Se você é um pouco antenada em histórias em quadrinhos ou nos filmes da Marvel e da DC Comics, você com certeza vem acompanhando um destaque nas personagens femininas que não seja necessariamente dentro do universo de outros heróis, como núcleo secundário, ou dentro de um núcleo de heróis no geral (como Vingadores, X-men e etc).

Você já ouviu falar da Mockingbird? Pois é.

Em 2017 tivemos o tão aguardado filme solo da Mulher Maravilha e em 2019 mundo reverenciou com gosto a história da Capitã Marvel — ressalva especial para a trilha sonora desse filme que reuniu No Doubt e Hole, fazendo meu coração disparar nos cinemas — . Quer outra curiosidade? Esses não são os primeiros filmes de heroínas que temos. Em 1984 tivemos “Supergirl”, que não foi nem de perto um sucesso de bilheteria. A Marvel ainda que tenha anunciado a criação de séries e filme solos para mais personagens femininas, só está o fazendo agora com mais afinco, depois de 53 anos da existência do gênero. É uma barreira sendo rompida, uma tradição de privilegiar apenas personagens masculinos, em sua maioria cis e brancos, e isso muito nos alegra. Mas, por que ficamos tão felizes assim? Pergunta boba e resposta óbvia: porque, finalmente, nós mulheres estamos sendo colocadas como heroínas e dignas de salvar o mundo. Sabe quando uma amiga sua consegue um cargo grande no trabalho, ou quando você descobre que uma empresa muito incrível é dirigida por uma mulher, você não sente aquele friozinho na barriga bom e pensa: “Caramba, finalmente estão fazendo a coisa certa?”. Podemos dizer que é mais ou menos isso que alguém que goste de heróis e heroínas sente. Mas, veja bem: isso não deveria ser normal?

Entenda, não estou falando para que filmes de heroínas não sejam mais feitos, longe disso, inclusive manda mais. A questão é que estamos tão desacostumadas com nós, mulheres, sermos representadas na saga do herói que qualquer filme vira realmente um alvoroço. Qualquer personagem que se destaque mais vira um ponto de referência para nós. Quer mais exemplos? Se você assistia Game Of Thrones, com certeza cansou de se emocionar com a força de mulheres incríveis que, infelizmente foram destroçadas no final da série. Mas, enfim. Outro debate, outra área. Quer mais que a Sansa Stark que teve toda a sua força reduzida a lógica do estupro?

Uma amiga minha fez o trabalho de conclusão de curso criando um Glossário bilíngue, com base em Linguística de Corpus, sobre a Jornada do Herói dentro da Narrativa de Ficção , analisando textos tanto em inglês como em português. E um dos levantamentos apontados pelo artigo é a não frequência no uso do termo “heroína”. O que acontece muito é que o uso é dado através da palavra herói + feminina. Ou seja, usa-se o termo masculino acrescido do adjetivo para qualificar uma mulher. Durante a obra houve também recorrentemente o uso de “herói” para se referir a mulheres, aquela velha história do termo em masculino englobar a todas as pessoas. Se uma pessoa se refere a descoberta de algo como “o homem descobriu XXXX” todo mundo associa isso a uma descoberta universal, mas quando colocamos “a mulher descobriu XXXXX” a percepção já não é mais a mesma. Entende?

Ainda sim, com todos esses avanços e mulheres ganhando destaque no mundo geek — que por sinal é predominantemente machista — , ainda temos problemas a serem discutidos.

  • Nossa heroínas ainda são constantemente colocadas em roupas que revelem mais seus corpo e sejam muito menos ágeis para lutas:
Por favor, a mulher maravilha está num campo de batalha. Imagine-se num campo de batalha usando saia…
  • Nossos corpos ainda são mais explorados do que nossa habilidade de luta:
A ilustração é assinada por Milo Manara, artista italiano conhecido por seu trabalho erótico. A Marvel inclusive foi processada por isso.
  • Ainda questionam a existência de nós mulheres no mundo dos quadrinhos.
A série sobre a She-Hulk inclusive incendiou as redes sociais recentemente. Houve quem dissesse que ela nem existia e era desnecessário criar algo para a heroína.

E eu poderia ficar aqui citando muitos exemplos, mas o que eu quero reivindicar aqui é nosso direito de ter uma trajetória diferente da que estamos acostumadas a ver. A importância desses filmes, desse fortalecimento de mulheres mostra a importância de ver o semelhante na TV, nos quadrinhos, no cinema, em séries, em livros, etc: estamos acostumadas a ver mulheres sendo representadas como mães, donas de casa ou meramente objetificadas. Mostrar para as futuras meninas que elas podem sonhar em ser outras coisas além dessa tarefas e mais do que isso, sem ter a dependência de um homem é muito forte, significa muita coisa. Uma reviravolta nesses conceitos, então, mostras um leque de oportunidades.

Em contrapartida, mulheres estão constantemente representadas em filmes, séries, livros, histórias no geral como núcleo central, mas ainda sim, só ganhando ascensão, felicidade, dinheiro, prazer e etc quando homens estão a sua volta. A verdade é que a indústria não está interessada em nos dar jornadas do herói, porque nós não a merecemos. Afinal de contas, uma mulher tem seu caminho traçado desde o momento que vem a esse mundo: nascer, crescer, estudar (mas não muito), arrumar um emprego (mas não ganhar muito), encontrar um marido, abrir mão da carreira pelos filhos e pela casa, cuidar desse homem e quem sabe, se tudo der certo, ser feliz. Protagonizar uma vida de aventuras, cheia de percursos, diferentes objetivos e até mesmo não ser salva por um homem… Não, isso é muito. É muito irreal. Afinal, ensinem mulheres a sonhar, mas não muito, ok?!