Esta não é uma foto dos pés da minha avó falecida, mas corresponde à imagem que tenho dela na minha mente. Ela praticava podologia na Geórgia na década de 1940 — uma das poucas médicas de qualquer tipo naquele estado, uma história de sucesso feminista à sua maneira. Com pouco menos de 1 metro e 49 centímetros, ela usou salto todos os dias de sua vida adulta enquanto tratava os pés desfigurados de suas pacientes que fizeram o mesmo. A ironia é que mesmo ao alcance das reclamações, ela se castigava constantemente com o uso de saltos.

Joanetes, deformações, neuromas, calos, nervos comprimidos e bolhas que escorriam eram um preço pequeno a pagar por altura, moda e apelo sexual, mas quando ela mal conseguia mancar no final de sua vida, ela me disse:

“Nunca use sapatos de salto. A dor não vale a pena, e nem os homens.”

Quão pouco mudou em 50 anos.

Ontário aprovou recentemente o Fair WorkplaceBetter Jobs Act, que proíbe os empregadores de forçar as trabalhadoras a usar sapatos de salto alto, apesar de uma legislação semelhante não ter sido aprovada no Reino Unido. Nos tempos modernos, a mera ideia de que as mulheres sofrem com roupas dolorosas, prejudiciais, perigosas e sexistas simplesmente para manter um emprego é considerada arcaica? Claramente, a ideia de que as mulheres devem ser feitas para serem vistas acima de tudo permanece poderosamente central em nossa cultura.

Lembro-me de ser uma garotinha e perguntar à minha avó por que os dedos dos pés dela se cruzavam um sobre o outro e não se descruzavam, e ela disse:

“Nunca tente calçar os pés em sapatos muito pequenos. É vaidade.”

Ela tentou cirurgia, mas a cirurgia não podia mais desfazer o dano que havia causado a si mesma, da mesma forma que não podia desfazer os estragos causados pela amarração de pé chinês.

Desviando do tópico da minha avó por um momento, não consigo deixar de lembrar de um comentário feito pelo meu primeiro marido enquanto estava de férias na Itália. Estávamos almoçando em um café ao ar livre na Piazza del Campo, em Siena, observando as mulheres de negócios que saíam para almoçar oscilando em sapatos de salto agulha pelas pedras da calçada. “Uma delas vai torcer o tornozelo a qualquer segundo. Isso parece incrivelmente doloroso” — falei.

Meu então marido, bebendo seu café expresso, murmurou algo sobre moda e como eu não entendia.

Em retrospecto, esse foi um momento decisivo no meu casamento? Talvez. Definitivamente, transformou meu trato gastrointestinal em um fluxo fervilhante de lava, com a futilidade de tentar explicar para ele como certas “modas” tinham origem em culturas patriarcais.

Eu nunca usei salto, basicamente porque o limite do que eu aguento de dor é menor até do que eu aguento de opressão de gênero. Eu passeio pela vida de sapatilhas, nas calçadas desniveladas de pedras com gelo na minha pequena cidade em New England e tomo cuidado como se eu estivesse usando slingbacks (modelo de sapato com a tira presa ao calcanhar) da Jimmy Choo (marca que leva o nome do próprio designer de sapatos). Por aqui não tenho vontade de morrer. Nem aqui nem na Itália, na verdade.

Eu sei que muitas mulheres amam seus saltos. Elas os amam do jeito que amam sutiãs com arames que deixam vergões vermelhos irritados, mas fazem seus seios parecerem fantásticos. Elas os amam do jeito que amam a depilação de pelos pubianos, que proporciona maciez e aparência de bebê ao preço de uma agonia breve, mas dolorosa. Moda! Não é para o prazer dos homens. Não, de jeito nenhum.

Saltos são sexy e a sensualidade é empoderadora e vale qualquer quantia de dinheiro ou dor no mundo e, de qualquer forma, eles realmente não são tão dolorosos e isso não tem nada a ver com homens ou patriarcado e é apenas uma expressão pessoal e definitivamente não é conformidade, então não diga às mulheres para não serem femininas e não nos diga o que fazer, porque é por isso que não somos feministas, pois fazemos nossas próprias escolhas e usaremos o que quisermos, mesmo que isso deforme nossos ossos porque parecemos melhores alguns centímetros mais altas com nossas bundas empinadas para cima, então quem é você para nos dizer o contrário, já que é divertido para nós e adoramos sapatos!

Os ícones do pop nos ensinam a ver o absurdo como o triunfo feminino. Lady Gaga usa saltos na praia. Kate Upton joga tênis usando salto. A sensação do rap, Cardi B, ama tanto os Louboutins de sola vermelha que deu ao estilista um aumento não solicitado de 217% nas vendas com sua música “Bodak Yellow”. Ele nem sabe quem ela é.

Antes do rap e do hip hop, das modelos de maiô da Sports Illustrated, das mídias sociais e da Internet das Coisas, as mulheres seguiam as dicas de revistas de moda e da televisão. Minha avó de pés retorcidos era como um dentista com dentes podres. Pense sobre isso. O que é preciso para gastar tanto dinheiro e tantos anos obtendo uma educação que você mesmo não pode adotar porque a sociedade é mais influente do que tudo o que aprendeu ser verdade? “Eu faço isso por mim” é uma poção poderosa. Beba-me.

Talvez eu esteja mais aborrecida com a afirmação de que a mídia e o marketing podem afetar os outros, mas não a si mesmos. Muitas pessoas acreditam que são imunes exclusivamente contra a publicidade devido a uma força inata do caráter, ao contrário de seus colegas mais estúpidos e mais suscetíveis. Isso é chamado de efeito de terceira pessoa e é uma das razões pelas quais as comunicações de massa são tão eficazes. Mas o marketing não seria uma indústria multibilionária se as pessoas estivessem imunes às suas mensagens. Se não desse certo, não haveria tendências da moda, materialismo ou consumismo, ponto final.

Mas não há questões mais importantes para focar e não tenho coisas melhores para fazer com o meu tempo? Sim e não para ambas as perguntas. Como você come um elefante? Uma mordida de cada vez. Melhor ainda: como você liberta as mulheres? Um passo de cada vez em sapatos que podem ir longe.


Por Lori Day — traduzido do Feminist Current

Matéria de 28 de Dezembro de 2017

Lori Day é uma psicóloga educacional com sua consultoria Lori Day Consulting em Newburyport, Massachusetts, nos Estados Unidos. Ela é a autora do livro Her Next Chapter e presidente da comissão diretora do Jeanne Geiger Crisis Center.

1 COMENTÁRIO

Comentários estão fechados.