Três mentiras que o Feminismo Mainstream conta às mulheres
Três mentiras que o Feminismo Mainstream conta às mulheres

(E como identificá-las)

Você já sentiu que, enquanto você apoia a igualdade e a libertação das mulheres, há algo de estranho no feminismo mainstream? Talvez você não consiga apontá-lo, mas talvez mesmo que você acredite que está fazendo tudo certo, você não se sente particularmente igual ou libertada.

Você não está sozinha. Feministas dos séculos XIX e XX que faziam campanhas pela libertação e diretos das mulheres provavelmente considerariam o feminismo mainstrean um completo nome impróprio — talvez uma grande piada.

Atos sexuais extremos e violentos, compra e venda de mulheres, e o desempenho elevado da feminilidade são hoje considerados “feministas”, desde que as mulheres “livremente” optem por participar. Mas é possível que tenhamos mentido?

O feminismo mainstream de hoje não está nos levando para mais perto da libertação. Está apenas tornando a mulheres cúmplices e ativas em sua própria subjugação.

Lista da Vox dos homens acusados no #MeToo. Foto da autora

Mentira #1: O problema é só alguns homens ruins

O movimento #MeToo certamente fez algum bem. Trouxe à tona o problema de assédio sexual e abuso no ambiente de trabalho, principalmente em Hollywood e na política. No entanto, a conversa continua se mantendo a um grupo restrito de homens, chamados de “abusadores”, enquanto homens não-acusados ainda não são capazes de despertar assistindo aos programas de tarde da noite na TV, que chama atenção para esses problemas.

Para ser clara, eu não estou dizendo que todos os homens abusam mulheres no mesmo grau. Muitos homens estão tentando ativamente ser melhores aliados das mulheres. Mas essa abordagem “nem todo homem” obscurece o real problema: violência masculina.

Como já apontei antes, as pesquisas sobre a violência masculina são esmagadoras:

– 90% dos responsáveis por violência sexual contra mulheres são homens

– 93% dos responsáveis por violência sexual contra homens são homens

– 95% dos responsáveis por violência sexual contra crianças são homens

“Praticamente todo homem adulto vai cometer, de alguma forma, violência sexual contra as mulheres, mesmo que eles nunca tenham cometido algum crime sexual — seja através da compra de sexo (20%), assédio sexual no trabalho (33%), assistindo pornografia (98%), assédio sexual nos campi (35%), coagir mulheres a determinadas práticas sexuais (46% dos parceiros homens), ou simplesmente manter o sistema que permite que essas coisas aconteçam”.

A dicotomia homem bom e homem mau, perpetuada por slogans como “Homens de verdade não estupram”, apaga a realidade de que homens, sim, estupram. Humanos reais, especificamente homens, são a maioria absoluta dos estupradores.

Embora todas tenhamos nas nossas vidas homens que amamos, seja marido, namorado, pai, irmão, filho ou amigo, ignorar a verdade de que homens enquanto classe cometem violência contra mulheres enquanto classe é uma mentira patriarcal para permitir que homens saiam impunes.


Mentira #2: Nossa subjugação pode ser empoderadora

Essa mentira é usada para fazer mulheres se tornarem complacentes com as expectativas de comportamento que a sociedade tem a respeito delas que quase completamente beneficiam os homens. Vemos isso desde a maquiagem até a prostituição.

Para entender isso, precisamos entender que a feminilidade é uma parte integral da opressão das mulheres. Apesar das alegações contrárias, a feminilidade não é aspecto inerente à mulheridade. É uma construção social de comportamentos, atitudes e estética às quais se espera que as mulheres adiram no patriarcado, para nos manter em posição de subserviência. A feminilidade, em qualquer grau, não é uma escolha que as mulheres têm. É um sinal de nossa opressão.

Feminilidade sempre é “menos” que masculinidade. É menos valorizada, tem menos poder, é menos conveniente e menos eficiente. A feminilidade tem sido usada para controlar mulheres desde a casa até o trabalho e em tudo que está entre os dois.

O feminismo mainstream, que prioriza a falsa noção de “escolha”, diz que uma mulher simplesmente escolher aderir a estrita feminilidade é empoderador. A narrativa falha totalmente em examinar de maneira crítica como nossas escolhas são coerções sociais, e como uma classe subjugada nunca conseguirá se libertar escolhendo livremente aceitar sua opressão. Esse argumento nada mais é do que culpar a vítima.

Isso, certamente, não é o mesmo que dizer que mulheres que participam da feminilidade estão erradas, são menos feministas ou mais fracas. De outra forma, isso quer dizer que temos que reconhecer que algumas mulheres vão escolher participar do jogo patriarcal com o desejo de sobreviver. Mas essa forma de sobrevivência que é se submeter ao patriarcado não é libertação, não é empoderamento. É lidar com. Nós devemos respeitar o fato de que todas as mulheres precisam encontrar formas de lidar com o patriarcado, e cada uma de nós o fazemos de formas diferentes, mas isso não muda a verdade de que a feminilidade sob o patriarcado é subjugação.

Similarmente, se mulheres “escolhem” participar das práticas sexuais para sobreviver sob o regime patriarcal capitalista, não há nada empoderador nisso. Se a escolha de uma mulher de participar de atividades sexuais depende totalmente de receber dinheiro em troca, essa escolha simplesmente é coerção. A mentira de que o “trabalho sexual” é qualquer coisa que não estupro pago é obviamente algo que beneficia homens e não poderia estar mais distante de qualquer coisa parecida com feminismo.

No entanto, hoje, o feminismo mainstream insiste que isso é empoderador. Essa mentira está profundamente atrelada ao racismo e classismo, já que mulheres brancas de classe média que dizem que “trabalho sexual é empoderador!” jamais considerariam fazê-lo.


Mentira #3: Positividade sexual beneficia mulheres

Claro, existem algumas partes na positividade sexual que podem beneficiar mulheres. O mais óbvio exemplo é que mulheres são humilhadas por serem sexuais, ao mesmo tempo em que homens as pressionam a ser assim cada vez mais e mais. A positividade sexual foi uma tentativa de fazer as mulheres não se sentirem envergonhadas de gostarem de sexo — mas, convenientemente, se esqueceram da pressão masculina.

Ao invés de expandir as escolhas das mulheres em termos de quando, onde, como e com quem nós podemos ser sexuais e nossa habilidade de rejeitar sexo por completo, a positividade sexual expandiu uma subseção muito estreita de nossas escolhas. Agora, podemos ser sexuais com homens no quarto, na cozinha e até no corredor! Nós podemos fazer sexo no alpendre, nos fundos, em qualquer lugar! E não ouse envergonhar o fetiche masculino se o homem quiser te bater, talvez até te matar, durante o sexo. Tudo isso é muito divertido!

A positividade sexual, na realidade, deu às mulheres mais formas de dizerem “sim” para o sexo com homens ao mesmo tempo que tenta remover o “não” do vocabulário completamente.

Atualmente, mulheres que não desejam fazer sexo com os homens são puritanas, reprimidas ou pior: conservadoras.

Isso não foi um acidente. A longa estrada para levar o feminismo a apoiar o prazer sexual masculino acima de tudo começou com os sexologistas no início do século XX, que patologizaram mulheres que querem se abster de sexo como “frígidas” e portanto, precisam ser consertadas. Esse processo é descrito de maneira detalhada no livro clássico feminista de Sheila Jeffreys, “The Spinster and her Enemies” (A Solteirona e seus Inimigos, em tradução livre).

A sexualidade atual foi intencionalmente construída pelos homens do passado.

A mudança para aceitar a pornografia como “feminista” está diretamente relacionada a essa tentativa de normalizar a participação das mulheres na sexualidade violenta masculina. Mais e mais mulheres estão sendo pressionadas a participar de atos sexuais criados por pornógrafos para obter mais cliques de homens viciados em pornografia. BDSM, a normalização da sexualidade verdadeiramente violenta sob a cobertura de “consentimento” construído, é o resultado natural dessa linha de pensamento.

Hoje, o feminismo está permitindo que mulheres sejam assassinadas durante o sexo porque estão com medo de serem taxadas de kinkfóbicas. E isso funciona — 45% dos homens dizem, em sua defesa, que as mulheres que eles mataram durante o sexo consentiram o ato sexual violento.

A positividade sexual colocou o prazer masculino acima da vida das mulheres. Isso não é feminismo de maneira nenhuma.


Como Identificar uma Mentira Feminista

Se te disserem que algo é feminista ou empoderador, aqui vai uma forma de checar se é verdade.

Faça a si mesma a pergunta: Quem se beneficia mais, homens ou mulheres?

Cada uma dessas mentiras trouxe às mulheres algum benefício marginal, e é por isso que nos alinhamos a elas por tanto tempo. A habilidade de nomear e envergonhar um homem abusivo é nova e excitante para as vítimas. Aquelas que sentem que devem performar feminilidade para progredir no trabalho gostam de sentir que têm autoridade para tomar suas decisões. As mulheres estão cansadas de serem envergonhas por sua sexualidade, queremos poder desfrutar e deleitar-nos com nossas experiências sexuais.

Mas estamos sendo enganadas. O feminismo mainstream está nos vendendo à violência masculina e às normas patriarcais.

Em uma cultura em que todo mundo está com medo de te “chamarem a atenção”, podemos ter medo de questionar o que nos dizem, ainda mais publicamente. Mas o feminismo não é, e nunca foi, para o benefício masculino.

Então, pergunte a si mesma: mentiram para mim?


M. K. Fain é uma escritora feminista que foi demitida por defender os direitos das mulheres. Considere se tornar uma patrocinadora dela através de seu Patreon.


*Mainstream traduzido ao pé da letra é convencional. Essa palavra é atribuída para se referir aquilo é o dominante no discurso da mídia, das redes sociais, no senso comum.

Texto Original escrito por M. K. Fain, 26/11/2019, original pode ser lido aqui.



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