Uma estudante da Universidade de São Paulo está internada após uma tentativa de suicídio. Na UniRio, uma feminista radical de 22 anos cometeu suicídio após vários meses de abuso.
Uma jovem de 21 anos, Maria Luiza Zaparolli Silva (Malu), estudante de biologia na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, tentou tirar a própria vida em 14 de abril de 2023, após ser implacavelmente assediada, perseguida e banida por meses nas redes sociais e no campus por membros de um coletivo, Filomena, que a acusaram de “transfobia”.
Malu foi encontrada inconsciente na mata atrás de seu campus universitário por bombeiros e levada a um hospital. Ela passou três dias entubada em uma unidade de terapia intensiva antes de começar a recuperar a consciência. Atualmente, ela está fora de perigo e fisicamente bem. No entanto, o assédio ainda não parou, diz sua mãe, Paula. Cinco dias após a tentativa de suicídio de Malu, um usuário do Instagram mandou mensagem para ela dizendo: “Sua puta. Para de querer chamar atenção fingindo que vai se matar. Já tem mulher demais esfregando a b…ceta na cara das pessoas pra ganhar o mínimo de atenção da sociedade. Vagabunda. Você é só mais uma chorona implorando por pica”.
Segundo Paula disse à 4W, os abusos contra Malu começaram quando integrantes do Filomena, um “coletivo fluido… desenvolvendo projetos de artes com proponentes que trabalham e pensam educação, o brincar e a diversidade”, viram os stories do Instagram de Malu, como uma imagem com as palavras “mulheres precisam de espaços só para mulheres” e uma postagem sobre a estudante universitária que desafiou a presença de um homem no banheiro feminino e foi agredida fisicamente.
“Ela havia postado poucas coisas no Insta e algumas alunas tiraram print e começou a perseguição”, disse Paula. “A acusaram de transfóbica e a cancelaram.” Em 8 de abril de 2022, um mês após o início de seu curso universitário, um usuári chamado @char_hime tuitou “Descobri que uma menina que eu tava me aproximando muito é transóbica assumidíssima (mas eu real não sabia e tive que ser avisada por terceiros”. No mesmo dia, outro usuário, @agquerino, postou um tweet semelhante, dizendo “Descobri que uma menina que eu achava super legal é uma transfóbica do caralho”.
Malu se defendeu das tentativas de silenciá-la e foi recebida com mais abusos, com Char_Hime escrevendo que ela estava “distorcendo tudo”. Quando outro usuário escreveu em resposta: “Estamos silenciando ela”, Char_Hime respondeu “Completamente oprimida, né?”
Paula disse que nos meses seguintes, o abuso aumentou. “Colocaram o nome dela em uma lista junto com abusadores e agressores.” No Twitter, outros começaram a postar coisas como “você merece ser estuprada por uma dúzia” e “quero te ver pendurada em uma árvore, sua vaca”. Em outubro de 2022, Char_Hime twittou “Pleno meu aniversário, ter que lembrar que esse ser existe… imagine você saber que alguém é extremamente mal-caráter e ser amiga dela mesmo assim.”
Em novembro, houve uma festa organizada no curso de biologia. Malu foi informada em um grupo do qual participava, por uma pessoa chamada Cait, que seus colegas estavam chateados com Malu porque algumas de suas histórias no Instagram tinham “conteúdos bem transfóbicos”. Outra pessoa, Mansô, confirmou que os alunos ficaram “bem chateados com isso” e disse a ela “querámos que você não viesse mais amanhã”
Após a confraternização, outra pessoa, @simsoumono, escreveu no Instagram no dia 20 de novembro que estava “Pensando aqui em uma ‘querida’ radfem, que não pode ir na festa da bio por motivos óbvios, mas imagino se ela fosse no churras e visse aquela festa queerfriendly e cheia de gente trans, ela podia explodir e sumir no rolê.”
“Ela foi adoecendo lentamente… logo ela, uma menina tão doce”, disse Paula. Malu procurou ajuda profissional para a sua saúde mental. Em dezembro de 2022, antes do Natal, o relatório do psiquiatra dela, ao qual a 4W teve acesso, informava que Malu estava em terapia há cinco meses. O laudo observou que ela apresentava “sentimentos de angústia, sensação de não poder confiar nas pessoas, fragilidade emocional, tristeza, vulnerabilidade afetiva.”
Malu também denunciou os abusos à coordenação da universidade duas vezes, mas, segundo a mãe, a USP “viu os prints e nada fez e nem o laudo do psiquiatra dela quiseram ver”.
No dia 24 de fevereiro de 2023, Malu fez uma postagem comovente no Instagram, em que falava sobre o que acontece quando morremos. No dia 14 de abril, atentou contra a própria vida. Ela também havia deixado uma carta para a mãe, ao qual a 4W teve acesso, onde ela fala sobre como estava animada para começar a universidade para estudar biologia, mas que seu “sonho virou pesadelo”. Ela escreveu que, em 2023, todos os seus amigos, que ela levou “meses para conquistar, não falam nem mais “oi” pra mim. Eles nem olham na minha cara.”
No dia 17 de abril, o coletivo QG Feminista fez uma live no Instagram com Amanda Tabarelli, uma professora e feminista radical que foi contatada pela mãe de Malu sobre a tentativa de suicídio. “Fiquei absurdamente chocada com a mensagem que recebi da mãe da Malu”, disse dona Tabarelli, “porque no ano passado eu fui extremamente perseguida por afirmar que sexo é imutável e só existem macho e fêmea da espécie humana. A história da Malu me fez reviver tudo e lembrar que pude resistir e me manter emocionalmente estável porque tive mulheres que me apoiaram, então eu decidi convocar essas mulheres que me ajudaram para fazer o mesmo por ela”.
Durante a live, a QG Feminista publicou um formulário online para permitir que mulheres que foram perseguidas e agredidas pudessem contar sobre o abuso sofrido.
“Ficamos sensibilizadas porque também temos experiências pessoais com perseguição e/ou silenciamento (ou tentativa de silenciamento) no ambiente universitário/acadêmico e sentimos que precisávamos ajudar a dar visibilidade ao caso”, disse Bruna Santiago, da QG Feminista.
Conversamos com Amanda, que prontamente se disponibilizou para conversar conosco, no mesmo dia, na live, e lançamos online um formulário para recolher relatos de mulheres que tenham passado ou estejam passando por situações parecidas.
Santiago disse ter recebido mais de 50 denúncias, de “mulheres de várias idades e de todas as regiões do país, com histórias parecidas de assédio, perseguição, inúmeros relatos de abandono do curso ou da própria pesquisa, e muita, muita lesbofobia”.
A 4W entrou em contato com a USP para comentar o caso de Malu, mas a Universidade ainda não havia respondido.
Matéria originalmente publicada na 4W a 20/04/2023, clique aqui para ler em inglês.