Em janeiro de 2018 fomos agraciadas com uma propaganda de uma empresa famosíssima de beleza que nos vem fazer o seguinte questionamento:
“O que além de linda você é?“
Acredito que em 2018 todas nós já trombamos com as palavras e expressões socialização, gênero, papéis pré-definidos e por aí afora, então convido vocês a fazerem uma reflexão sobre a incoerência dessa peça publicitária.
Desde a tenra idade, as meninas são programadas a verem somente a beleza e a servidão como algo útil sobre si mesmas.
Os estímulos surgem de todos os lados; as meninas ganham bonecas que cultivam um padrão de beleza inalcançável e ganham produtos que remetem a serviços domésticos. Não me entendam mal, todos deveriam saber como se virar dentro de casa, não somente as mulheres. Contudo, somente um gênero é programado desde sempre a ter esse caráter de cuidadora. Mas não qualquer cuidadora, uma cuidadora bonita. Porque a única coisa que sobra pra nós é acreditarmos na beleza.
Meninas podem adquirir maquiagem antes dos 10 anos, meninas entram em concursos de beleza e criam o ideal de fragilidade e dependência que se perpetua até as mulheres chegarem à velhice.
Mulheres são cada vez mais ostracizadas conforme a idade passa. Se o mundo real fosse como a publicidade propaga, teríamos apenas mulheres brancas, hétero, magras, altas e menores de 30 anos de idade e completamente perdidas no mundo, apenas objetos para o uso masculino. E um objeto com pele sem poros, pele iluminada, bochechas rosadas, olhos pintados, cílios destacados e completamente passivas e complacentes.
Quando as mulheres fogem desse padrão, elas são combatidas, ofendidas em seu âmago, porque isso é desproposital, não é? Uma mulher querendo ser algo além de bonita? Querida, se poupe, me poupe, siga seu papel, aquele que desde a infância lhe foi passado.(ironia aplicada).
Nós temos cada vez mais mulheres combatendo à sua maneira a ditadura da beleza, quiçá mudando padrões, tentando novas formas de absorção, mudando propagações, mas não vemos ainda um massivo combate contra a necessidade da beleza.
É algo que não conseguimos definir além de ser agradável aos olhos. Temos vários ditados que costumam suavizar o peso da beleza, como aquele que ama o feio bonito lhe parece.
Somos tão condicionadas a colocar a beleza acima de tudo, investir tempo, comprometer renda, relacionamentos, alimentação, comportamento, todo o nosso ser que orbita em torno da necessidade da beleza e agora querem saber o que conseguimos fazer além disso?
Se toda mulher é convidada, coagida, forçada a perseguir a beleza, como sobraria tempo pra ela ser algo além disso? Não estou dizendo que não somos além, claramente somos. Temos muitas atribuições no mundo das mulheres, contudo essa audácia me apavora.
Estamos em um mundo onde cuidamos da casa, educação dos filhos, serviço doméstico, temos mais formação, menos rendimentos, somos objetificadas, a beleza é um requisito para toda e qualquer coisa, inclusive ser levada a sério no ambiente de trabalho e agora isso?
Não me entendam mal, é ótimo ser levado a sério por algo além da beleza, entretanto, na publicidade, o além mostra algo que você tem. Que você aparentemente você possui. Então isso não retira a exigência da beleza, aumenta um quesito.
E fica a pergunta: além de linda, o que você conseguiu ser?
E fica os parabéns porque somos muito além da beleza. Somente nos resta compreender que não tem necessidade dessa perseguição infrutífera.
Que tenhamos novos frutos.