Os 4 modelos legais sobre prostituição
Os 4 modelos legais sobre prostituição

Modelo Proibicionista: criminalização da prostituição

No modelo proibicionista, todas as atividades envolvidas no sistema da prostituição são criminalizadas. Compra, venda, proxenetismo (cafetinagem), manutenção de bordéis e, obviamente, tráfico sexual são tratados igualmente como crimes, punidos por lei. Todos os atores envolvidos são vistos como criminosos.

Onde isso acontece? Armênia, Azerbaijão, Croácia, maior parte dos Estados Unidos.

Um exemplo disso são os Estados Unidos. A maioria dos estados nos EUA, à exceção de alguns estados em Nevada (onde varia entre a legalização e a total descriminalização), aplicam esse modelo.

Qual o problema?

O modelo proibicionista reforça legalmente que a prostituição é errada, sem dizer o que necessariamente está errado ou quem está errado. É errado vender sexo? É errado comprar sexo? É o tráfico que é errado ou é errado ser vítima de tráfico? A falsa “igualdade de tratamento” numa sociedade extremamente desigual resulta, na realidade, numa forte discriminação contra as mulheres prostituídas, que são as principais criminalizadas. Na maioria das vezes, apenas mulheres são presas por se prostituírem. Geralmente, isso também implica violência por parte dos agentes da polícia — comumente varia de agressão física a estupro. Homens compradores ou cafetões quase nunca são responsabilizados.

Além dessa problemática mais imediata, a lei não diz absolutamente nada sobre a sociedade e os valores que pretende estabelecer. Ou seja, as leis não têm apenas o propósito de vigiar e punir, mas, e esta é talvez a sua participação principal na sociedade, funciona como uma espécie de ferramenta pedagógica. As leis moldam a moralidade da cultura. Ao criminalizar tanto a pessoa prostituída quanto o cafetão e o traficante, a mensagem transmitida para a sociedade como um todo é de que todos esses atores estão igualmente errados e são igualmente “maus”. Dessa forma, a lei não só reforça e perpetua a já gritante desigualdade — visto que falha em observar o percurso dos direitos políticos de homens e mulheres ao longo dos tempos, além das dinâmicas de raça (nos EUA, mulheres negras são cerca de 7% da população, mas são aproximadamente 40% das pessoas prostituídas) — ela é, sobretudo, ineficiente. Como não reconhece vítimas, apenas criminosos, é incapaz de propor soluções, reparações e alternativas construtivas de combate ao problema (afinal, não há problema!).


Modelo Regulacionista: legalização da prostituição

No modelo regulacionista ou legalista, a prostituição é regulamentada pelo Estado como uma profissão. O tráfico e o proxenetismo continuam, em tese, criminalizados. Este modelo costumava ser chamado de Modelo Holandês, porque o governo promoveu essa lei internacionalmente, fazendo grande propaganda e advogando ativamente pela legalização da prostituição e dos bordéis. A prostituição é redefinida como trabalho sexual.

Onde isso acontece? Alemanha, Holanda, Áustria, Grécia, partes do Canadá e Austrália.

Qual o problema?

Na prática, o governo está mais preocupado com impostos do que em regulamentar a situação das pessoas na prostituição. Quando defendiam a legalização, antes de implementar, a argumentação era de que isso empoderaria as mulheres. Removeria o estigma, garantiria direitos, acabaria com o proxenetismo e o tráfico sexual. O que aconteceu é que há relatórios públicos governamentais de que a legalização aumentou o tráfico sexual. E aumentou o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Se a compra de sexo não é um problema e a venda de sexo é apenas um trabalho normal, então promover e facilitar este trabalho também não é um problema. Assim, prostitutas viram trabalhadoras do sexo. Compradores viram clientes. Cafetões viram gerentes. Donos de bordéis viram empresários. Traficantes viram agências de emprego que facilitam a inserção no mercado de trabalho para pessoas migrantes. As ajudas para as pessoas que querem sair da prostituição diminuem, uma vez que é apenas um trabalho como outro qualquer. Além disso, a polícia tem sua atuação restrita mesmo no que diz respeito ao combate ao tráfico, pois não pode intervir nos espaços privativos que são considerados “negócios perfeitamente legais” — afinal, seria uma invasão injustificada.

Países que regulamentaram a prostituição como trabalho sexual e legalizaram os bordéis têm continuamente reportado um crescimento exponencial de tráfico sexual. Na Alemanha, por exemplo, a estimativa é de que mais de 70% das pessoas prostituídas são imigrantes. A Holanda, que já regulamentou há mais de 20 anos, começa a fechar algumas das suas famosas janelas em que mulheres são exibidas como mercadorias sexuais, porque começa a reconhecer o erro.

No Brasil, o projeto de Jean Willys, ex-deputado federal, propunha a regulamentação da prostituição como trabalho sexual. Seu projeto de lei permitia que terceiros lucrassem até 50% em cima do “trabalho” de mulheres prostituídas, além de determinar um tempo de 25 anos de “serviço” para aposentadoria. O projeto não fazia qualquer menção à gravidez, aborto, licença maternidade, férias, insalubridade, periculosidade ou afins, cláusulas normalmente tratadas em projetos de regulamentação profissional.

Exemplos e links sobre o Modelo Regulacionista:

O Modelo Germânico está produzindo o inferno na terra

“De defensora do ‘trabalho sexual’ a líder sobrevivente”, por Nomonde Mihlali


Descriminalização Total

A total descriminalização significa que todas as leis e regulamentações sobre prostituição são removidas. Sobre qualquer agente envolvido no sistema prostituinte (pessoas prostituídas, compradores, cafetões, donos de bordéis). Tudo que concerne ao comércio sexual é removido da lei. É como o paraíso anarcocapitalista: considera-se um mercado que o Estado não pode regular nem intervir. Geralmente, é a medida defendida por grupos que se autodenominam “trabalhadoras do sexo” (segundo elas, a legalização retira a sua autonomia para fortalecer o controle do Estado e do cafetão; enquanto o proibicionismo as criminaliza e o abolicionismo dificulta para os clientes).

Onde isso acontece? Nova Zelândia.

Qual o problema?

Não há leis nem regulamentação, o que significa que o Estado se desresponsabiliza por qualquer situação e ata as mãos de qualquer instituição pública que inviabiliza sua atuação e suas iniciativas. A descriminalização total não reconhece crimes e, portanto, não há vítimas, nem criminosos, nem problemas. Na prática, o que isto significa é que a polícia não pode agir. Sem permissão para agir (afinal, não há motivos para isso!) e sendo tudo legal, desde o “trabalho sexual” até a manutenção de bordéis, a polícia não investiga nem pode intervir, por exemplo, em bordéis para combater o tráfico sexual. Até mesmo as investigações contra a exploração sexual infantil se tornam quase impossíveis, uma vez que as autoridades policiais não podem simplesmente entrar e investigar um negócio que é considerado completamente legal e privado. Na prática, o modelo da descriminalização total fortaleceu grandemente o crime organizado e permitiu multiplicar os esquemas de lavagem de dinheiro.

Recentemente, a Nova Zelândia aprovou “trabalho sexual” como uma das profissões elegíveis para obtenção de visto de trabalho. O que é isto senão a legalização do tráfico sexual como iniciativa privada para recolher impostos para o Estado?

Em Portugal, há um lobby ativo que advoga pelo modelo descriminalização total. No país, atualmente, a prostituição não é ilegal (inclusive, pessoas prostituídas podem se registrar como trabalhadoras independentes e passar recibos para descontar impostos). As únicas atividades ilegais são o proxenetismo e o tráfico sexual. Portanto, é evidente que a proposta da descriminalização visa meramente descriminalizar cafetões, comércios e traficantes.

Exemplos e links sobre a Descriminalização Total:

Descriminalizar clientes e cafetões não melhorou nossa segurança e nossas vidas” – Chelsea Geddes, sobrevivente da prostituição

Depoimento de Sabrinna Valisce, sobrevivente da prostituição na Nova Zelândia


Modelo Abolicionista: criminalização da demanda

Também chamado de Lei Sueca, visto que a Suécia foi o primeiro país que o implementou, e posteriormente de Modelo Nórdico, porque expandiu pelos países nórdicos. Chama-se “abolicionista” porque o objetivo com este modelo é, progressivamente, combater a ideia de que tornar sexo uma mercadoria é aceitável/normal. Portanto, o horizonte do modelo nórdico é abolir o sistema da prostituição (não as prostitutas, como é claro). No modelo abolicionista, a prostituição é reconhecida como uma forma de violência, em especial uma forma de violência contra a mulher. Ao apontar um problema, é então preciso apontar quem é a vitima deste problema e quem é o perpetrador — e como endereçar estas questões. Se é uma vítima, como ajudá-la? Se é um perpetrador, como responsabilizá-lo?

Onde isso acontece? Suécia, Inglaterra, Islândia, Irlanda do Norte e partes da República da Irlanda, França. Noruega tem uma variação própria do modelo abolicionista.

Pessoas prostituídas

Pessoas prostituídas são reconhecidas como vítimas de um complexo sistema organizado e são, portanto, automaticamente descriminalizadas; programas de assistência à vítima e de reparação social são criados para ajudar aquelas que queiram sair do sistema da prostituição, se assim pretenderem. Na França, por exemplo, isso pode implicar apoio financeiro do Estado, acesso a abrigos temporários, acesso a programas de inserção profissional e formação ocupacional, podendo inclusive requisitar programas de moradias sociais (ainda é muito raro, visto que o modelo acabou de ser implementado e ainda está muito verde).

Cafetões, traficantes e compradores

Cafetões, traficantes e compradores são criminalizados. Usar dinheiro para coagir sexo e adquirir acesso sexual ao corpo de outro ser humano é legalmente reconhecido como crime, portanto não há “clientes”, há prostituidores. Neste modelo, não são as pessoas prostituídas que pagam impostos (como no modelo regulacionista), mas sim os compradores – através de penas administrativas e fianças.

Em alguns países, como na Inglaterra e na Suécia, o Estado estabelece um acordo com ONGs que lidam com sobreviventes e/ou violência doméstica para implementar uma “Escola para Compradores de Sexo”. Assim, o homem pego a comprar prostituição pode ser condenado, numa primeira infração, a pagar uma multa ou frequentar uma formação de “reabilitação” na Escola para Compradores de Sexo (cujas formações também são pagas pelos próprios infratores), ou mesmo ter de cumprir ambos: multa e formação. Na segunda infração, o crime pode escalar para prisão.

Exemplos e links sobre o Modelo Nórdico:

Porque o jogo ficou favorável para a Suécia no comércio sexual

A legislação do modelo nórdico é a única forma de acabar com o tráfico sexual