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O patriarcado na Palestina

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Na Palestina, as mulheres têm que lutar contra a violência masculina da sua própria sociedade e da ocupação israel

Mulheres palestinas correm durante um protesto pelo direito de voltarem à sua terra natal em Gaza, em 12 de outubro de 2018 [Foto por: Ibraheem Abu Mustafa/Reuters].

Em novembro de 2018, uma menina de 16 anos chamada Yara Ayoub, da cidade de Al-Jish, na Galileia, desapareceu. Uns dias depois, o corpo dela foi encontrado mutilado num lixão. Dois suspeitos, um homem de 28 anos e o pai dele, foram presos acusados de homicídio.

Milhares de palestinos, daquela cidade e da vizinhança, foram ao funeral da menina. O sentimento de luto era tão grande que estava praticamente palpável, e as pessoas marchavam no funeral usando adesivos nos quais se lia “Yara está em nossos corações”.

Desde que as notícias do assassinato se espalharam, muitos palestinos foram atolados por discussões nas redes sociais sobre violência contra as mulheres e os males do patriarcado. Ocorreram manifestações em Nazaré, Sakhnin, Haifa e Jafa, todas clamando pelo fim da violência contra as mulheres.

O patriarcado na Palestina existe, como no resto do mundo, como um sistema que sustenta a dominação e a hierarquia masculinas. Ele impõe dois gêneros com seus esteriótipos para preservar a atual estrutura de poder. O patriarcado afeta todas as pessoas, mas sua violência afeta desproporcionalmente as mulheres.

Parafraseando a romancista canadense Margaret Atwood, o maior medo dos homens é que mulheres riam deles, e o maior medo das mulheres é que os homens as matem. Esse medo é internalizado, conscientemente ou não, em nossos comportamentos cotidianos.

Nas ruas, frequentemente temos que escolher entre colocar fones de ouvido para ouvir música em vez de escutar os assédios verbais dos homens, ou ficar alerta no caso de alguém tentar alguma coisa contra nós. À noite, frequentemente seguramos chaves nas nossas mãos como arma para o caso de alguém nos atacar. Algumas de nós ainda temos que nos preocupar com abuso e violência dentro de nossa própria família ou círculo social.

De acordo com um estudo de 2011 sobre violência, da Secretaria-Geral de Estatísticas da Palestina, cerca de 37% das mulheres foram vítimas de violência masculina na Palestina¹ (considerando as fronteiras de 1967). Um outro estudo² divulgado em novembro de 2018, pelo Centro Árabe pelo Progresso de Redes Sociais, mostrou que o assédio sexual está também universalizado na internet, com um terço das palestinas enfrentando violência masculina nas redes sociais.

A comunidade internacional gosta de apontar a questão da violência de gênero na Palestina como se ela fosse um “problema árabe” e as palestinas precisassem ser salvas dos homens palestinos. Esse discurso ocidentalista propaga a visão colonial do branco como salvador, que é usada para justificar o intervencionismo humanitário. Já o fato de que as mulheres judias na sociedade israelense sofrem violência masculina com taxas similares às árabes é frequentemente esquecido.

Racializar o discuso sobre a violência contra a mulher palestina é mascarar o contexto maior de violência em que essas mulheres estão inseridas. O patriarcado existe na Palestina não apenas na forma de problema social de violência de gênero entre palestinos, mas também na forma de ocupação colonialista.

Nesse sentido, lutar para a nossa libertação emana consequências potencialmente perigosas para nós, as mulheres. Quando vamos protestar, sabemos muito bem que nossos corpos podem ser usados como armas contra nós. Se somos presas, poderemos ser assediadas ou agredidas sexualmente.

Atualmente, há 51 presas políticas palestinas mantidas em prisões israelenses, submetidas a várias formas de assédio e tortura. Além disso, mulheres também sofrem com as campanhas assassinas do exército israelense; suas armas e bombas não diferenciam os palestinos entre homens e mulheres enquanto matam.

De fato, a Palestina é o exemplo perfeito de como o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado trabalham juntos para manter as mulheres (e os pobres e os marginalizados) sob um devastador sistema de opressão.

Nesse contexto, é importante notar que o caso de Yara Ayoub não é um incidente isolado, e apesar de o assassinato dela ter incitado muita discussão e protesto, não podemos deixar que isso encerre o assunto.

Temos que lutar contra o patriarcado em todas as suas feias instâncias, uma luta que não deve ser deixada apenas para as mulheres. Os homens palestinos devem ser também participantes ativos no processo. Não é suficiente para um homem palestino se autointitular feminista e chamar a atenção de seus pares e familiares quando eles agem de maneira sexista, ele precisa analisar a si mesmo e reconhecer que ele mesmo pratica e encarna as nocivas normas patriarcais.

Coletivamente, precisamos criar espaços de base para que a luta palestina floresça livre da masculinidade tóxica e da hierarquia patriarcal. Os direitos e a emancipação das mulheres não podem e não devem ser tratados separados do contexto geral, eles têm que ser parte de nossa luta coletiva por libertação. Esse é o único modo de derrotar o patriarcado, o capitalismo e a ocupação colonial das terras da Palestina.


1. UNFPA. Mapping interventions preventing and responding to Gender Based Violence (GBV) in the occupied Palestinian territory. 2016. 
2. ODEH, Shahrazad. A Violent Network. Gender-Based Violence Against Palestinian: Women in Virtual Space. Kvinna till Kvinna e 7amleh, 2018.


Tradução do texto de Yara Hawari. Original.