colagem fêmea brava
colagem: Fêmea Brava

A maior parte das pessoas que conhecemos não gosta da ideia de envelhecer. Em seu artigo The double standard of aging (“O duplo padrão do envelhecimento”), Susan Sontag (1972) (1) diz que não há nada de errado nisso — nem na ansiedade em se tornar uma pessoa idosa, nem na angústia dos mais velhos, que ela categoriza entre 70–80 anos, em ir aos poucos perdendo habilidades nas suas atribuições físicas e mentais. Segundo ela, de qualquer forma, envelhecer é desafiador, mas é um fenômeno que precisa ser encarado. O problema não seria enfrentar esse desafio, mas como esse processo massacra psicologicamente, em especial, mulheres.

É possível afirmar que o envelhecimento é um fardo para todas as mulheres na nossa sociedade. Sontag diz que a idade se tornou um tabu nas sociedades urbanas, especialmente nas pós-industriais, de uma forma que em outras, como as tribais ou as rurais, não acontece. Portanto, a preocupação com a data de nascimento e com a “durabilidade” dos nossos corpos seriam características específicas da nossa sociedade. Para sobreviver, o sistema capitalista precisa que seus integrantes estejam dispostos a consumir, e o consumo desenfreado requer novidades o tempo todo. Os produtos precisam durar pouco e precisam ser substituídos por novos, ser descartáveis. Se são os números que movem nossa civilização, precisamos pensar que quanto mais envelhecemos, mais nos tornamos obsoletas aos olhos dos outros. É dessa forma que as indústrias que oferecem produtos para camuflar, disfarçar ou esconder a idade lucram, e o sistema se mantém funcionando, atropelando subjetividades e corpos que inevitavelmente envelhecem. Afinal, é impossível lutar contra o avançar do tempo.

Mas como essa ideia se relaciona com os corpos e mentes das mulheres? Se nossa sociedade objetifica mulheres, nos transforma em produtos, produtos da feminilidade, nada mais esperado que sejamos descartadas quando deixamos de ser novas, quando passamos a ter “certa idade”. É nesse momento que passamos a ocupar as prateleiras mais escondidas da loja de departamentos que se tornou a vida em sociedade para mulheres. É importante dizer que, para Susan Sontag (1972), o tempo de “certa idade” vai desde os 20 e poucos anos até os 50 e poucos — esta segunda fase sendo quando começamos a envelhecer “de verdade”. Quantas de nós não ouviu que atingimos nosso “ápice” aos 21 anos e depois começamos a definhar?

Em seu show Nanette (2018) na Netflix, a comediante australiana Hannah Gadsby (2), lésbica, no auge de seus 41 anos, conta a história de Marie-Thérèse Walter, uma jovem de 17 anos que se “relacionou” com Pablo Picasso quando ele tinha 42.

“Picasso tinha 42, casado, no topo da carreira. Isso importa? Sim. Na verdade, importa. Importa, sim. Mas Picasso disse que era perfeito. ‘Eu estava no meu auge e ela, no dela’. Devo ter lido isso quando tinha 17. Sabem como foi sinistro? (…) Uma menina de 17 anos nunca, nunca está no auge! Nunca! Eu estou no meu auge! Você testaria sua força em mim? Ninguém se atreveria a testar a sua força em mim. Porque todos vocês sabem que não há nada mais forte que uma mulher destruída que se reconstruiu”, ela diz.

A fala de Gadsby nos aponta algo que, com o passar dos anos, todas deveríamos perceber. Nos tornamos mais resilientes e, com isso, mais fortes. Não só porque o tempo, na maioria das vezes, se relaciona com mais experiência, mais conhecimento sobre como funcionam as coisas, e com mais independência, mas também por que envelhecer numa sociedade misógina nos obriga a aprender a nos reinventar constantemente para sobreviver. Acontece que temos dificuldade em entender isso, em parte porque passamos muito tempo odiando nossos corpos, em parte porque não ouvimos as mulheres mais velhas.

É importante nos dar conta que o discurso patriarcal, que diminui a experiência das mais velhas, tem uma origem reconhecida pelas feministas. O etarismo, que afasta mulheres mais jovens das mais velhas, é uma estratégia dos homens para conseguir com que mulheres mais jovens não tenham acesso à própria história e assimilem melhor as mentiras que nos são contadas sobre nossas ancestrais: nossas mães, avós, bisavós, tataravós… Na mesma direção, a rivalidade feminina é reforçada pela ideia de que temos um tempo de validade, o que nos coloca em constante disputa com as mais novas, como se nossos postos, autoridades e espaços fossem ser ocupados por inimigas que planejam nossa aniquilação.

O preterimento em razão da idade também ocorre entre lésbicas, e ele não é só afetivo — é político. Audre Lorde, em Idade, raça, classe e sexo: as mulheres redefinem a diferença (2018) (5), nos mostra que o “conflito de gerações” é mais um mecanismo de sabotagem da união das mulheres.

“Conforme agimos para criar uma sociedade na qual todas possamos florescer, o etarismo é outra distorção de relacionamento que interfere sem que nos demos conta. Ao ignorar o passado, somos incentivadas a repetir seus erros. O ‘conflito de gerações’ é uma ferramenta social importante de qualquer sociedade repressora. Se os membros mais jovens de uma comunidade veem os mais velhos como desprezíveis ou suspeitos ou dispensáveis, eles nunca poderão dar as mãos e examinar a memória viva da comunidade, nem fazer a pergunta mais importante: ‘Por quê?’. Isso provoca uma amnésia histórica que nos mantém trabalhando na invenção da roda toda vez que precisamos ir ao mercado comprar pão.” (Lorde, 2018)

Em entrevista à Celle Fonseca, escritora da Revista Entendidas, a terapeuta ocupacional Gisela Carvalho praticamente parafraseia Audre Lorde quando perguntamos sobre a discriminação que sofre na comunidade lésbica por sua idade: “Sim, as gerações lésbicas, algumas agem como se tivessem descoberto a roda, e volta e meia preciso dar carteirada, o que é muito cansativo” — conta Gisela, que é artista, ativista preta e tem 56 anos.

A exemplo disso, podemos recorrer à mais visível interpretação sobre as mulheres mais velhas disseminada pela sociedade: que as idosas se tornam produtos obsoletos. Alguns efeitos dessa obsolescência são que as perspectivas das mais experientes passam a ser descartadas e suas sexualidades desconsideradas. É como se a gente envelhecesse e perdesse o que reconhecemos como nossa mulheridade. O nosso medo de envelhecer e de revelar a idade vêm daí, de nos tornarmos menos mulheres; e também é por isso que começamos a sonhar com um matrimônio tão cedo: envelhecer nos tiraria do mercado do casamento. Nenhuma de nós quer ser preterida, no entanto, em uma sociedade misógina e etarista, passamos a ser interpretadas como velhas demais para casar e nos relacionar a partir do momento em que deixamos de ser muito novas, como nos aponta Sontag.

Ao contrário do que tentam nos convencer, não há nada de natural nas perdas de interesse ou de desejo sexual por uma mulher que envelhece. Como estamos defendendo desde o início do texto, é o contexto social que produz, legitima e estimula o descarte de mulheres mais velhas. O que costuma acontecer é que as mulheres mais velhas oferecem mais obstáculos ao uso masculino de seus corpos e serviços. Assim, justamente por apresentar mais resistência ao completo domínio masculino, o desejo sexual de homens por mulheres mais velhas, ou simplesmente velhas, diminui e frequentemente se torna aversão.

Homens tentam explicar isso como uma causa natural. Para eles, a perda da jovialidade necessariamente estaria relacionada à falta de interesse dos machos nas fêmeas. Esse tipo de alegação é bastante recorrente. É comum, por exemplo, que homens apelem para o discurso naturalizante a fim de justificarem seu ódio às mulheres. Como nos casos das falsas alegações sobre a existência de um instinto sexual masculino para desculpar assédios e estupros. Diante disso, é nosso papel enquanto feministas desmantelar tais discursos que tentam naturalizar a violência, e reforçar a importância da memória das mulheres para o resgate de nossa dignidade e de uma história contada por nós.

O que a sociedade masculinista considera nossa beleza — associada à feminilidade e, consequentemente, à juventude — é finita, e para a maior parte dos homens essa é a principal característica no quesito da atração. Ser fisicamente atraente conta mais na vida de mulheres do que na vida de homens. Por outro lado, a sabedoria é um fator que tende a aumentar ao longo dos anos, mas isso parece não contar para nós: não somos estimuladas a apostar no nosso desenvolvimento mental e na saúde do corpo dissociada da aprovação masculina, mas sim na transitória aparência física.

Gisela nos conta um pouco sobre sua vivência, desde sua juventude. Enquanto feministas, sabemos que meninas que se rebelam contra a feminilidade sofrem muita discriminação e, hoje em dia, chegam a ser forçadas à masculinidade (6). Em sua vivência como lésbica facilmente reconhecida pela sociedade — lésbica visível, como gosta de se afirmar — Gisela sofreu ataques lesbofóbicos que vemos acontecer até hoje nos espaços públicos e privados. Ela nos relata um deles: “certa vez no ônibus com uma namorada, um homem veio por trás e me deu um tapa, sem que tivéssemos feito nada, não andávamos de mão dada, ele somente concluiu que éramos um casal, porque eu era uma lésbica muito visível e ela não. Éramos novas, ele me agrediu e desceu rapidamente do ônibus”.

Histórias como essa são muito comuns entre mulheres que não se apresentam como conformadas com os padrões impostos. Gisela, que cresceu nos anos 1960, explica que começou a se ver diferente das outras meninas na infância: “era uma época em que tudo era muito preto e branco, sem as nuances de hoje, e eu gostava das ‘brincadeiras de menino’, brincar de boneca era um tédio para mim. Posso dizer que não foi nada fácil ser diferente nessa época e posteriormente me assumir lésbica”.

Mesmo nos dias de hoje, quando temos a ilusão de termos avançado na educação antissexista, é muito comum ver pais, amigos, parentes elogiando crianças do sexo feminino somente pela aparência, que nada tem a ver com a natureza da criança, ou com suas aspirações, curiosidades, mas com o quanto de feminilidade essas meninas conseguem performar: “que mocinha”, “uma princesa”, “muito linda de rosa”, etc. É cultural, e tão entranhado no nosso cotidiano, que às vezes parece instintivo. Não conseguimos evitar. Não sabemos elogiar meninas de forma diferente, precisamos nos esforçar para fazê-lo. Não acontece o mesmo com meninos, que são estimulados a serem exploradores, analíticos, autônomos, autoconfiantes, etc — características atribuídas ao sexo masculino. Essas características não envelhecem, nem perdem sua graça com o tempo, muito pelo contrário: apenas vão se aprimorando. Por outro lado, passividade, falta de competitividade, bondade, docilidade — características da feminilidade, não melhoram com o tempo: nos estagnam onde estamos.

A mensagem, apreendida ao longo das décadas, de que a realização pessoal de toda uma vida só será alcançada a partir do casamento com um homem e a reprodução, já inviabiliza essa sensação de plenitude para lésbicas. Gerda Lerner, em A criação do patriarcado (2019) (3), aponta que a mulher emergente — aquela que desafia as premissas patriarcais, que é pensadora, questionadora — encara um vazio existencial ao fugir dos constructos do pensamento patriarcal. Isso acontece porque, mesmo quando percebemos os objetivos dos papéis sexuais atribuídos a nós pela sociedade, temos essas expectativas introjetadas por nossa socialização — o que faz com que tenhamos dificuldade de imaginar outras formas de realização pessoal, diferentes das que nos foram impostas. Nós, lésbicas, não nos identificamos com o que o patriarcado determina como deve ser a “vida de uma mulher”, mas fomos heterossexualizadas, e carecemos de referências. Daí o vazio.

O envelhecimento da mulher lésbica é um assunto pouco estudado. Enquanto feministas, acreditamos que a invisibilidade das lésbicas idosas se dá muito pela combinação da lesbofobia com esse hiato no que se entende por realização pessoal, somada ao desprezo pela sexualidade da mulher mais velha, o que torna o processo de envelhecer muito solitário para nós. Muitas de nós fomos convencidas de que nossa sexualidade está limitada à nossa juventude, porque é quando nos disseram que éramos úteis à sexualidade masculina, ao poder sexual masculino. Por também estarmos inseridas numa sociedade patriarcal, não conseguimos fugir com facilidade desse lugar comum com relação à utilidade da nossa sexualidade, ainda que ela não esteja voltada para os homens. Reconhecer isso é um passo importante para nos livrarmos da falsa ideia de que mulheres idosas não têm sexualidade.

Mais velhas, tendemos a reconhecer melhor nossos desejos — tendo em vista que nossa sexualidade é negada e sequestrada durante a juventude pelo processo de intoxicação do romantismo: quanto mais novas, mais fácil dominar, moldar, subjugar. Por isso, é cruel a lógica que determina que, ao passo que tomamos a mínima consciência sobre nossa própria sexualidade, passamos a nos tornar inelegíveis para o sexo. Mais velhas, conseguimos também escolher olhar para outras mulheres e nos associar com elas. E essa é uma das vantagens de envelhecer e entender melhor como funcionam as coisas, como dissemos anteriormente. Longe dos olhares masculinos, conseguimos vantagens no sentido de não precisar mais servi-los e poder correr atrás do que acreditamos ser importante. Isso facilita a nossa entrada no lesbianismo, ou seja, na virada que permite dedicarmos nossas vidas e afetos a outras mulheres. Não à toa, muitas de nós passam a perceber que podem ser lésbicas depois que começam a envelhecer, após terem “cumprido” com alguns dos papéis sexuais que nos foram impostos — depois de terem casado e tido filhos (4).

Assim como várias lésbicas com mais de 40 anos, Gisela Carvalho conseguiu passar a dedicar sua vida à militância pelas mulheres lésbicas. Foi fundadora da Colerj, coletivo de lésbicas do Rio de Janeiro, e nos conta que, naquela época, já havia mulheres mais velhas na construção. Ela menciona Neuza das Dores Pereira. A idade não fez com que Gisela deixasse de militar, muito pelo contrário. E ela não perde a oportunidade de nos ensinar, quando perguntamos se ser lésbica é, para ela, um ato político: “Inevitavelmente, assim como ser negra, gorda, deficiente e velha, numa sociedade hipócrita, sem educação e violenta como a nossa, me espanto com pessoas desses grupos que conseguem dissociar a política de suas vidas”.

Por entender que ser lésbica é um ato político, Gisela nos conta que, desde que saiu do armário pela primeira vez, aos 20 anos, usa palavras que considera fortes para reivindicar seu lesbianismo — lésbicasapatãofancha — porque acredita que suavizar os termos é hipocrisia. Ela relata, também, que isso a afastou de mulheres da sua geração, assim como parentes e familiares inconformados. Quando perguntamos sobre seus desafios enquanto mulher lésbica com mais de 40 anos, ela afirma:

“O desafio maior é morrer de causas naturais e não ser assassinada. O que desejo doravante é ficar em paz com minha mulher e pensar na nossa vida, se for possível viajar. Investi a indenização da minha demissão num projeto para a comunidade lésbica do Rio de Janeiro e não foi valorizado, pensei que algo tinha mudado na consciência lésbica, mas vejo que continuamos nos colocando em segundo plano”, desabafa.

O ensinamento de Gisela sobre nossa lesbofobia internalizada, que faz com que nos coloquemos em segundo plano, deixando de lutar contra o apagamento lésbico que permeia nossa sociedade e os movimentos de esquerda, é um chamado a todas as mulheres lésbicas para que se priorizem, priorizem umas às outras, e, como nos ensina Audre Lorde, encontrem união a partir de nossas diferenças. Segundo Morgana (7), que se considera uma “velha lésbica que surgiu durante a segunda onda do feminismo”, a chave para o sucesso das mulheres é a não-violência.

“Meu conselho é suspeitar de qualquer pessoa que peça ou use violência (…). É inevitável que haja conflito dentro de vários movimentos, mas as diferenças precisam ser aceitas e a ênfase colocada no que temos em comum. Temos muito a perder se nos envolvermos em lutas internas amargas. Este conselho vem da minha própria experiência, nos últimos 50 anos. Como uma lésbica com deficiência, me concentrarei em meu ambiente doméstico protegendo-o da melhor maneira que puder. Mas meu espírito está com vocês, jovens ativistas” — relata Morgana, que hoje vive num bairro lésbico, numa área rural montanhosa.

Em sua trajetória de feminista lésbica, Morgana passou um tempo tentando se inserir em vários grupos majoritariamente compostos por mulheres lésbicas, ansiando por reunir algumas companheiras numa comunidade só de mulheres que amam mulheres.

“Depois de ingressar em um grupo de teatro lésbico em uma cidade pequena, ajudei a criar um centro residencial e cultural lésbico onde morei por quase 20 anos. Lésbicas de todo o país e até do mundo inteiro passavam férias lá. Produzimos teatro lésbico, dança, concertos de música feminina, exposições de arte e salões de beleza. Celebramos nossa espiritualidade e trabalhamos muito para criar um espaço seguro e estimulante para viver de acordo com nossos próprios valores e necessidades” — conta.

A ativista feminista francesa e lésbica Thérèse Clerc também reuniu, ao longo de sua vida e trajetória, muita coragem para assumir seu compromisso com a própria sexualidade e com a vida das mulheres mais velhas. Além de ter, ela mesma, auxiliado muitas mulheres a abortar clandestinamente, e depois de abandonar marido e a religião onde foi criada, ela fundou uma casa autogestionada para “envelhecer com dignidade” com outras mulheres.

“Tendo deixado o marido, Thérèse Clerc tornou-se vendedora de loja de departamentos, aos 41 anos, para se sustentar. No contexto do Movimento de Libertação das Mulheres (MLF), descobriu o prazer amoroso e sexual fora do âmbito da conjugalidade heterossexual e se afastou da religião. Em Montreuil, para onde se mudou com os filhos, tornou-se uma personalidade do feminismo local. Em 1997, fundou um lugar de trocas feministas e acolhimento de mulheres vítimas de violência, rebatizado em 2016 de Maison des Femmes — Thérèse Clerc” (Juliette Rennes, 2016) (8).

Depois dos 60 anos, Thérèse Clerc trabalhava, cuidava dos netos e ainda precisou se encarregar dos cuidados da própria mãe, que precisou de ajuda por cinco anos, em estado grave. Com isso, e na tentativa de não sobrecarregar seus quatro filhos com o cuidado que poderiam ter com ela, surgiu o projeto de uma casa de repouso autogestionada, baseada na ajuda mútua e na solidariedade entre as membras, que em sua maioria haviam sido donas de casa ou trabalhadoras em tempo parcial. Criada em 2012, e depois do falecimento de Thérèse em 2016, a Maison des Babayagas não corresponde plenamente hoje ao sonho de sua fundadora, mas não deixa de ser um lugar para eventos feministas. “Em especial, ela abriga a Unisavi, uma universidade popular ligada às lutas e aos saberes relativos à velhice. Lá se debate autogestão, economia social e solidária, feminismo, envelhecimento dos migrantes ou ainda a sexualidade de idosos e idosas” (Rennes, 2016).

A socióloga Juliette Rennes nos mostra que a relação de Thérèse Clerc com a velhice era, em primeiro lugar, política, por a considerar um momento propício para desafiar, por meio de eventos concretos, a organização etarista da sociedade e para questionar suas dicotomias: atividade/ inatividade, desempenho/ vulnerabilidade, autonomia/ dependência. Foi o avançar da idade que fez Thérèse questionar tudo ao seu redor e conseguir pensar em uma nova forma de imprimir sua política no mundo. É a força e o legado das mulheres mais velhas, como Gisela, Morgana e Thérèse, que nos impulsionam na luta. Apesar de tudo o que passaram, é importante notar como a vida de outras mulheres e o amor a elas motivaram a ambas e as fez querer mais.

Precisamos, enquanto feministas, valorizar e acreditar no potencial criativo das mulheres, na nossa inteligência, perspicácia e capacidade de pensar. Precisamos falar em voz alta que não dependemos da aprovação de família, igreja ou quaisquer outras instituições. Precisamos ensinar meninas que elas podem envelhecer sem a aprovação de um homem ou o destino do casamento, para que elas não se encontrem perdidas e sem objetivos de vida ao envelhecer, quando estiverem dispostas a rejeitar essas imposições.


Publicado originalmente em maio de 2021 na Revista Entendidas.


Referências

(1) Sontag, Susan. The double standard of ageing [O duplo padrão do envelhecimento], The Saturday Review, Nova York, 23 set. 1972.

(2) Gadsby, Hannah. Nanette. Disponível na Netflix. Acesso em: 29 abr. 2021.

(3) Lerner, Gerda. 2019. A criação do patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens.

(4) Sobre isso, Deborah Abbot e Ellen Farmer organizaram um livro inteiro de relatos de mulheres que expandiram suas sexualidades depois de abandonarem seus matrimônios heterossexuais. Adeus, maridos: mulheres que escolheram mulheres (Edições GLS: 1998).

(5) Lorde, Audre. Idade, raça, classe e sexo: as mulheres redefinem a diferença. In: Irmã Outsider. Tradução: Stephanie Borges. Disponível aqui. Acesso em: 17 mar. 2021.

(6) REVISTA ENTENDIDAS (2021). Brava, Fêmea e Raiz, Fúria. Por uma cultura genuinamente lésbica. Disponível aqui.

(7) Para ler o relato completo de Morgana: clique Morgana — Older Queer Voices: The Intimacy of Survival. Acesso em: 01/05/2021.

(8) LE MONDE DIPLOMATIQUE (2016). Rennes, Juliette. Envelhecimento feminino. Disponível aqui. Acesso em: 29/04/2021.