Falando como mãe, Eu não seria mãe se não pudesse gestar. Essa é a minha realidade. Na foto acima sou eu, depois de 114h de contrações. Tenho ovários policísticos, que me causaram infertilidade temporária. Ao considerar a maternidade, considerei também o trabalho reprodutivo da mulher de forma coletiva, em vez de considerar de forma individual, de escolha pessoal. Não achei ético fazer outra mulher gestar um bebê para que eu tivesse um filho biológico, portanto a barriga de aluguel nunca esteve entre as minhas opções. Se não pudesse engravidar, iria adotar. E se não pudesse adotar, eu não ia considerar isso uma falha minha como mulher, de que se eu não fosse mãe, não iria ser completa.
Falando como ativista do parto humanizado e respeitoso, sabemos que a gestação nunca é isenta de risco. Nenhuma gravidez é risco zero — na melhor das hipóteses, uma gravidez considerada saudável é chamada de “baixo risco.” E nem isso previne ocorrências médicas. Tendo isso em mente, uma gravidez subrrogada é mais uma forma de explorar a capacidade reprodutiva de outra mulher, sabendo que nenhuma gravidez é isenta de risco, e que os serviços de atendimento à mulher grávida ainda são defasados e insuficientes. Além dos riscos da gravidez — de perda fetal, de gravidez ectópica, de gêmeos, diabetes gestacional, entre muitas outras — e do parto em si, a mulher que gesta subrrogando pode ainda passar por violência obstétrica, uma luta a qual me juntei em 2012. Vale a pena colocar a vida de outra mulher em risco?
Falando como jornalista, noticiar sobre a barriga de aluguel mostrando a prática como um trabalho qualquer, como se faz com a prostituição, é perpetuar a narrativa patriarcal, disfarçando a exploração da capacidade reprodutiva feminina. A mídia deveria estar trabalhando para a linguagem patriarcal que apaga as mulheres do seu próprio trabalho reprodutivo. Já víamos esse apagamento relacionado ao parto, quando jornais escrevem que o médico/bombeiro/policial/pai/motorista de táxi “fez o parto” de uma mulher. Na reportagem sobre a barriga de aluguel, vemos o mesmo quando a mulher que gestou um bebê desaparece completamente e vira apenas uma barriga de aluguel, sem ser mencionada, propositadamente, para que se normalize que ela apenas prestou um serviço. A mulher que gesta subrrogada nutre o bebê com seu sangue, como em qualquer gravidez, e se o bebê nasce em um parto vaginal, são as bactérias da mulher que gesta que construirão a imunidade do bebê.
Falando como mulher e feminista, devemos questionar se ter um filho biológico é um direito humano ou uma exigência do patriarcado. Lembram da frase “mãe é mãe, pai é que varia”? Uma mulher sempre saberá que pariu bebês, mas homens só saberão quem são seus filhos sem testes de ADN em relacionamentos monogâmicos. Em uma sociedade que não oprime mulheres, uma gestação seria uma possibilidade biológica, ao invés de ser uma obrigação. Em sociedades que exploram a capacidade reprodutiva da mulher, a maternidade é compulsória, seja para dar um herdeiro do sexo masculino a um homem, ou para manter a mulher assoberbada com a maternidade para que não tenha carreira. Na barriga de aluguel, mulheres gestam bebês para serem criados por outras pessoas, figurando assim como uma maternidade compulsória, que ainda obriga a mulher a gestar, mesmo que não seja ela quem vai criar, e a transforma em incubadora ambulante. E quem serão essas mulheres? Serão elas da elite, ou serão mulheres em vulnerabilidade financeira, muitas das quais são negras, ou de países da América Latina, Ásia, África ou do Leste Europeu?
É preciso lembrar que as mães ainda têm poucos direitos sobre o seu próprio corpo e sobre os seus próprios filhos no mundo atual, em vários países. A alienação parental está aí, em lei no Brasil, para provar que uma mãe que tenta proteger seus filhos de um companheiro abusador e o afasta do convívio — porque abusou — perde a guarda das crianças para o abusador.
Barriga de aluguel comercial é exploração da capacidade reprodutiva da mulher. Quando se promove a barriga de aluguel como um trabalho como outro qualquer, o que se está promovendo é a maternidade compulsória, sem sequer nomear a mulher que gesta no processo.