Se você chegou até aqui certamente já sentiu algum incômodo por notar que homens e mulheres não tem os mesmos direitos e privilégios, e muito menos os mesmo tratamento, na sociedade em que vivemos. Talvez não ache justo saber que homens ganham mais do que mulheres, são mais livres, que são as mulheres as que são cobradas para serem responsáveis pelo trabalho doméstico e dos filhos, enquanto os homens apenas se beneficiam. Talvez se incomode ao perceber que toda mulher tem uma história de horror pra contar. Muito certamente envolvendo um homem. Uma história que fala de violência, de assédio sexual, de estupro, de exploração. E por todo esse seu incômodo, alguém chegou e te chamou de “feminista” E então você quis descobrir do que isso se trata.
O Feminismo hoje é um termo que está na moda. Muito se fala dele, principalmente entre mulheres de todas as idades, que se intitulam ou repelem veementemente, a alcunha de “feminista”, mas muito pouca gente realmente sabe o que é o feminismo e principalmente porque ele existe e é necessário na nossa sociedade. E isto porque nós, mulheres, fomos alijadas de conhecer nossa própria história e saber como se estabeleceu a ideia de subordinação e inferioridade feminina perante aos homens.
Nós mulheres não possuímos os mesmos direitos básicos que os homens e somos tratadas com o mesmo peso de uma mercadoria. E apesar de ter nossa história sistematicamente apagada sempre resistimos a toda opressão do sistema criado e controlado pelos homens para garantir o seu domínio sobre todas as coisas: o patriarcado. Nossa sociedade é organizada, há seis mil anos e contando, para garantir o domínio masculino sobre o corpo das mulheres. Todas as nossas instituições, nossa cultura, nosso sistema econômico é baseado na exploração reprodutiva e doméstica de mulheres. Que sempre resistimos das mais variadas maneiras mas só muito recentemente conseguimos nos estruturas e organizar nossa resistência dentro da lógica de um movimento político.
Na história recente, por inúmeros fatores conjunturais que permitiram isso, no início do século XX, vimos surgir alguns movimentos organizados de mulheres em busca de direitos, que inclusive conseguiram conquistas importantes. E a esse movimento de mulheres, massivo, coordenado, organizado, lutando ostensivamente por condições de igualdade com homens num confronto direto ao sistema de coisas, passamos a chamar de feminismo.
A partir dessa época, mulheres também, já com amplo acesso ao letramento e ao banco das universidades, passaram a analisar os dados e fatos históricos que demonstravam a situação de desvantagem e a sistematizar um conhecimento próprio sobre sua opressão, começaram a tentar entender, lançar sua própria perspectiva sobre os fatos, e a organizar uma teoria feminista para dar conta de explicar a história da opressão das mulheres. Em paralelo a isso cada vez mais vemos “ondas feministas” se avolumando, trazendo essas questões e lutando pela quebra dos paradigmas opressores. Uma “onda” feminista é um momento histórico relevante de efervescência militante e/ou acadêmica onde determinadas pautas e questões das mulheres se insurgem e dominam o debate. Portanto, ao longo de toda a história, e cada vez mais e de maneira mais organizada e sistêmica, mulheres vêm lutando contra o poder e dominação dos homens, que incide principalmente na exploração do seu corpo e reflete em uma sociedade pautada na desigualdade e hierarquia. E essa organização, por definição, é que é o feminismo.
Feminismo é a luta coletiva, organizada, em função da libertação das mulheres do poder do patriarcado.
Essa compreensão conceitual é fundamental para não cair em armadilhas e conseguir entender o que é, e principalmente o que não é feminismo. Vivemos uma popularização do termo que representa muito mais uma cooptação e capitalização da prática para o seu esvaziamento do que um movimento verdadeiramente revolucionário. Então sobre tudo, absolutamente tudo que é rotulado como “feminista”, cabe a pergunta: isso está libertando mulheres do domínio masculino? Está emancipando mulheres, colaborando para sua verdadeira autonomia? Se não estiver, não é uma prática verdadeiramente feminista.
Outro ponto muito importante é que o feminismo é uma prática coletiva e organizada. Portanto ser feminista significa estar coletivizada com outras mulheres lutando ativamente contra o patriarcado, para além de reverberar essas práticas na vida, afinal, o pessoal é também é político. Quando não estamos organizadas, atuamos como aliadas do feminismo — o que é muito importante — mas não podemos nos considerar militantes atuantes. E essa distinção é muito importante por dois motivos: primeiro porque por mais que nós façamos pequenas e grandes coisas, individualmente, sozinhas não podemos nada contra o patriarcado. Somente a ação coletivizada tem dado resultados e isso não sou eu quem está afirmando, é a revisão histórica dos fatos. Por mais que tenhamos conquistas e avanços individuais de mulheres que até em muito contribuem para a libertação de outras mulheres, foram as conquistas feministas, obtidas através da luta persistente, de grupos organizados, e que representaram avanços reais para todas as mulheres. Porque ou o feminismo liberta todas, absolutamente todas as mulheres, ou não é feminismo. E aí, em segundo, é preciso demarcar isso porque senão corremos o risco de nos acomodarmos ou supervalorizarmos ações individuais, acreditarmos que de fato isso é feminismo, e nunca chegarmos a buscar grupos para empregar nossa energia revolucionária de maneira produtiva.
Além do mais, sozinhas e desarticuladas somos presas fáceis de princípios liberais que vendem que feminismo é uma espécie de ação de empoderamento individual e rebeldia, onde qualquer camiseta com uma frase “girl power” é uma grande contribuição. Que basta a mulher se “empoderar” que vai poder “escolher”. Porque o pensamento liberal foca na liberdade do indivíduo e não no desmantelamento das estruturas.
Uma consciência feminina fortalecida se forma quando toda a teoria que você lê, que você escuta, tem correlação direta não só com a sua realidade mas com a realidade de todas as mulheres que você conhece. Porque o feminismo é uma luta coletiva. Então ele é sobre todas as mulheres. Mulheres passam a ser entendida como uma classe oprimida sob o patriarcado. Se algo que você lê faz muito pouco sentido para sua realidade material, para a realidade material das mulheres do Congo, para a realidade material das mulheres em Nova York, então ela deve ser observada com mais cuidado. Por exemplo: o medo do estupro. Todas as pessoas nascidas mulheres, em qualquer parte do mundo, de qualquer classe social, de qualquer raça ou etnia, são assombradas pelo medo do estupro. Muitas dessas mulheres, justamente por sua classe social, raça ou etnia estarão muito mais vulneráveis a sofrer estupro. Mas nenhuma está livre. Então todas as mulheres se unem pelo medo do estupro, cometido por homens (que nos oprimem) como uma ferramenta de coação contra nós. Homens que não estupram mulheres apenas por sexo, mas também para manter mulheres aterrorizadas, para garantir poder sobre elas. Entende a profundidade da questão?
Se não liberta mulheres, não é feminismo.
Por onde começar?
Começa por aqui, para entender bastante sobre os desafios que enfrentamos, e então partir pra luta. Estudar a teoria feminista é muito importante para nos organizarmos, termos foco, estratégia e principalmente, não perdemos de vista as armadilhas que o patriarcado nos reserva:
Artigos: Conceitos básicos sobre feminismo
Livros: 9 livros para começar a entender o feminismo
Curso: Feminismo: por onde começar
O entendimento da nossa condição real é uma coisa muito dura. Muito dolorida mesmo. É também um caminho sem volta. Perceber o que a sociedade faz com as mulheres, entender o que é o patriarcado, se dar conta do que representamos nesta estrutura, é profundamente desalentador e pode acabar mesmo com nossa saúde mental. É uma porta que uma vez aberta, não fecha. Mas ao mesmo tempo, abrir essa caixa de Pandora é a única opção possível para tentarmos fazer frente e buscar construir um mundo melhor. Temos muitos obstáculos é o principal deles é a nossa própria socialização, que nos condiciona a nos manter submissas, separadas, sempre em conflito. São muitos fronts de batalha. E não é uma luta que eu ou você vamos ver o resultado. Mas se hoje estamos aqui é por causa de muitas que nos precederam.
O feminismo é um projeto de sociedade que quer romper com toda a estrutura estabelecida até aqui. Que propõe uma nova maneira de se relacionar com o outro, com os meios de produção, com a vida. Que propõe de maneira completamente revolucionária uma sociedade livre de exploração e sofrimento. Está mais que comprovado que o modelo que temos vigente até hoje está falido. Não é utopia querer um mundo melhor para todos nós, e se há hoje um proposta pela qual vale a pena lutar, é aquela que o feminismo traz.
Vamos?
Me encanta cómo abordas temas complejos de manera accesible para todos. Haces que la información sea fácil de entender y aplicar.
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