A agenda política de criminalização do aborto no Governo Bolsonaro em 2020

Uma análise sobre o avanço do conservadorismo e os impactos sobre a saúde sexual e reprodutiva das meninas e mulheres brasileiras

Introdução


O presente ensaio tem como objetivo apontar os principais eventos da agenda política da criminalização do aborto no Brasil durante o governo Bolsonaro, mas precisamente a partir de junho de 2020. Do final do primeiro semestre deste ano até a finalização deste artigo, considero os cinco episódios fundamentais para a ameaça do direito ao Aborto Legal no país, são eles: a exoneração da Equipe da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde (junho), a intervenção do Governo no caso da menina do Espírito Santo (agosto), a Portaria Nº 2.282 e a Portaria Nº 2.561 do Ministério da Saúde (agosto e setembro, respectivamente) e a assinatura da Declaração do Consenso de Genebra (outubro).

O Governo de Jair Messias Bolsonaro nunca procurou esconder o seu comprometimento com os ataques aos direitos das mulheres e da população LGBT, em especial, os direitos sexuais e reprodutivos. A agenda política anti-aborto é uma das bandeiras conservadoras mais representadas durante o atual governo. Muito antes de iniciar o mandato, o atual presidente sempre reiterou o posicionamento proibicionista e criminalizador. A indicação de Damares Alves, advogada e pastora evangélica, para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi muito bem planejada para que a ministra desempenhasse um papel fundamental na agenda política conservadora.

Desde o início do governo, acompanhamos o desmonte de políticas públicas e os ataques aos Direitos Humanos de grupos em situação de vulnerabilidade social, como, as mulheres, a população negra e pobre, a população em situação de rua e privação de liberdade, indígenas, quilombolas e povos tradicionais, ribeirinhos, povos da floresta e do campo, além da população atingida por grandes projetos, como na Amazônia e Minas Gerais. Em 2020 a situação de vulnerabilidade das minorias sociais foi agravada em decorrência da pandemia de COVID-19. O desmonte das políticas públicas sociais assolam a população mais vulnerável com a violação de direitos fundamentais — moradia, alimentação, saneamento, renda, educação e seguridade social.

Exoneração da Equipe da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde

Em 01 de junho de 2020, a Coordenação de Saúde das Mulheres, juntamente com a Coordenação de Ciclo de Vidas, o Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde publicaram a Nota Técnica Nº 16/2020 que orienta os serviços de saúde no contexto da pandemia de COVID-19 a fim de garantir o acesso integral à Saúde da Mulher, em especial, a Saúde Sexual, Saúde Reprodutiva e a Saúde Materno-Infantil no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (1).

Após a publicação da Nota, ocorreram exonerações na área de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, inclusive da coordenadora. O fato não foi bem recebido pelas profissionais da saúde e ativistas do movimento feminista. Entidades que lutam em defesa dos direitos das mulheres, como os direitos sexuais, direitos reprodutivos e o direito à saúde, manifestaram a repúdio diante do acontecimento (2).

A Nota assume o posicionamento em consonância com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) para os serviços de Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva considerados como essenciais durante a pandemia de COVID-19, isto significa, não devem ser interrompidos ou suspendidos nem
temporariamente durante a pandemia. Entretanto, em abril, ainda no início da pandemia, o Hospital Pérola Byington suspendeu o serviço de aborto legal, referência no país para atenção às mulheres vítimas de violência sexual (3).

O documento ainda ressalta a necessidade de garantir o serviço haja vista as desigualdades sociais e regionais que são determinantes para o acesso universal, integral e equânime ao SUS à mulher em situação de violência e necessidade de interrupção da gravidez. O mesmo reconhece que o impacto da situação de calamidade em saúde pública na disposição dos serviços, todavia, é responsabilidade dos mesmos o remanejamento dos fluxos de atendimentos para meninas e mulheres.

O presente documento tem como objetivo alertar para a explosão de casos de gestações não-planejadas em decorrência da obstrução aos métodos contraceptivos e exposição à violência doméstica e sexual no contexto da pandemia, predominantemente, nos país em desenvolvimento e mais pobres, como é o caso da América Latina. Portanto, julga-se extremamente necessária a distribuição gratuita do contraceptivo de emergência prevista nas unidades de saúde do SUS. Neste contexto, ressalta-se também os impactos da pandemia para a saúde materno-infantil de milhões de brasileiras que tiveram o acesso ao pré-natal comprometido devido o fechamento de maternidades públicas de referência em Parto Humanizado (4).

De acordo com a Nota Técnica, a suspensão ou interrupção temporária dos serviços de Atenção à Saúde Sexual e Reprodutiva impacta a vida das brasileiras que dependem do SUS para ter acesso gratuito às ações de promoção e prevenção em saúde sexual e reprodutiva, tais como: insumos e métodos contraceptivos, como preservativos e Dispositivos Intra-Uterinos (DIU); prevenção e tratamento para Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), como HIV/AIDS; serviço de abortamento seguro para os casos previstos em Lei; e atenção integral à mulher vítima de violência doméstica e/ou sexual.

Lembrando que o próprio contexto de isolamento e distanciamento social é por si só um empecilho para o acesso, sem contar a realidade das mulheres em situação de rua, privação de liberdade e violência doméstica, além das moradoras de regiões interioranas, campesinato, ribeirinhas e os territórios geográficos mais isolados. Vale ressaltar os impactos da pandemia na saúde mental e psicossocial das mulheres, não mencionada na Nota, porém, evidentemente relevante para a análise do contexto de vulnerabilidade. O contexto de isolamento social somada às múltiplas facetas da violência doméstica, à sobrecarga do trabalho precarizado e à reprodução social e do cuidado, levou milhares de mulheres ao esgotamento físico e mental durante os últimos sete meses.

Por fim, a Nota reúne uma série de recomendações a fim dos serviços de saúde manterem a continuidade dos atendimentos, ainda que de maneira remota, utilizando a inovação tecnológica aplicada à saúde, como o uso da telemedicina para a realização de consultas e ações de educação em saúde.

A intervenção do Governo Federal no caso da menina do Espírito Santo

Em 07 de agosto de 2020 uma menina de 10 anos deu entrada no Hospital Municipal de São Mateus (ES) apresentando sintoma de dores abdominais. Porém, tratava-se de uma gestação de quase cinco meses decorrente de estupro. A mesma era vítima de violência sexual desde os seis nos de idade, praticada pelo tio, condenado por estupro de vulnerável. Em 08 de agosto, a menina foi direcionada ao Hospital das Clínicas, hospital de referência à meninas e mulheres em situação de violência sexual e aborto legal localizado em Vitória, capital do estado. A equipe de referência do Hospital negou a realizar o procedimento, alegando objeção de consciência por se tratar de um caso de gestação avançada.

Conforme o Código Penal Brasileiro, existem três situações em que o aborto legal é previsto em Lei no Brasil: gravidez decorrente de violência sexual/estupro, gravidez de risco à saúde materna (5), e em casos de anencefalia fetal (6), isto é, o feto é anencéfalo (sem cérebro, calota craniana, cerebelo e meninges) e vai à óbito durante ou após o nascimento. Portanto, o caso da menina se enquadra no aborto legal.

Segundo o Código de Ética da Medicina, é direito da(o) profissional da Medicina alegar objeção de consciência, ou seja, recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência. Porém, a objeção de consciência não pode ser invocada nos casos de ausência de outro médico especializado na instituição, urgência ou emergência e quando a objeção possa trazer danos à saúde da paciente (7). Em caso de omissão, o médico pode inclusive responder pelo crime previsto no art. 13§ 2o do Código Penal Brasileiro (8). Conclui-se que, o caso da menina não se enquadra em objeção de consciência.

De acordo com a Nota Técnica do Ministério da Saúde para a Atenção Humanizada ao Abortamento, o abortamento é a interrupção da gravidez até a 22 semana e com produto da concepção pesando em torno de 500g (9). Logo, o caso da menina se enquadra no aborto legal porque a idade gestacional de 20 semanas (cinco meses) estava amparada pelas orientações técnicas e científicas do Ministério da Saúde e protocolos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em 14 de agosto, o juiz Antônio Moreira Fernandes atendeu a um pedido do Ministério Público, favorável à interrupção da gravidez. Na decisão, está escrito “que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal”. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil seção Espírito Santo (OAB-ES):

“O código penal é o único instrumento no Brasil que fala sobre a prática de interrupção de gravidez e lá não fala a quantidade de semanas ou de peso de feto que pode ser praticado o aborto. Entretanto, existem regramentos médicos de 1999 que trazem lá a possibilidade de se realizar a interrupção de gravidez até 22 semanas ou até o feto atingir 500g. Nós entendemos que os médicos têm o direito de se referenciar nessa prática, ou seja, não existe nenhuma espécie de omissão médica, nenhuma espécie de crime. E também não pratica nenhum crime aquele médico que se dispõe a fazê-lo a partir das 22 semanas ou a partir das 500 gramas”, destaca José Carlos Rizk Filho, presidente da OAB-ES.

Segundo a avó da menina, pessoas com envolvimento político-religioso foram até a sua casa na tentativa de persuadir a decisão para a menina prosseguir com a gestação, ainda que indesejada. Há a suspeita do envolvimento de uma equipe da Ministra Damares Alves que esteve em São Mateus com o objetivo de intervir diretamente no caso. Segundo relatos, a avó recebeu mensagens de áudio da suposta equipe de saúde encaminhada pela Damares, oferecendo amparo médico para a menina seguir com a gravidez. De acordo com o homem que encaminhou o áudio para a avó, efetuar o aborto representava risco à saúde da menina, o mesmo recomendou levar a gestação à diante e realizar o parto cesáreano. De acordo com os assistentes sociais que acompanharam o caso, a reação da menina era de medo e angústia devido à exposição às violências sofridas antes e durante o procedimento. A mesma expressou o pedido de interromper com a gravidez, cabendo à avó acatar com a decisão da neta.

À esta altura, o acontecimento ganhou rapidamente repercussão nacional. Grupos religiosos de católicos e evangélicos aliados ao Governo Bolsonaro foram informados através do vazamento das informações sigilosas na internet, sabe-se que a Sara Winter foi uma das responsáveis pela notoriedade e por incentivar a perseguição da menina publicando em suas contas pessoais em redes sociais (Instagram e Twitter), os dados e informações sobre o paradeiro da criança. Em 16 de agosto a menina foi levada até Recife (PE) para o atendimento no Centro Integrado de Saúde Aumari de Medeiros (CISAM). O procedimento foi realizado pelo Olympio Moraes Filho, médico especializado no atendimento ao aborto legal e humanizado.

O discurso pautado no ódio e criminalização ganhou forças na internet e levou centenas de pessoas a protestar na frente do hospital em Recife. Os grupos fundamentalistas fizeram pressão do lado de fora durante toda a estadia da menina, houve inclusive a tentativa de invasão. Ao gritos, entoavam palavras de ódio à menina, à avó, ao médico e à equipe do hospital, chamando-os de “assassinos”. Considerando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a criança tem o direito ao “respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” (10). Portanto, o caso deveria correr no âmbito sigiloso e em hipótese nenhuma as informações privadas deveriam ser disponibilizadas na internet.

A maneira como o caso foi conduzido apresenta uma série de violações dos Direitos Humanos, Direitos da Criança, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Conferências e tratados internacionais, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Conferência de Cairo, 1994) e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Conferência de Pequim, 1995) são marcos da luta pelo reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres como Direitos Humanos (11).

Portaria Nº 2.282 e Portaria Nº 2. 561 do Ministério da Saúde

Em 27 de agosto de 2020 o Ministério da Saúde publicou a Portaria Nº 2.821 que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O caráter da Nota foi amplamente criticado por órgãos, organizações, profissionais, pesquisadoras e ativistas vinculadas à ordem jurídica e à área da saúde comprometidas com os direitos das mulheres e o combate às violações e violências de gênero. Após as publicações de diversas Notas Técnicas e de Repúdio manifestando as inconstitucionalidades da Portaria, como a da Defensoria Pública da União (DPU) em consonância com as Defensorias Públicas Estaduais (DPE’s) e os Núcleos de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM’s) (12 e 13). As Secretarias Estaduais de Saúde também lançaram Notas Técnicas orientando o não cumprimento da Portaria nos serviços de referência à mulher vítima de violência sexual (14). A Portaria 2.282 foi revogada e uma nova publicada em 23 de setembro. Apesar da revogação da primeira, o posicionamento de criminalização da mulher em situação de violência sexual e aborto permanece no segundo documento que entrou em vigor à nível nacional.

No art. 1º da Portaria Nº 2.282 que consta a obrigatoriedade da “notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolherem a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro”. Primordialmente, desempenhar o papel de agentes da segurança pública não cabe aos profissionais da saúde, isto significa, não devem ser orientados a notificar externamente as autoridades de segurança; ao menos, em casos excepcionais de risco à sociedade ou à vítima, ainda sim, cabe ao juízo do responsável sanitário e com o consentimento prévio da mesma ou responsável.

Sob hipótese alguma os profissionais da saúde são autorizados a compartilhar prontuários e fichas específicas da àrea às competências da segurança pública sem a anuência da pessoa em situação de violência. O prontuário médico/clínico é um documento exclusivo do campo da saúde, deste modo, para o fornecimento do mesmo é necessária a autorização por escrita da pessoa, por ordem judicial.

O inciso 3º do art. 4º da Portaria Nº 2.282 prevê a presença de anestesista na composição da equipe multiprofissional de saúde. Entende-se que não há necessidade do profissional da anestesia e a inclusão do mesmo pode contribuir para a burocratização e empecilho do procedimento. A equipe de referência deve ser composta por profissional obstetra, enfermeira(o), psicóloga(o) e/ou assistente social.

Destaque também para o art. 8º da Portaria Nº 2.282 que orienta a equipe médica a informar a possibilidade da visualização do feto através da ultrassonografia. Qual o objetivo da orientação a não ser expor meninas e mulheres à situação violência institucional? A prática em nada contribuiu para o atendimento integral e humanizado. A recomendação não está prevista em nenhum protocolo técnico e orientativo internacional de saúde, muito menos nos documentos do Ministério da Saúde.

A tentativa é o claro convencimento da menina ou mulher à desistência do procedimento. A exposição à situação é uma prática de tortura com as mulheres. Anteriormente, Normas Técnicas e Portarias do Ministério da Saúde (15) já preveem o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez composto por quatro fases, incluindo a assinatura da paciente em três termos: Termo de Relato Circunstanciado, Termo de Responsabilidade e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O consentimento e esclarecimento da pessoa registrados por escrito é o suficiente para a autorização do procedimento.

As orientações e informações pertinentes ao procedimento devem ser comunicadas de forma acessível e baseada nas recomendações da saúde e do Ministério da Saúde para o atendimento no âmbito do SUS. Sob possibilidade alguma o objetivo deve ser a imposição de crenças e valores pessoais, cabendo a(ao) profissional informar o procedimento, a assistência psicossocial e a garantia da integridade e sigilo da paciente, visando o atendimento humanizado e especializado. À respeito das orientações sobre os riscos do procedimento, a abordagem deve ser realizada conforme a situação, baseada em evidências científicas e da saúde.

Declaração do Consenso de Genebra

Em 22 de outubro, Damares Alves, responsável pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, acompanhada de Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, representaram o Governo Federal na reunião online de lançamento da Declaração do Consenso de Genebra (16). O acordo internacional prevê uma “aliança antiaborto” entre seis nações — Estados Unidos e Brasil assinam a co-autoria do documento, Hungria, Egito, Uganda e Indonésia são signatários — para restringir os direitos sexuais e reprodutivos. O Consenso defende o direito à vida desde a concepção ao declarar que ” a criança precisa de salvaguardas e cuidados especiais antes e depois do nascimento” e não reconhece a interrupção da gravidez como questão de saúde sexual e reprodutiva. O mesmo ainda defende a família tradicional e o papel da mulher como responsável pela manutenção do “bem-estar da família e para o desenvolvimento da sociedade”.

A princípio, a Declaração não tem peso jurídico, contudo, ratifica o retrocesso no campo dos direitos sexuais e reprodutivos e o enfraquecimento da diplomacia brasileira no âmbito internacional. O documento ao afirmar que “não há direito internacional ao aborto” adota o posicionamento negacionista perante a construção do amparo jurídico internacional para ampliação dos direitos sexuais e reprodutivos, salvo destaque para a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (1994) e a Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995).

Assim, o Brasil ganha cada vez mais notoriedade na agenda política internacional contra o aborto, ao lado de Donald Trump, que aposta na bandeira anti-aborto para garantir a releição e rever a legislação americana sobre a interrupção da gravidez. Os demais quatro países signatários possuem históricos de violações dos Direitos Humanos reconhecidos internacionalmente. Por fim, a Declaração somada aos eventos mencionados anteriormente, coloca o direito ao Aborto Legal no Brasil em risco e abre a oportunidade para a argumentação política respaldada em acordo internacional para eventuais alterações legais ou administrativas à nível nacional.

Considerações Finais

Por fim, propõe-se uma análise crítica dos fatos citados neste ensaio a fim de considerar que os acontecimentos recentes não foram ao acaso, e sim fazem parte da agenda política da criminalização dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos das meninas e mulheres brasileiras. A realização do aborto no âmbito da ilegalidade e inseguridade à saúde da mulher, a ausência da rede de apoio psicossocial e a violência institucional reproduzida no serviços de saúde e segurança pública são alguns dos problemas enfrentados pelas mulheres que abortam, independentemente do controle do Estado e dos órgãos governamentais. De nenhuma maneira, trata-se de dizer que a criminalização das meninas e mulheres que abortam começa e termina no Governo Bolsonaro, mas sim atentar para o posicionamento do atual governo diante do problema de saúde pública. Além do desmantelamento do Sistema Único de Saúde acelerado desde 2016 com a Emenda Constitucional 95, também conhecida como Emenda da Morte, que prevê o congelamento dos investimentos públicos em saúde pelos próximos 20 anos; em 2020, meninas e mulheres que necessitam do SUS passaram a enfrentar novos desafios e dificuldades para o acesso universal, integral e equânime à saúde sexual e reprodutiva, em decorrência da pandemia da COVID-19 e dos ataques ao direito à saúde.


Notas:

1 BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação de Saúde das Mulheres, Coordenação de Ciclo de Vidas, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Nota Técnica Nº 16/2020. Acesso à saúde sexual e reprodutiva no contexto da pandemia de COVID-19. Disponível em: https://www.cfemea.org.br/images/stories/NT-MS-_ministerioaborto_jun20.pdf. Acesso em: 24.out. 2020.
2 REDE FEMINISTA DE SAÚDE. Nota de repúdio à exoneração da equipe da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde. Disponível em: https://redesaude.org.br/nota-de-repudio-a-exoneracao-da-equipe-da-area-tecnica-saude-da-mulher-do-ministerio-da-saude/. Acesso em: 25.out. 2020.
3 SX POLITICS ORG. Aborto e saúde reprodutiva ameaçados sob a COVID-19. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/aborto-e-saude-reprodutiva-ameacados-sob-o-covid-19/10257. Acesso em: 24.out.2020.
4 PLURAL JORNAL. Defensoria Pública pede reabertura de maternidades em Curitiba. Disponível em: https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/defensoria-publica-pede-reabertura-de-maternidades-em-curitiba/. Acesso em 24.out.2020.
5 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto-Lei Nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 25.out.2020.
6 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 442. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/ADPF000442InterrupodaGestaoCD.pdf. Acesso em: 24.out.2020.
7 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica: Resolução CFM Nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Conselho Federal de Medicina: Brasília, 2019. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 24.out.2020.
8 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto-Lei Nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em: 25.out.2020.
9 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Norma Técnica Atenção Humanizada ao Abortamento. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf. Acesso em: 25.out.2020.
10 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 25.out.2020.
11 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde sexual e saúde reprodutiva. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_sexual_saude_reprodutiva.pdf. Acesso em: 25.out/2020.
12 COMISSÃO ESPECIAL PARA A PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER DO COLÉGIO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS GERAIS (CPDDM/CONDEGE). Nota Técnica Portaria Nº 2.282, de 27 de agosto de 2020. Disponível em:https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/41/Documentos/Nota-Portaria-2282-CDDM-CONDEGE.pdf. Acesso em: 25.out.2020.
13 NÚCLEO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ (NUDEM/DP-PR). Recomendação NUDEM Nº 02/2020. Acesso em: 25.out. 2020.
14 SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ (SESA/PR). Nota Técnica Nº 11/2020. Disponível em: http://www.cedm.pr.gov.br/2020/10/66/Nota-Tecnica-no11-2020-COPS-DAV-SESA.html Acesso em: 25.out. 2020.
15 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.508, de 01 de setembro de 2005. Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Brasília: Diário Oficial da União, 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2005/prt1508_01_09_2005.html. Acesso em: 25.out.2020.
16 HUFFPOST BRASIL. O que é a declaração antiaborto que Brasil e EUA articulam e qual o seu impacto. Disponível em: https://www.huffpostbrasil.com/entry/declaracao-genebra-aborto_br_5f90c42fc5b66d4a0dbbd2a3?utm_hp_ref=br-mulheres. Acesso em: 25.out.2020.

Referências:

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BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.508, de 01 de setembro de 2005. Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS. Brasília: Diário Oficial da União, 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2005/prt1508_01_09_2005.html. Acesso em: 25.out.2020.
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CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA (CFEMEA). Depois do caso da menina do ES, Ministério da Saúde divulga portaria que dificulta o acesso ao aborto legal. Disponível em: https://www.cfemea.org.br/index.php/alerta-feminista/4837-depois-do-caso-da-menina-do-esministerio-da-saude-divulga-portaria-que-dificulta-o-acesso-ao-aborto-legal. Acesso em: 24.out.2020.
COMISSÃO ESPECIAL PARA A PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER DO COLÉGIO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS GERAIS (CPDDM/CONDEGE). Nota Técnica Portaria Nº 2.282, de 27 de agosto de 2020. Disponível em:https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/41/Documentos/Nota-Portaria-2282- CDDM-CONDEGE.pdf. Acesso em: 25.out.2020.
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