(Este é o capítulo I do livro “Mulheres de Direita”, de Andrea Dworkin, traduzido por Aline Rossi e publicado originalmente no blog Feminismo Com Classe)


Há um boato, disseminado há séculos por cientistas, artistas e filósofos, tanto secularistas quanto religiosos, uma espécie de fofoca, digamos, que diz que as mulheres são “biologicamente conservadoras”.

Enquanto a fofoca entre mulheres é universalmente ridicularizada como baixa e trivial, a fofoca entre os homens, especialmente se forem sobre mulheres, é chamada de teoria, ideia ou fato. Esse boato em particular foi dignificado como uma grande ideia, porque era um boato nas academias, bibliotecas e salas de reuniões formidáveis das quais as mulheres, até muito recentemente, eram formalmente e forçosamente excluídas.

Os boatos, por mais que às vezes venham em formas multissilábicas e com notas de rodapé, podem ser reduzidos a um conjunto de afirmações bastante simples. As mulheres têm filhos porque as mulheres, por definição, têm filhos. Esse “fato da vida”, que não está sujeito à qualificação, traz consigo a obrigação instintiva de nutrir e proteger essas crianças.

Portanto, pode-se esperar que as mulheres sejam social, política, econômica e sexualmente conservadoras porque o status quo (seja ele qual for) é mais seguro que a mudança (seja ela qual for). Filósofos nocivos do sexo masculino de todas as disciplinas sustentam, há séculos, que as mulheres seguem um imperativo biológico derivado diretamente de suas capacidades reprodutivas que se traduz necessariamente em vidas limitadas, mentes pequenas e um puritanismo espirituoso bastante mesquinho.

Essa teoria, ou calúnia, é ao mesmo tempo ilusória e cruel pois, de fato, as mulheres são forçadas a ter filhos e têm tido filhos, ao longo da história, em todos os sistemas econômicos, com intervalos de tempo muito pequenos; enquanto os homens não ficavam mais do que apenas momentaneamente desorientados, como, por exemplo, no rescaldo pós-coito imediato de certas revoluções. Na verdade, é inteiramente irracional que mulheres de todas as convicções ideológicas, com a única exceção das pacifistas absolutas (das quais não houve muitas) tenham apoiado, ao longo da história, guerras nas quais as suas próprias crianças, que elas são biologicamente ordenadas a proteger, são mutiladas, estupradas, torturadas e mortas.

Claramente, a explicação biológica da chamada ‘natureza conservadora’ das mulheres obscurece a realidade da vida das mulheres, as enterra em sombras obscuras de distorção e rejeição.

O observador masculino desinteressado ou hostil pode categorizar as mulheres como “conservadoras” em algum tipo de sentido metafísico, porque é verdade que as mulheres como classe aderem estritamente às tradições e valores de seu contexto social, qualquer que seja o caráter desse contexto. Nas sociedades de qualquer descrição, sejam elas definidas de forma ampla ou restrita, as mulheres como classe são conformistas entorpecidas, crentes ortodoxas, seguidoras obedientes, discípulas de fé inabalável.

Titubear, qualquer que seja o credo dos homens ao seu redor, é o mesmo que rebeldia; é perigoso. A maioria das mulheres, que se apega à preciosa vida, não ousa abandonar a fé cega. Da casa do pai à casa do marido, até ao túmulo que pode ainda não ser o seu, a mulher cede à autoridade masculina para obter alguma proteção contra a violência masculina. Ela se conforma, a fim de estar o mais segura possível.

Às vezes, é uma conformidade letárgica; nesse caso, o homem exige que ela se aproxime lentamente, como se ela fosse uma personagem enterrada viva em uma história de Edgar Allan Poe. Às vezes é uma conformidade militante. Ela se salvará ao provar que é leal, obediente, útil e até fanática a serviço dos homens ao seu redor.

Ela é a puta feliz, a dona de casa feliz, a cristã exemplar, a acadêmica pura, a camarada perfeita, a terrorista por excelência. Quaisquer que sejam os valores, ela irá incorporá-los com uma fidelidade perfeita.

Os homens raramente mantêm sua parte do acordo como ela a entende: protegê-la contra a violência masculina. Mas a conformista militante se dedicou tanto — seu trabalho, coração, alma, muitas vezes seu corpo, muitas vezes seus filhos e filhas — que essa traição é semelhante a pregar o caixão; o cadáver está além das possibilidades de cuidado.

As mulheres sabem, mas não devem reconhecer, que resistir ao controle masculino ou confrontar a traição masculina acabará em estupro, espancamento, destituição, ostracização ou exílio, confinamento em uma instituição mental ou prisão ou morte.

Como Phyllis Chesler e Emily Jane Goodman deixam claro em “Mulheres, Dinheiro e Poder”, as mulheres lutam, à maneira de Sísifo, para evitar o “algo pior” que pode e sempre lhes acontecerá se transgredirem os rígidos limites do comportamento apropriado à mulher. A maioria das mulheres não pode se dar ao luxo de reconhecer, material ou psicologicamente, que quaisquer ofertas de obediência que elas tragam para pedir proteção não apaziguarão os deusezinhos raivosos ao seu redor.

Não é de surpreender, portanto, que a maioria das meninas não queiram se tornar como suas mães, aquelas domésticas cansadas, sargentonas, preocupadas, atormentadas por problemas incompreensíveis. As mães criam filhas para se ajustarem às restrições da vida feminina convencional, conforme definida pelos homens, quaisquer que sejam os valores ideológicos dos homens. As mães são as executoras imediatas da vontade masculina, as guardas na porta da cela, as capatazes que dão choque-elétrico para punir a rebelião.

A maioria das meninas, por mais que se ressintam de suas mães, se torna muito parecida com elas. A rebelião raramente consegue sobreviver à terapia de aversão que passa por ser criada como mulher. A violência masculina atua diretamente sobre a menina através de seu pai, irmão, tio ou qualquer número de profissionais masculinos ou estranhos, como aconteceu com sua mãe, e ela também é forçada a aprender a se conformar para sobreviver.

Ao entrar na idade adulta, a garota pode até repudiar o conjunto específico de homens com quem sua mãe se alia, andar com um bando diferente, mas ela replicará os padrões de sua mãe ao concordar com a autoridade masculina dentro de seu próprio conjunto escolhido. Usando força e ameaça, homens em todos os campos exigem que as mulheres aceitem o abuso em silêncio e vergonha, que se amarrem ao fogão e ao lar com cordas feitas de culpa, raiva não-verbalizada, pesar e ressentimento.

É moda entre os homens desprezar a pequenez da vida das mulheres.

A chamada ‘mulher burguesa’ com sua vaidade superficial, por exemplo, é uma piada para os bravos intelectuais, caminhoneiros e revolucionários que têm horizontes mais amplos nos quais projetar e favorecer vaidades mais profundas que as mulheres não ousam zombar e com as quais elas não ousam aspirar.

A “mulher de peixeira’’ é uma caricatura cruel da mesquinhez e da cobiça material da esposa da classe trabalhadora que assedia seu marido humilde, trabalhador e sempre paciente com os insultos que nenhuma repreensão suave pode suavizar.

A Dama, a Aristocrata, é uma concha polida e vazia, só serve para cuspir, porque o cuspe é visível na sua superfície limpa, o que dá uma gratificação imediata ao cuspidor, qualquer que seja sua técnica.

A mãe judia é um monstro que quer cortar o falo de seu precioso filho em um milhão de pedaços e colocá-lo na sopa de galinha.

A mulher negra, também castradora, é uma matriarca grotesca cuja resistência pura desola os homens.

A lésbica é meio monstro, meio idiota: não tendo homem para incomodar, ela se imagina Napoleão.

E o escárnio da vida feminina não para com essas calúnias tóxicas, feias e traiçoeiras, porque sempre existe, em todas as circunstâncias, o escárnio em sua forma esquelética, todo osso, a carne despojada: ela é xoxota, boceta. Todas as outras partes do corpo são cortadas, afastadas e só resta uma coisinha não-humana, e isso, que é a piada mais engraçada de todas, uma fonte inesgotável de humor estridente para aqueles que fizeram o corte. Os mesmos açougueiros que cortam a carne e jogam fora as partes inúteis são os comediantes. A redução de uma pessoa inteira à vagina e útero e depois a uma obscenidade desmembrada é a sua melhor e favorita piada.

Toda mulher, não importa qual seja sua situação social, econômica ou sexual, luta contra isso com todos os recursos que tem. Como seus recursos são surpreendentemente escassos e como ela foi privada dos meios para organizá-los e expandi-los, essas tentativas são simultaneamente heróicas e patéticas.

A prostituta, ao defender o cafetão, encontra seu próprio valor na luz refletida de seus enfeites espalhafatosos. A esposa, ao defender o marido, grita ou gagueja que sua vida não é um terreno baldio de possibilidades assassinadas. A mulher, ao defender as ideologias dos homens que sobem escalando a pilha feita com os corpos delas na formação militar, não lamenta publicamente a perda do que aqueles homens lhe tiraram: ela não gritará quando os calcanhares deles cravarem a sua carne porque fazer isso significaria da sua própria significância; todos os ideais que a motivavam a negar a si própria seriam indelevelmente manchados de sangue que ela teria que reconhecer, finalmente, como sendo seu.

Assim, a mulher se apega, não com a delicadeza de uma videira apoiada, mas com uma tenacidade incrível em sua intensidade, às próprias pessoas, instituições e valores que a depreciam, degradam, glorificam sua impotência, insistem em restringir e paralisar a natureza e expressões mais honestas de sua vontade e ser. Ela se torna uma lacaia, servindo àqueles que, cruel e eficazmente, agridem contra ela e sua espécie. Essa lealdade particularmente abominável a quem se compromete com sua própria destruição é a própria essência da feminilidade, como a definem os homens de todas as convicções ideológicas.

Marilyn Monroe, pouco antes de morrer, escreveu em seu caderno no set de Let’s Make Love: “Do que eu tenho medo? Por que estou com tanto medo? Será que penso que não posso atuar? Eu sei que posso atuar, mas tenho medo. Eu tenho medo e não tenho que estar. E não devo estar.” [1]

A atriz é a única mulher com poderes culturais para atuar. Quando ela atua bem, isto é, quando convence os controladores masculinos de imagens e riqueza de que é redutível à moda sexual atual, disponível para o homem nos termos deles, ela é paga e honrada. Sua atuação deve ser imitativa, não criativa; rigidamente conformista, não auto-gerada e auto-renovadora. A atriz é a marionete de carne, sangue e tinta que atua como se ela fosse a atriz feminina.

Monroe, a consumada boneca sexual, tem o poder de atuar, mas tem medo de atuar, talvez porque nenhuma quantidade de ação, por mais inspirada que seja, possa convencer o próprio ator de que sua vida feminina ideal não é uma forma terrível de morrer. Ela sorriu, ela posou, ela fingiu, ela teve casos com homens famosos e poderosos. Uma amiga dela alegou que ela havia feito tantos abortos ilegais que seus órgãos reprodutivos ficaram gravemente lesionados.

Ela morreu sozinha, possivelmente atuando em seu próprio nome pela primeira vez. A morte, imagina-se, entorpece a dor que os ácidos e o álcool não conseguem alcançar.

A morte prematura de Monroe levantou uma pergunta assustadora para os homens que eram, em sua própria fantasia, seus amantes, para os homens que se masturbavam com aquelas fotos de requintada complacência feminina: era possível, poderia ser, que o tempo todo ela não tivesse gostado daquilo — aquilo que eles estavam fazendo com ela, tantas milhões de vezes? Esses sorrisos seriam máscaras encobrindo desespero ou raiva?

Nesse caso, como estavam em perigo de serem enganados, tão frágeis e expostos em seu prazer masturbatório, como se ela pudesse saltar daquelas fotos do que agora era um cadáver e se vingar, porque eles sabiam que ela merecia. Surgiu o imperativo masculino de que Monroe não tinha se suicidado. Norman Mailer, salvadora de privilégios e orgulho masculino em muitas frentes, aceitou o desafio ao teorizar que Monroe pode ter sido morta pelo FBI, ou pela CIA, ou pelas pessoas que mataram os Kennedys, porque ela era amante de um ou de ambos.

A conspiração era um pensamento alegre e reconfortante para aqueles que queriam lançar-se sobre ela até que ela expirasse, morte feminina e êxtase feminino como sendo sinônimos no mundo da metáfora masculina. Mas eles não a queriam morta ainda, não realmente morta, não enquanto a ilusão de seu convite aberto fosse tão absolutamente convincente. De fato, seus amantes tanto de carne e ossos como os da fantasia a tinham fodido até a morte, e seu aparente suicídio foi ao mesmo tempo acusação e resposta: não, Marilyn Monroe, a mulher sexual ideal, não gostava.

As pessoas — como sempre nos lembram os falsos igualitaristas — sempre morreram muito jovens, muito cedo, muito isoladas, muito cheias de angústias insuportáveis. Mas apenas mulheres morrem uma a uma, famosas ou anônimas, ricas ou pobres, isoladas, sufocadas até a morte pelas mentiras emaranhadas em suas gargantas.

Somente mulheres morrem uma a uma, tentando até o último minuto incorporar um ideal imposto a elas por homens que desejam usá-las. Somente mulheres morrem uma a uma, sorrindo até o último minuto, o sorriso da sereia, o sorriso da garota tímida, o sorriso da louca.

Somente mulheres morrem uma a uma, perfeitamente polidas ou desarrumadas atrás de portas trancadas, tão desesperadamente envergonhadas para conseguirem gritar.

Somente as mulheres morrem uma a uma, ainda acreditando que se elas fossem perfeitas — a esposa, a mãe ou a prostituta perfeitas — elas não teriam odiado tanto a vida, achando-a tão estranhamente difícil e vazia, elas mesmas irremediavelmente confusas e desesperadas.

As mulheres morrem, lamentando não a perda de suas próprias vidas, mas sua incapacidade indesculpável de alcançar a perfeição, como os homens a definem para elas. As mulheres tentam desesperadamente incorporar um ideal feminino definido porque a sobrevivência depende disso. O ideal, por definição, transforma uma mulher em uma função, a priva de qualquer individualidade que seja egoísta ou criada por si mesma, que não é útil para o homem em seu esquema de coisas.

Essa monstruosa busca feminina pela perfeição definida pelo homem, tão intrinsecamente hostil à liberdade e à integridade, leva inevitavelmente à amargura, paralisia ou morte, mas, como a miragem no deserto, o oásis vivificante que não existe, a sobrevivência é prometida nessa conformidade e em mais nenhum outro lugar.

Como um camaleão, a mulher deve se misturar ao seu ambiente, nunca chamando atenção para as qualidades que a distinguem, porque fazer isso seria atrair a atenção mortal do predador. Ela é, de fato, carne de caça — todos os autores, cientistas e até os filósofos de botequim dirão com tanto orgulho. Tentando barganhar, a mulher diz: “Venho a ti nos teus próprios termos”. Sua esperança é que a atenção assassina dele se concentre em uma mulher que se conforma menos astuciosamente, e com menos vontade. Com efeito, ela resgata restos de vida — o que resta depois de ter renunciado voluntariamente à individualidade — prometendo indiferença ao destino de outras mulheres. Essa adaptação sexual, sociológica e espiritual, que é de fato a mutilação de toda a capacidade moral, é o principal imperativo de sobrevivência para as mulheres que vivem sob o domínio da supremacia masculina.

(…) Gradualmente, percebi que teria que ficar dentro da perspectiva do próprio sobrevivente. Isso talvez incomode o historiador, com sua desconfiança em relação a evidências pessoais; mas o sofrimento radical transcende a relatividade e, quando o relato de um sobrevivente de um evento ou circunstância é repetido exatamente da mesma maneira por dezenas de outros sobreviventes, homens e mulheres em diferentes campos, de diferentes nações e culturas, então chega-se a confiar na validade de tais relatórios e até mesmo questionar partidas raras da visão geral. (2 Terrence Des Pres, “Sobrevivente: Uma Anatomia da Vida no Campo da Morte”)

Os relatos de estupro, agressão de esposas, gravidez forçada, crueldade médica, assassinato motivado com base no sexo, prostituição forçada, mutilação física, abuso psicológico sádico e outros lugares-comuns da experiência feminina que são escavados no passado ou relatados por sobreviventes contemporâneas deveriam deixar o país de coração em brasa, com a mente angustiada, a consciência inquieta. Mas não. Não importa quantas vezes essas histórias sejam contadas, com qualquer clareza ou eloquência, amargura ou tristeza, elas podem muito bem ser sussurradas no vento ou escritas na areia: elas desaparecem, como se não fossem nada.

As vítimas e as suas histórias são ignoradas ou ridicularizadas, ameaçadas de volta para o silêncio ou destruídas, e a experiência do sofrimento feminino é enterrada na invisibilidade e no desprezo culturais. Como o testemunho das mulheres não é e não pode ser validado pelo testemunho de homens que experimentaram os mesmos eventos e deram a eles o mesmo valor, a própria realidade de abuso sofrida pelas mulheres, apesar de sua abrangência e frequência esmagadora, é negada. É negada nas transações da vida cotidiana, e é negada nos livros de história, deixada de fora, e é negada por aqueles que afirmam se preocupar com o sofrimento, mas são cegos a esse sofrimento.

O problema, simplesmente, é que é preciso acreditar na existência da pessoa para reconhecer a autenticidade de seu sofrimento. Nem homens nem mulheres acreditam na existência de mulheres como seres significativos.

É impossível pensar como real o sofrimento de alguém que, por definição, não tem pretensão legítima de dignidade ou liberdade, alguém que é de fato visto como algo, um objeto ou uma ausência. E se a mulher, a mulher individual multiplicada por bilhões, não acredita em sua própria existência discreta e, portanto, não pode creditar a autenticidade de seu próprio sofrimento, ela é apagada, cancelada e o significado de sua vida, seja ele qual for, seja lá qual poderia ter sido, se perde.

Esta perda não pode ser calculada ou compreendida. É vasta e horrível, e nada vai compensar isso. Ninguém pode suportar viver uma vida sem sentido.

Mulheres lutam pela significação, assim como mulheres lutam pela sobrevivência: apegando-se aos homens e aos valores vangloriados pelos homens. Ao se comprometerem com os valores masculinos, as mulheres procuram adquirir valor. Ao defender a significação masculino, as mulheres buscam adquirir significado. Subservientes à vontade masculina, as mulheres acreditam que a própria subserviência é o significado de uma vida feminina.

Desse modo, as mulheres, independentemente do que sofrem, não sofrem a angústia de um reconhecimento consciente de que, por serem mulheres, foram roubadas de vontade e escolha, sem as quais nenhuma vida pode ter significado.

Adireita política nos Estados Unidos hoje faz certas promessas metafísicas e materiais para as mulheres que exploram e acalmam alguns dos medos mais profundos das mulheres. Esses medos se originam na percepção de que a violência masculina contra mulheres é incontrolável e imprevisível.

Dependentes e subservientes aos homens, mulheres estão sempre sujeitas a essa violência. A Direita promete impor restrições exageradas à agressão masculina, simplificando assim a sobrevivência das mulheres — tornar o mundo um pouco mais habitável, em outras palavras — oferecendo o seguinte:

Forma. Mulheres experimentam o mundo como um mistério. Mantidas ignorantes relativamente à tecnologia, à economia, à maioria das habilidades práticas necessárias para funcionar de forma autônoma, mantidas ignorantes sobre as reais demandas sociais e sexuais feitas às mulheres, privadas de força física, excluídas dos fóruns para o desenvolvimento da acuidade intelectual e da autoconfiança pública, as mulheres estão perdidas e confusas com o impulso selvagem de uma vida comum. Sons, sinais, promessas, ameaças se cruzam loucamente, mas o que significam? A Direita oferece às mulheres uma ordem social, biológica e sexual simples, fixa, predeterminada. A forma vence o caos. A forma bane a confusão. A forma dá à ignorância um molde, faz com que pareça com algo invés de nada

Abrigo. As mulheres são criadas para manter a casa do marido e a acreditar que mulheres sem homens são desabrigadas. As mulheres têm um profundo medo de ficarem sem-teto — à mercê dos elementos e de homens estranhos. A Direita alega proteger o lar e o lugar da mulher nele.

Segurança. Para as mulheres, o mundo é um lugar muito perigoso. Um movimento errado, mesmo um sorriso não intencional, pode trazer desastre — assalto, vergonha, desgraça. A Direita reconhece a realidade do perigo, a validade do medo. A Direita então manipula o medo. A promessa é que, se uma mulher for obediente, o dano não acontecerá.

Regras. Vivendo em um mundo que ela não criou e que não entende, a mulher precisa de regras para saber o que fazer a seguir. Se ela souber o que deve fazer, poderá encontrar uma maneira de fazê-lo. Se ela aprender as regras rotineiramente, poderá executar com aparente esforço, o que aumentará consideravelmente suas chances de sobrevivência. A Direita, com muita consideração, diz às mulheres as regras do jogo das quais suas vidas dependem. A Direita também promete que, apesar da soberania absoluta deles, os homens também seguirão regras especificadas.

Amor. O amor é sempre crucial para efetivar a lealdade das mulheres. A Direita oferece às mulheres um conceito de amor baseado em ordem e estabilidade, com áreas formais de responsabilidade mútua. A mulher é amada por cumprir suas funções femininas: obediência é uma expressão de amor, assim como submissão sexual e gravidez. Em troca, o homem deve ser responsável pelo bem-estar material e emocional da mulher. E, cada vez mais, para resgatar as cruéis inadequações dos homens mortais, a Direita oferece às mulheres o amor de Jesus, ótimo irmão, amante terno, amigo compassivo, curador perfeito da tristeza e do ressentimento, o homem a quem se pode submeter absolutamente — ser Mulher, digamos — sem ser violada sexualmente ou abusada psicologicamente.

É importante e fascinante, claro, observar que mulheres nunca (por mais iludidas, necessitadas ou desesperadas) adoram Jesus como o filho perfeito. Nenhuma fé é tão cega. Não há paliativo religioso ou cultural que amorteça a dor crua da traição do filho à mãe: somente sua própria obediência ao mesmo pai, o sacrifício de sua própria vida na mesma cruz, seu próprio corpo pregado e sangrando, podem capacitá-la a aceitar que seu filho, como Jesus, veio fazer o trabalho de seu pai.

A feminista Leah Fritz, em Thinking Like a Woman, descreveu a situação excruciante de mulheres que tentam encontrar valor na submissão cristã: “Não-amada, não-respeitada, não-notada pelo Pai Celestial, tratada de forma condescendente pelo Filho e fodida pelo Espírito Santo, a mulher ocidental passa sua vida inteira tentando agradar.” [3]

Mas não importa quanto ela tente agradar, para ela é ainda mais difícil ser satisfeita. Em Bless This House, Anita Bryant descreve como todos os dias ela deve pedir a Jesus que “me ajude a amar meu marido e filhos.” [4] Em “A mulher total”, Marabel Morgan explica que é somente pelo poder de Deus que “podemos amar e aceitar os outros, incluindo nossos maridos.” [5] Em “O presente da cura interior”, Ruth Carter Stapleton aconselha uma jovem que está em um casamento desesperadamente infeliz: “Tente passar um tempinho todos os dias visualizando Jesus entrar pela porta do seu trabalho. Então veja-se caminhando até ele, abraçando-o. Diga a Jesus: ‘é bom ter você em casa, Nick’.” [6]

Ruth Carter Stapleton casou-se aos dezenove anos. Ao descrever os primeiros anos de seu casamento, ela escreve:

Depois de me afastar 450km da minha primeira família para salvar meu casamento, eu me vi em um mundo frio, ameaçador e desprotegida, ou assim parecia para o meu coração confuso. Em um esforço para evitar a destruição total, eu me entregava a fugas de todo tipo. (…) Surgiu uma grande crise quando descobri que estava grávida do meu primeiro filho. Eu sabia que esse deveria ser um dos momentos mais importantes da feminilidade, mas não para mim. Quando meu bebê nasceu, eu queria ser uma boa mãe, mas me senti ainda mais presa. Então, mais três bebês nasceram em rápida sucessão, e cada um, tão bonitos, me aterrorizava. Eu os amava, mas no quarto filho eu estava no ponto de desespero total. [7]

Aparentemente, o nascimento de seu quarto filho ocasionou sua rendição a Jesus. Por um tempo, a vida pareceu valer a pena. Então, uma ruptura em uma amizade estimada a levou a uma depressão intolerável. Durante esse período, ela pulou de um carro em movimento no que considera uma tentativa de suicídio. Um mentor religioso juntou as peças. Stapleton aproveitou sua própria experiência de colapso e recuperação e, a partir disso, formou uma espécie de psicoterapia de fé. A transformação de Nick em Jesus já foi mencionada.

Um homem gay, traumatizado por um pai ausente que nunca brincava com ele quando criança, jogava beisebol com Jesus sob a tutela de Stapleton — um total de nove rodadas. Ao encontrar Jesus como pai e amigo, ele foi curado da mágoa de um pai ausente e “curado” de sua homossexualidade.

Uma mulher que foi violada violentamente pelo pai quando criança foi incentivada a se lembrar do evento, só que desta vez Jesus colocou a mão no ombro do pai e o estava perdoando. Isso permitiu que a mulher perdoasse também o pai e se reconciliasse com os homens.

Uma mulher que, quando criança, foi rejeitada pelo seu pai por ocasião de seu primeiro encontro — o pai não notou seu lindo vestido — foi incentivada a imaginar a presença de Jesus naquela noite fatídica. Jesus amou o vestido dela e a achou muito desejável. Stapleton afirma que essa terapia devocional, através do poder do Espírito Santo, permite que Jesus apague memórias prejudiciais.

Uma análise secular do recém-encontrado bem-estar de Stapleton parece, por outro lado, pé-no-chão. Uma mulher brilhante encontrou uma maneira socialmente aceitável de usar seu intelecto e compaixão no domínio público — o sonho de muitas mulheres.

Embora os ministros fundamentalistas a chamem de bruxa, Stapleton, da maneira feminina típica, se isenta da responsabilidade por sua própria inventividade e credita ao Espírito Santo, claramente masculino, o que acalma a misoginia selvagem daqueles que não podem suportar que qualquer mulher seja vista e ouvida. Além disso, tendo fundado um ministério evangélico que exige viagens constantes, Stapleton raramente fica em casa. Ela não voltou a dar à luz.

A descrição de Marabel Morgan de seu próprio casamento miserável nos anos antes de descobrir a vontade de Deus é melhor resumida nesta frase: “Eu estava desamparada e infeliz.” [8] Ela descreve anos de tensão, conflito, tédio e tristeza. Ela tomou as rédeas de seu destino, fazendo a pergunta que ainda não era clássica: “O que os homens querem?” Sua resposta é incrivelmente precisa: “Somente quando uma mulher entrega sua vida ao marido, o reverencia e o adora, e está disposta a servi-lo, é que ela se torna realmente bonita para ele.” [9] ou, mais aforisticamente, “A Mulher Total atende às peculiaridades especiais de seu homem, seja em saladas, sexo ou esportes.” [10] Citando Deus como autoridade e submissão a Jesus como modelo, Morgan define o amor como “aceitação incondicional de [um homem] e de seus sentimentos.” [11]

A conquista de Morgan em “A Mulher Total” foi isolar os cenários sexuais básicos da dominância masculina e submissão feminina e formular um conjunto simples de lições, uma pedagogia, que ensina as mulheres a interpretar esses cenários no contexto de um sistema de valores cristão: em outras palavras, como atender a fantasias pornográficas masculinas em nome de Jesus Cristo.

Como Morgan explica em seu próprio estilo de prosa extraordinária: “Esse grande livro-fonte, a Bíblia, declara: ‘Honrado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula”. Em outras palavras, o sexo é apenas para o relacionamento matrimonial, mas dentro desses limites, tudo vale. O sexo é tão limpo e puro como comer queijo cottage.” [12]

As instruções detalhadas de Morgan sobre como comer queijo cottage, a mais famosa das quais envolve Saran Wrap, deixam claro que a submissão feminina é uma mistura delicadamente equilibrada de desenvoltura e falta de respeito próprio. Pouca desenvoltura ou muito respeito próprio condenarão uma mulher ao fracasso como uma Mulher Total. Uma natureza submissa é o milagre pelo qual as religiosas rezam.

Ninguém orou mais, por mais tempo e com menos sucesso aparente do que Anita Bryant. Ela passou boa parte de sua vida de joelhos implorando que Jesus a perdoasse pelo pecado de existir. Em “Mine Eyes Have Seen the Glory”, uma autobiografia publicada pela primeira vez em 1970, Bryant se descreveu como uma criança agressiva, teimosa e mal-humorada. Sua primeira infância foi passada na pobreza brutal. Através do canto, ela começou a ganhar dinheiro quando ainda criança. Quando ela era muito jovem, seus pais se divorciaram e depois se casaram novamente. Quando ela tinha 13 anos, seu pai abandonou a mãe, a irmã mais nova e a ela própria, seus pais se divorciaram novamente e pouco depois seu pai se casou novamente. Aos treze anos, “[o] que mais se destaca em minha memória são meus sentimentos de intensa ambição e um impulso incansável de conseguir fazer bem o que eu amava [cantar].” [13] Ela se culpava, especialmente por sua ambição motora, pela perda de seu pai.

Ela não queria se casar. Em particular, ela não queria se casar com Bob Green. Ele a “conquistou” pelo cansaço, através de uma guerra de desgaste. Cada “Não” da parte dela era considerado um “Sim” por ele. Quando, em várias ocasiões, ela lhe disse que não queria vê-lo novamente, ele simplesmente ignorou o que ela disse. Certa vez, quando estava viajando para ver um amigo íntimo, a quem descreveu para Green como seu noivo, ele reservou passagem no mesmo avião e seguiu em frente. Ele a perseguiu.

Tendo enfiado suas garras nela e, especialmente, sabendo como atingir até o nervo — a culpa pela anormalidade de sua ambição, algo não-feminino e potencialmente satânico por definição –, Green manipulou Bryant com uma crueldade quase inigualável nas histórias de amor modernas. Dos dois primeiros livros de Bryant, surge uma imagem. Vemos uma mulher cercada, tentando desesperadamente agradar um marido que a manipula e a assedia e cujo controle de sua vida em todos os níveis é virtualmente absoluto.

Bryant descreveu o grau de controle de Green em Mine Eyes: “É a esse nível que meu marido é um bom gerente. Ele de bom grado lida com todos os negócios da minha vida — incluindo os negócios do Senhor. Apesar de nossos fragmentos às vezes violentos, eu o amo por isso.” [14]

Bryant nunca especifica quão violentas as demais violências foram, embora Green insista que não foram violentas. O próprio Green, em “Bless This House”, tem muito orgulho de espancar as crianças, especialmente o filho mais velho, que é adotado: “Sou pai dos meus filhos, não amigo. Eu afirmo minha autoridade. Às vezes bato neles e eles me respeitam por isso. Às vezes levo Bobby para a sala de música, e não é para tocar uma peça para ele no piano. A música canta é no piano das calças dele!” [15]

Algum grau de violência física, portanto, era reconhecidamente uma parte aceita da vida doméstica. A narrativa inconsciente de Bryant deixa claro que, durante um período de anos, muito antes de sua cruzada anti-homossexual brilhar nos olhos de Bob Green, ela ficou instigada a dar testemunhos religiosos públicos que a angustiavam profundamente:

Bob tem um jeito de me levantar e me colocar contra a parede. Ele me deixa tão terrivelmente louca com ele, que eu o odeio por me empurrar para um canto. Ele fez isso agora. “Você é uma hipócrita”, disse Bob. “Você professa ter Cristo em sua vida, mas não o professará em público, o que Cristo diz que você deve fazer.” Como sei que ele está certo e o odeio por me fazer sentir tão mal com isso, acabo fazendo o que tenho tanto medo de fazer. [16]

Conformar-se à vontade do marido era claramente uma luta difícil para Bryant. Ela escreve abertamente sua quase constante rebelião. As demandas de Green — de aumentar sua presença pública como testemunha religiosa a cuidar de todos os quatro filhos sem ajuda enquanto corre atrás da carreira que ela realmente ama — eram suportáveis apenas porque Bryant, como Stapleton e Morgan, considerava Jesus seu verdadeiro marido:

Somente enquanto pratico ceder a Jesus, posso aprender a me submeter, conforme a Bíblia me instrui, à liderança amorosa de meu marido. Somente o poder de Cristo pode permitir que uma mulher como eu se torne submissa no Senhor. [17]

No caso de Bryant, a “liderança amorosa” de seu marido, desta vez em aliança com seu pastor, a consagrou como porta-voz do fanatismo anti-homossexual. Mais uma vez, Bryant relutou em testemunhar, desta vez perante a Comissão Metropolitana do Condado de Dade em audiências sobre uma lei de direitos homossexuais. Bryant passou várias noites chorando e orando, provavelmente porque, como ela disse à Newsweek, “eu estava com medo e não queria fazer aquilo.” [18] Mais uma vez, o desejo de fazer a vontade de Cristo a colocou em conformidade com a vontade expressa de seu marido.

Pode-se especular que parte da compensação nessa conformidade vinha do fato de diminuir os encargos do trabalho doméstico e do cuidado infantil, no interesse de servir à causa maior. A conformidade com a vontade de Cristo e Green, sinônimos neste caso, como tantas vezes antes, também ofereceu uma resposta à pergunta assustadora de sua vida: como ser uma líder pública de importância — em sua terminologia, uma “estrela” — e pelo menos, simultaneamente, uma esposa obediente agindo para proteger seus filhos. Uma carreira de cantora, especialmente uma cantora secular, nunca poderia resolver esse conflito violento.

Bryant, como todas nós, está tentando ser uma “boa” mulher. Bryant, como todas nós, é desesperada e perigosa para si mesma e para os outros, porque mulheres “boas” vivem e morrem em silêncio abnegado e mulheres reais não. Bryant, como todas nós, está passando por um momento difícil. *

Phyllis Schlafly, a filósofa do absurdo não-renascida da Direita, aparentemente não está tendo dificuldades. Ela parece possuída por Maquiavel, não por Jesus. Parece que ela quer ser o Príncipe. Ela pode ser vista como aquela mulher rara de qualquer persuasão ideológica que realmente se vê como um dos meninos, mesmo que ela afirme ser uma das meninas.

Ao contrário da maioria das outras mulheres de direita, Schlafly, em seu trabalho escrito e falado, não reconhece ter experimentado nenhuma das dificuldades que dividem as mulheres. Na opinião de muitos, sua crueldade como organizadora é mais bem demonstrada por sua propaganda demagógica contra a Emenda para a Igualdade de Direitos, embora ela também seja eloquente contra a liberdade reprodutiva, o movimento de mulheres, o grande governo e o Tratado do Canal do Panamá.

Suas raízes, e talvez seu coração, estão na Velha Direita, mas ela permaneceu desconhecida de qualquer público significativo até montar sua cruzada contra a Emenda para a Igualdade de Direitos. É provável que sua ambição seja usar as mulheres como constituinte para efetivar sua entrada no escalão superior da liderança masculina de Direita. Ela ainda pode vir a descobrir que é mulher (no sentido em que as feministas compreendem essa palavra), pois seus colegas se recusam a deixá-la escapar do gueto das questões femininas e entrar no grande momento.

De qualquer forma, ela parece ser capaz de manipular os medos das mulheres sem experimentá-los. Se realmente for esse o caso, esse talento daria a ela um destacamento inestimável a sangue frio como estrategista determinada a converter mulheres em ativistas antifeministas. É precisamente porque as mulheres foram treinadas para respeitar e seguir aqueles que as usam que Schlafly inspira admiração e devoção em mulheres que têm medo de serem privadas da forma, abrigo, segurança, regras e amor que a Direita promete e dos quais elas acreditam que a sobrevivência depende.

NaConferência Nacional de Mulheres (Houston, Texas, novembro de 1977), conversei com muitas mulheres à direita. As conversas eram ridículas, aterrorizantes, bizarras, instrutivas e, como outras feministas relataram, às vezes estranhamente comoventes.

Mulheres de direita temem lésbicas. Uma delegada negra liberal do Texas me disse que as mulheres brancas dali haviam tentado convencê-la de que lésbicas a atacariam na conferência, iriam chamá-la de nomes sujos e que elas próprias eram sujas. Ela me disse que votaria contra a resolução de preferência sexual porque, caso contrário, não seria capaz de voltar para casa. Mas ela também disse que diria às mulheres brancas que as lésbicas eram educadas e limpas. Ela disse que sabia que era errado privar alguém de um emprego e não tinha ideia antes de vir para Houston que mães lésbicas tinham perdido seus filhos. Ela sentia que isso era realmente terrível. Perguntei-lhe se ela achava que chegaria a hora de defender os direitos das lésbicas em sua cidade natal. Ela assentiu com a cabeça com seriedade, e explicou com ênfase cuidadosa e sugestiva que a cidade mais próxima de onde morava ficava a 160km de distância. A história dos negros no sul era palpável. *

As mulheres de direita sempre me falaram sobre as lésbicas como se fossem estupradoras, comissárias certificadas de agressão sexual contra mulheres e meninas. Nenhum fato conseguiria penetrar nessa fantasia psicossexual. Não há fatos ou números sobre a violência sexual masculina contra mulheres e crianças que possam mudar o foco de seu medo.

Elas admitiam que conheciam muitos casos de agressão masculina contra mulheres, inclusive dentro de famílias, e não conheciam nenhuma agressão cometidas por lésbicas contra mulheres. Os homens, elas reconheciam quando pressionadas, eram pecadores e odiavam o pecado, mas havia claramente algo consolador na normalidade do estupro heterossexual.

Para elas, a lésbica era inerentemente monstruosa, experimentada quase como uma força sexual demoníaca pairando cada vez mais perto. Ela era a intrusa perigosa, invasora, ameaçando com sua presença uma ordem sexual que não pode suportar escrutínio ou suportar desafio.

As mulheres de direita consideram o aborto como um assassinato insensível de bebês. O desinteresse feminino se expressa na convicção de que um óvulo fertilizado supera uma fêmea adulta na autenticidade de sua existência. A tristeza dessas mulheres por fetos é real e seu desprezo pelas mulheres que engravidam fora do casamento é impressionante de se ver. O fato da maioria dos abortos ilegais nos maus e velhos tempos ter sido realizado em mulheres casadas e com filhos e que milhares dessas mulheres morrem a cada ano é totalmente insignificante para elas. Elas vêem o aborto como um ato criminoso cometido por prostitutas sem Deus no coração, mulheres absolutamente diferentes delas próprias.

As mulheres de direita argumentam que a aprovação da Emenda para a Igualdade de Direitos legalizará o aborto irrevogavelmente. Não importa quantas vezes ouvisse esse argumento (e ouvia o tempo todo), simplesmente não conseguia entender. Por mais tola que eu fosse, eu pensava que a Emenda para a Igualdade de Direitos era repugnante por causa dos banheiros. Como os banheiros figuravam com destaque na resistência à legislação de direitos civis que protegeria os negros, o argumento centralizado nos banheiros — embora irracional — era tão americano quanto a torta de maçã. Ninguém mencionou os banheiros. Eu coloquei o assunto na mesa, mas ninguém se importou em discuti-los. Os apaixonados e repetidos argumentos de causa e efeito que vinculam a Emenda para a Igualdade de Direitos e o aborto apresentavam um novo mistério.

Eu me resignei à desesperançada confusão. Felizmente, depois da conferência, li “O poder da mulher positiva”, no qual Schlafly explica: “Como a premissa da ERA é a igualdade dos sexos, o aborto é essencial para aliviar as mulheres de sua carga desigual de serem forçadas a dar à luz um bebê indesejado.” [19]

Forçar mulheres a gerarem bebês indesejados é crucial para o programa social das mulheres que foram forçadas a gerar bebês indesejados e que não podem suportar a dor e a amargura de reconhecer tal coisa. A Emenda para a Igualdade de Direitos agora se tornara o símbolo desse reconhecimento devastador. Isso explica em grande parte a nova onda de oposição intransigente a ela.

As mulheres de direita, representadas em Houston, principalmente do sul, brancas e negras, também não gostam de judeus. Elas vivem em um país cristão. Uma coalizão frágil, mas crescente, entre mulheres brancas e negras no Novo Sul é baseada em um fundamentalismo cristão compartilhado, que se traduz em um anti-semitismo compartilhado. A teimosa recusa dos judeus em abraçar Cristo e a percepção fundamentalista quase mascarada dos judeus como assassinos de Cristo, comunistas e usurários, homossexuais e, o pior de tudo, intelectuais urbanos, marcam os judeus como estrangeiros, sinistros e uma fonte óbvia de muitos conspirações satânicas que varrem a nação. A expressão mais insidiosa desse antissemitismo predominante foi transmitida por um olhar fixo, um sorriso autoconsciente e as deliciosas palavras “Eu simplesmente AMO o povo judeu.”

A variedade de lodo anti-semita, bastante evidenciada, foi tipificada por uma líder do movimento Direito à Vida, que chamou médicos que realizam abortos de “assassinos de judeuzinhos”. Perguntaram-me centenas de vezes: “Estou falando com uma garota judia?”. Apesar da minha clara presença como lésbica-feminista com credenciais de imprensa da notória revista Ms. estampada no corpo, foi como judia que fui constantemente desafiada e, em várias ocasiões, implicitamente ameaçada. Conversas após conversas paravam abruptamente quando eu respondia que sim, que eu era judia.

ADireita nos Estados Unidos, hoje, é um movimento social e político controlado quase totalmente pelos homens, mas construído em grande parte à base do medo e ignorância das mulheres. A qualidade desse medo e a difusão dessa ignorância são consequências da dominação sexual masculina sobre as mulheres. Toda acomodação que as mulheres fazem a esse domínio, por mais que pareça estúpida, derrotista ou perigosa, está enraizada na necessidade urgente de sobreviver de alguma maneira nos termos masculinos.

Inevitavelmente, isso faz com que as mulheres sintam a raiva e o desprezo que sentem pelos homens que realmente as abusam, aqueles que estão próximos a elas, e o projetam nos outros, nos que estão distantes, estrangeiros ou diferentes. Algumas mulheres fazem isso se tornando patriotas de direita, nacionalistas determinadas a triunfar sobre populações a milhares de quilômetros de distância.

Algumas mulheres se tornam racistas estridentes, anti-semitas ou homofóbicas. Algumas mulheres desenvolvem um ódio por mulheres solteiras ou divorciadas, adolescentes grávidas, todas as pessoas desempregadas ou em assistência social. Algumas odeiam pessoas que violam convenções sociais, não importa quão superficiais sejam as violações. Algumas se tornam antagônicas a grupos étnicos diferentes dos seus ou a grupos religiosos diferentes dos seus, ou desenvolvem um ódio por essas convicções políticas que contradizem as suas.

As mulheres se apegam a ódios irracionais, concentradas principalmente no desconhecido, para que não matem pais, maridos, filhos, irmãos, amantes, homens com quem são íntimos, aqueles que os machucam e causam sofrimento. O medo de um mal maior e a necessidade de ser protegida intensificam a lealdade das mulheres aos homens que são, mesmo perigosos, pelo menos conhecidos até certo ponto. Como as mulheres desviam a sua raiva, elas são facilmente controladas e manipuladas.

Tendo boas razões para odiar, mas não a coragem de se rebelar, as mulheres exigem símbolos de perigo que justifiquem seu medo. A direita fornece esses símbolos de perigo ao designar grupos claramente definidos como “estrangeiros” como fontes de perigo. As identidades dos estranhos perigosos podem mudar ao longo do tempo para atender às mudanças nas circunstâncias sociais — por exemplo, o racismo pode ser incentivado ou contido; o anti-semitismo pode ser provocado ou mantido inativo; a homofobia pode ser agravada ou mantida debaixo do tapete — mas a existência do estranho perigoso sempre funciona para as mulheres simultaneamente como engano, diversão, analgésico e ameaça.

A tragédia é que mulheres tão focadas em sobreviver não conseguem reconhecer que estão cometendo suicídio.

O perigo é que as mulheres que se sacrificam são soldados perfeitos que obedecem ordens, não importa quão criminosas sejam essas ordens. A esperança é que essas mulheres, perturbadas por conflitos internos que não possam ser silenciados pela manipulação, desafiadas pelo drama esclarecedor do confronto e do diálogo público, sejam forçadas a articular as realidades de suas próprias experiências como mulheres sujeitas à vontade dos homens. Ao fazê-lo, a raiva que surge necessariamente de uma verdadeira percepção de como elas foram degradadas pode movê-las além do medo que as transfixa para uma rebelião significativa contra os homens que, de fato, as diminuem, as desprezam e aterrorizam.

Essa é a luta comum de todas as mulheres, quaisquer que sejam suas origens ideológicas definidas pelo homem; e essa luta sozinha tem o poder de transformar mulheres inimigas umas contra as outras em aliadas que lutam pela sobrevivência individual e coletiva, que não se baseia em auto-aversão, medo e humilhação, mas em autodeterminação, dignidade e integridade autêntica.


NOTAS DE RODAPÉ

[1] Essa análise da situação de Bryant foi escrita em 1978 e publicada em junho de 1979. Em maio de 1980, Bryant pediu o divórcio. Em uma declaração emitida separadamente da petição de divórcio, ela sustentou que Green “violou meu bem mais precioso — minha consciência” (The New York Times, 24 de maio de 1980). Três semanas após o decreto do divórcio (agosto de 1980), a agência estadual de citros da Flórida, que Bryant representou por onze anos, decidiu que ela não era mais uma representante adequada por causa de seu divórcio: “O contrato tinha que expirar, por causa da divórcio e etc”, disse um executivo da agência (The New York Times, 2 de setembro de 1980). A advogada feminista e ex-presidente da Organização Nacional para Mulheres, Karen DeCrow, pediu a Bryant que imputasse uma ação sob a Lei de Direitos Humanos da Flórida de 1977, que proíbe a discriminação no trabalho com base no estado civil. Mesmo antes do ato de sororidade de DeCrow, no entanto, Bryant havia reavaliado sua posição no movimento de mulheres, ao qual, sob a tutela de Green, ela se opunha amargamente. “O que aconteceu comigo”, disse Bryant ao National Enquirer em junho de 1980, “me faz entender por que há mulheres com raiva que querem aprovar a ERA [Emenda de Direitos Iguais]. Essa ainda não é a resposta. Mas a igreja não lida com os problemas das mulheres como deveria. Houve alguns ensinamentos muito ruins, e acho que é por isso que estou realmente preocupada com meus próprios filhos, principalmente as meninas. Você deve reconhecer que houve discriminação contra as mulheres, que as mulheres não tiveram o ensino da plenitude e singularidade de suas habilidades.” Ao seu ritmo, irmã.

[2] De acordo com várias reportagens de jornais, Phyllis Schlafly queria que Reagan a nomeasse para uma posição no Pentágono. Isso ele não fez. Em um debate com Schlafly (Universidade de Stanford, 26 de janeiro de 1982), a advogada Catharine A. MacKinnon tentou fazer Schlafly entender que ela havia sido discriminada como mulher: “A sra. Schlafly nos diz que ser mulher não interferiu em seu caminho. Proponho que qualquer homem que tivesse um diploma em Direito e pós-graduação trabalhe em ciências políticas; tivesse prestado testemunho sobre uma ampla gama de assuntos importantes por décadas; tivesse realizado um trabalho político e organizacional eficaz e brilhante dentro do partido [o Partido Republicano]; tivesse publicado amplamente, incluindo nove livros; e interrompesse uma importante iniciativa social para emendar a constituição pouco antes da vitória garantida; e tivesse uma bela família realizada — qualquer homem assim teria um lugar na administração atual. Eu aceito a correção se isso estiver errado; e ela ainda pode ser nomeada. Foi relatado que ela queria um posto como esse, mas não acredito em tudo que leio, especialmente sobre mulheres. Eu acho que ela deve ter desejado um e eles deveriam ter encontrado o lugar que ela queria. Ela certamente merecia um lugar no Departamento de Defesa”. Phyllis Schlafly é uma mulher qualificada. Schlafly respondeu: “Este foi um debate interessante. Mais interessante do que eu pensava que seria. (…) Eu acho que minha oponente tem um bom ponto.” [risadas] “Bem, ela tinha alguns bons pontos (…) Ela tinha um bom argumento sobre o governo Reagan, mas é a perda do governo Reagan que eles não me pediram [abafados pelos aplausos da platéia], mas não é minha perda.

[3] “O Congresso, o Estado e as legislaturas locais devem promulgar legislação para eliminar a discriminação com base na preferência sexual e afetiva em áreas que incluem, entre outras, emprego, moradia, acomodações públicas, crédito, instalações públicas, financiamento do governo e forças armadas.”;
As legislaturas estaduais devem reformar seus códigos penais ou revogar as leis estaduais que restringem o comportamento sexual privado entre adultos que consentem.”;
As legislaturas estaduais devem promulgar legislação que proíba a consideração de orientação sexual ou afetiva como um fator em qualquer determinação judicial de guarda dos filhos ou direitos de visita. Em vez disso, os casos de custódia da criança devem ser avaliados apenas pelos méritos de qual parte é a melhor mãe, sem levar em consideração a orientação sexual e afetiva dessa pessoa.

Referências

  1. Marilyn Monroe, in a dressing-room notebook, cited by Norman Mailer, Marilyn: A Biography (New York: Grosset & Dunlap, 1973), p. 17.
  2. Terrence Des Pres, The Survivor: An Anatomy o f Life in the Death Camps (New York: Pocket Books, 1977), p. VI.
  3. Leah Fritz, Thinking Like a Woman (Rifton, N . Y.: Win Books, 1975), p. 130.
  4. Anita Bryant, Bless This House (New York: Bantam Books, 1976), p. 26.
  5. Marabel Morgan, The Total Woman (New York: Pocket Books, 1975), p. 57.
  6. Ruth Carter Stapleton, The Gift o f Inner H ealing (Waco, Tex.: Word Books, Publisher, 1976), p. 32.
  7. Ibid., p. 18.
  8. Morgan, Total Woman, p. 8.
  9. Ibid., p. 96.
  10. Ibid., p. 60.
  11. Ibid., p. 161.
  12. Ibid., pp. 140–41.
  13. Anita Bryant, Mine Eyes Have Seen the Glory (Old Tappan, N. J.: Fleming H. Revell Company, 1970), pp. 26–27.
  14. Ibid., p. 84.
  15. Bryant, Bless This House, p. 42.
  16. Bryant, M ine Eyesy p. 83.
  17. Bryant, Bless This House, pp. 51–52.