Uma fotógrafa identificada como “Grace” apresentou alegações de má conduta sexual contra o ator e criador da série Master of None, Aziz Ansari. Ao ler o relato de Grace e a desculpa de Ansari, e ouvir o discurso envolta desse caso, tanto na esfera pública quanto na minha rede de contatos pessoais, a desconexão com a qual os homens parecem ver mulheres quando estão em situações sexuais se tornou muito clara.

Conforme relatado pela Time, aqui está a “desculpa” de Anzari (que é realmente mais uma declaração) na íntegra:

Em setembro do ano passado, encontrei uma mulher em uma festa. Nós trocamos números. Nós enviamos mensagens de texto um para o outro e, eventualmente, fomos em um encontro. Saímos para jantar, e depois acabamos nos envolvendo em atividades sexuais, o que, por todas as indicações, era completamente consensual.

No dia seguinte, recebi uma mensagem dizendo que, embora o encontro “possa ter parecido bom”, depois de mais um pouco de reflexão, ela se sentiu desconfortável. Era verdade que tudo parecia bom para mim, então, quando ouvi dizer que não era o caso para ela, fiquei surpreso e preocupado. Levei suas palavras em consideração e respondi em particular depois de levar um tempo para processar o que ela havia dito.


Continuo a apoiar o movimento que está acontecendo em nossa cultura. É necessário e há muito atrasado.


Aziz Ansari

Ele expressa preocupação, mas ao mesmo tempo não parece entender o que fez de errado. No relato de “Grace” (este é um pseudônimo usado para proteger o anonimato da mulher que contou sua história no post original do site babe) ela diz que mandou uma mensagem para ele no dia seguinte, e que ele respondeu com uma desculpa direta: “Estou tão triste em ouvir isso. Tudo o que posso dizer é que nunca seria minha intenção fazer você ou alguém se sentir da maneira que você descreveu. Claramente, eu mal interpretei as coisas no momento, e sinto muito.”

Ambas as declarações são interessantes na medida em que está claro que ele está se desculpando, mas na verdade não entende por que e, embora seja absolutamente importante pedir desculpas por ter prejudicado alguém, é igualmente importante entender por que esta pessoa está ferida e porque você está se desculpando, para que você não faça isso novamente com outra pessoa.

Duas coisas se destacaram quando lembrei as desculpas originais de Ansari e sua declaração subsequente:

Primeiro, em suas desculpas originais, ele fala sobre “interpretar mal as coisas”. De acordo com a história de Grace, ela não apenas utilizou sinais visuais, ela também pediu que ele desacelerasse, e ele disse que iria… antes de tentar imediatamente de novo. Se isso é verdade, não há nada para “interpretar mal”. Ele simplesmente não foi fiel à sua palavra. Se uma mulher pede que um homem diminua a velocidade, e o cara concorda em diminuir a velocidade, mas a sua versão de “desaceleração” é tentar fazer sexo outra vez dois minutos depois, e depois continuar fazendo isso outras vezes, isso é um problema. Significa que ele não está entendendo o que ela quer ou precisa.

É o equivalente a estar em uma “conversa” com alguém, mas ao invés de realmente ouvir, você está apenas esperando a sua vez de conversar. Isso não é legal, é rude o suficiente quando isso acontece em uma conversa, mas pode se tornar um crime se ocorrer quando você está lidando com a autonomia corporal de alguém.

Esse é também um dos exemplos mais claros de objetificação que existe. Quando homens desenvolvem uma mentalidade tão limitada sobre como “conseguir” sexo que esse se torna o seu único objetivo e tudo que eles estão pensando, eles realmente não pensam em mulheres como pessoas. As mulheres literalmente se tornam objetos sexuais, e os homens as consideram como “A coisa que vai me dar sexo se eu pressionar os botões certos”. Nesse estado de espírito, muitos homens não estão procurando sinais visuais ou ouvindo verbais, porque estão muito ocupados querendo conquistar o seu objetivo.

A segunda coisa que se destacou para mim é que, em sua declaração subsequente, Ansari diz que tudo “pareceu bem” durante o encontro, então ele ficou “surpreso” e “preocupado” quando ela disse que não era o caso. Vamos deixar de lado por um momento a parte em que ela pediu explicitamente que ele parasse, ainda assim é extremamente perturbador pensar que, se ela tivesse mesmo metade do entusiasmo que ela pareceu ter no seu relato, ele ainda acharia que tudo estava “ok”.

Como eu disse acima, tudo o que eu tenho ouvido desde que esta história saiu é como isso é comum. Como os homens estão perfeitamente felizes em fazer sexo com as mulheres, mesmo que elas não tenham nem um pouco de vontade, mas se resignam sem entusiasmo à atividade porque se sentem nervosas ou presas ou desconfortáveis ​​e não sabem como lidar isto.

Pergunta para os homens: por que vocês não estão procurando ou esperando por consentimento, entusiasmo e engajamento na sua atividade sexual? Por que vocês estão satisfeitos apenas com “conseguir sexo” sem se importar como? Como isso pode dar tesão em vocês? Ok, obviamente não são “todos os homens” mas é claramente homens o bastante para que isso seja extremamente comum. Então sim, eu estou perguntando ao grupo: vocês não querem que a mulher com quem vocês estão transando esteja 100% com vontade de fazer isso?

Ps.: estar 100% com vontade não é ficar saindo do lugar para sentar longe de você enquanto você tem que ficar seguindo ela para conseguir ficar perto. Se ela estivesse com vontade, ela nunca teria levantado e mudado de lugar e não ficaria tentando se esquivar, mudar de assunto ou achando algo diferente para fazer. Você não precisaria ter que ficar convencendo ela.

Eu entendo que nós mulheres somos ensinadas a nos “fazer de difícil”, e isso é um problema que precisa ser resolvido. Mas, só por precaução caras, levem a sério o que mulheres falam, parem de tentar interpretar o que vocês acham que a gente quer dizer. Nós não somos tão misteriosas assim, eu prometo.

Ás vezes, esse comportamento se traduz de forma mais violenta, mas muitas vezes, como foi no caso de Grace, acontece de forma silenciosa. O fato de acontecer silenciosamente não torna isso menos prejudicial para mulheres, e é por isso que é tão importante Grace ter contado a sua história.

Os comentários que estão surgindo desde o relato são que: 1) Várias mulheres tiveram experiências como essas e 2)Os homens admitem que fazem esse tipo de coisa a hora toda, mas eles não vêem isso como um problema, porque a atividade sexual aconteceu sem nenhuma reclamação, então claramente houve “consentimento”.

Seria muito fácil culpar Grace por não sair do apartamento quando se sentiu desconfortável, ou por não ter se imposto mais e demonstrado melhor os seus sentimentos, ou até mesmo por ter ido até o apartamento.

O prêmio para a pior resposta de todas nessa situação vai para Caitlin Flanagan do The Atlantic pelo seu texto “A humilhação de Aziz Ansari” onde ela se diz preocupada pelo futuro do comediante (utilizando também o racismo como argumento!) e passa todo o começo do texto culpando a vítima e dizendo que o feminismo era melhor nos anos 70 porque, segundo ela:

De muitas maneiras, em comparação com as jovens mulheres de hoje, nós somos fracas; estávamos preparadas para ser esposas e mães, não ocupantes do C-Suite. Mas, no que diz respeito a fugir de um homem que estava tentando nos pressionar para o sexo que não queríamos; nós éramos fortes.

Ela fala também sobre como as revistas dos anos 50 teriam julgado Grace pela sua história, e depois faz julgamentos ela mesma:

Ela nos diz que queria algo de Ansari e estava tentando descobrir como obtê-lo. Ela queria carinho, gentileza, atenção. Talvez ela esperasse que até se tornasse a namorada de um homem famoso. Ele não estava interessado.

Hum, de acordo com a história de Grace, ele estava muito, muito interessado.

Eu amo como Flanagan está julgando Grace por ousar querer coisas como carinho, gentileza, atenção e querer namorar com alguém. Por ousar se aproximar de uma celebridade em uma festa em que ela também estava, como um ser humano normal, e flertar com ele. Como ela se atreve a querer essas coisas, certo? As coisas que todos nós queremos. Como ela se atreve a ir atrás desse objetivo e depois ousar recusar sexo naquele exato momento?

Porque, aparentemente, os homens são crianças e, portanto, tem que ser tudo ou nada, porque eles só entendem mensagens simples. Se uma mulher diz “sim, eu quero namorar com você”, ou “com certeza, irei sair com você em seu apartamento”, ela basicamente está dando permissão para que ele faça tudo com seu corpo, certo? Uma vez que os homens não entendem coisas como nuances e níveis e timing e desejo e consentimento e a simples idéia de que as mulheres são seres humanos individuais com pensamentos e sentimentos próprios, é trabalho das mulheres dar-lhes um amplo espaço, a menos que estejamos totalmente preparados para ter relações sexuais com eles naquele instante, porque Deus me livre eles esperarem até a próxima vez. Isso é muito para as mentes pequenas deles lidarem.

Eu não acredito nisso, mas isso é basicamente o que você está dizendo sempre que você desculpa o comportamento como o de Ansari, ou culpa as mulheres como Grace por “ter ido lá em primeiro lugar”. O que Flanagan parece estar não entender é que mulheres não deveriam nunca ter que mudar seu comportamento. O problema não é que as mulheres “não se esforçam o suficiente” ou “não saibam como pegar um taxi”, o problema é que ninguém nunca espera que os homens mudem. O ônus é sempre sobre as mulheres para alterar seu comportamento, mesmo que seu comportamento só exista em resposta ao problema.

#Timesup

Não querendo ser clichê com a hashtag do momento, mas a verdade é que a época de não responsabilizar homens pelo seu próprio comportamento acabou. Não é culpa da testosterona que você quer realizar os seus desejos sem considerar os sentimentos de outros seres humanos, é sua.

Os homens são adultos que tem muito trabalho para fazer. Se eles são péssimos em entender sinais não-verbais, a resposta não é “está bem, ela não disse não, então …”, a resposta é que os homens devem aprender a prestar atenção e a lidar com isso. As mulheres não são inerentemente melhores na leitura de sinais não-verbais. É algo que fomos socializadas e treinadas para fazer durante séculos para cuidar melhor de crianças e maridos.

O machismo nos ensina que é trabalho feminino cuidar dos homens. Para se preocupar, como Flanagan faz em seu texto, sobre as carreiras masculinas e o bem-estar dos homens e o quão bem os homens irão se encontrar em qualquer situação.

O feminismo nos ensina que é tarefa dos seres humanos cuidar uns dos outros, independentemente do gênero. É hora de mais homens se envolverem em cuidar das mulheres da maneira como as mulheres historicamente se importaram com eles, colocando as necessidades e os desejos das mulheres ao lado dos seus.

Primeiro passo: realmente ouça, ao invés de apenas esperar sua vez de conversar.

cena de Master of None

Por Teresa Jusino
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