hora de batalhar contra elas,” escreveu Hefner em memorandos secretos vazados a feministas por secretárias da Playboy. “É hora de lutar contra elas… O que eu quero é um artigo devastador que vá destruir as militantes feministas em pedaços”. Como resposta, feministas começaram a fazer piquete em frente à corporação.

Admitindo que ele só conseguia atingir o orgasmo por meio de masturbação com pornografia, Hefner era um predator sexual. As jovens mulheres que trabalharam na Mansão Playboy falaram sobre o seu desgosto em fazer sexo com ele, mas contaram que isso era “parte das regras não ditas”. “Era quase como se a gente tivesse que fazer aquilo em troca de tudo que tínhamos”, conta uma delas.

As gêmeas britânicas Carla e Melissa Howe, que moraram na Mansão Playboy durante um tempo, contaram a um jornal em 2015 que a segurança eram tão rígida que era como “estar em uma prisão”. Elas também falaram sobre os homens que visitam a Mansão: “Eles eram bem pervertidos; todas as garotas estavam lutando para fugir.”

Descrito como “moderno, confiável, honesto e respeitável” pela revista Time em março de 1963, Hefner foi regularmente repaginado como um tipo de diplomata da cultura, ao invés do misógino nojento que era.

Considerar Hefner como um libertário do sexo ou um ídolo da liberdade de expressão é o mesmo que sugerir que Roman Polanski contribuiu para a proteção das crianças

Eu imagino que os fabricantes de pijama de seda estejam de luto por Hefner, mas nenhuma feminista em lugar algum vai desperdiçar uma lágrima sequer pela sua morte. Os liberais de esquerda que ensebam liricamente sobre como Hefner era um apoiador de políticas anti-racistas deveriam talvez se perguntar como um ativista dos direitos civis se enquadra ao lado de seus milhões faturados às custas do mais vil tipo de racismo praticado em sua pornografia.

Enquanto eu escrevia esse artigo, uma programa de notícias me contactou para saber ser eu iria me pronunciar na edição de hoje sobre o legado de Hefner. “Estamos procurando discutir se ele foi uma força do mal ou do bem. Hefner revolucionou a sexualidade feminina ou encorajou a degradação das mulheres ao construí-las apenas como objeto de desejo?”

Agora que ele está morto eu imagino o número de mulheres de quem ele abusou vindo a tona e forçando seus apoiadores liberais a vê-lo como ele realmente era — uma escória machista da pior estirpe.


Texto original de Julie Bindel publicado no The Independent