Descriminalizar clientes e cafetões não melhorou nossa segurança e nossas vidas
Descriminalizar clientes e cafetões não melhorou nossa segurança e nossas vidas

Escrito pela sobrevivente da prostituição e abolicionista, Chelsea Geddes.

Chelsea teve muitos anos de experiência nos bordéis legais na Nova Zelândia, cuja abordagem totalmente descriminalizada do comércio sexual é muitas vezes considerada a solução mais lúcida para a prostituição. Neste artigo, ela discorda e explica que, pelo contrário, tornou os prostituidores mais exigentes e qualificados, e não fez nada para tornar as condições mais seguras para as mulheres como ela mesma.


Antes, os homens sabiam que o sexo que faziam a nós era indesejado, que só precisávamos do dinheiro. Isso não fez com que sentissem vontade de nos ajudar com algum dinheiro e sair sem nos estuprar, mas fez com que se sentissem pelo menos um pouco culpados por nos explorar, o que os fez nos tratar de forma um pouco mais gentil, e eles tinham como objetivo ter lá o seu prazer e ir embora um tanto mais rápido e com um pouco menos de inconveniência para nós.

Cada vez mais, com a atual legislação de descriminalização e propaganda de trabalho pró-sexo saturando a mídia, mais homens estão se convencendo de que estamos fazendo sexo consensual com eles, e cobrando deles, não pelo trabalho duro ou compensação às vítimas, mas só porque podemos. Isso faz com que os homens se sintam enganados: “Se somos dois adultos que consentem, por que nós, homens, temos que pagar enquanto ela fica com o dinheiro?” Isso os deixa mais irritados, mais violentos.

Eles estão esperando cada vez mais e estão dispostos a pagar cada vez menos.

Desculpe, mas não, não queremos fazer sexo com você.

Nós estamos tentando ganhar a vida e sofremos as mesmas consequências físicas e mentais do estupro que em qualquer outro caso de estupro, só que, para nós, o trauma se repete por vezes seguidas até que tenhamos dinheiro para o aluguel; de novo e de novo até que tenhamos dinheiro para a comida; uma e outra vez até que tenhamos dinheiro para a creche; de novo e de novo até que possamos devolver ao nosso traficante de drogas as substâncias das quais aprendemos a depender para lidar com a realidade de suportar repetidos abusos sexuais.

Todo o tempo sabendo que precisamos vir e suportá-lo novamente na próxima semana e na semana seguinte. Talvez na semana seguinte nós tenhamos condições de ter uma folga estamos menstruadas, ou talvez enfiamos um pedaço de esponja dentro de nós e colocamos um pouco de água para lavar e dar uma enxaguada a cada duas horas enquanto os nossos doloridos órgãos reprodutivos são atingidos por homens que exigem de nós que nunca deixemos transparecer que temos qualquer função humana, como a menstruação ou qualquer outra coisa; onde sorrisos e elogios são a única autoexpressão permitida.

Se tivéssemos carreiras decentes que pagassem, no mínimo, um salário digno, livre de assédio sexual, em que recebêssemos pagamento igual por trabalho igual aos homens, não deixaríamos que vocês nos tocassem. Se vivêssemos em uma sociedade onde fôssemos tratadas como seres humanos plenos com plenos direitos humanos, não deixaríamos vocês nos tocarem. Se não fôssemos oprimidas através do sexismo e do classismo, e muitas vezes do racismo também, não deixaríamos que vocês nos tocassem!

Estaríamos fazendo sexo (ou não fazendo sexo) com aquelas pessoas por quem estamos sexualmente atraídas e interessadas, e apenas aquelas pessoas, para nosso prazer e satisfação, não apenas delas.

Não conheço nenhuma mulher cuja sexualidade pessoal a leve a estar com sucessivos estranhos, atendendo aos desejos daqueles homens estranhos enquanto lutam para manter o mínimo de precauções de segurança, até ficarmos doloridas, inchadas, debilitadas e despedaçadas.

ISSO NÃO É CONSENTIMENTO, ISSO É COERÇÃO. ISSO NÃO É TRABALHO SEXUAL, ISSO É ESTUPRO. ISSO É EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. ISTO É OPRESSÃO DE MULHERES.

Não, não estamos roubando os homens cobrando por sexo consensual.

Não, a descriminalização de prostituidores (clientes) e cafetões não melhorou nossa segurança ou nossas vidas.

Não, não estamos satisfeitas com o coletivo de prostitutas que simplesmente distribui preservativos. Precisamos de serviços de apoio de verdade.

Nós merecemos mais do nosso país.


Publicação original em Inglês no site Nordic Model Now.