Mas independentemente de minhas explorações me deixarem mais felizes ou mais tristes, eu continuava explorando para saber. — Zora Neale Hurston, Dust Tracks on a Road (1942)

Eu vi uma mulher Negra sendo vendida num leilão do quarteirão (…) Eu me senti desfalecer, enjoada (…) Ela estava vestida de forma magnífica em sedas e cetim (…) às vezes cobiçando os licitantes, às vezes parecendo bastante recatada e modesta (…) Eu me atrevo a dizer que a pobre infeliz sabia quem a compraria. Minha própria alma adoeceu (…) Eu tentava racionalizar. “Sabe como as mulheres vendem a si mesmas e são vendidas no casamento, de rainhas para baixo, sim? Você sabe o que a Bíblia diz sobre escravidão, e casamento. Pobres mulheres, pobres escravos.” — Diário de Mary Boykin Chestnut, Março de 1861

(…) a respeito dessa classe de mulheres, me constrange dizer (…) que sua educação é miseravelmente deficiente; que elas são ensinadas a considerar o casamento como sua única necessidade, o único caminho para a distinção; portanto, atrair a percepção e ganhar as atenções de homens, por meio de seus charmes externos, é o carro-chefe de garotas modernas (…) Mulheres modernas se consideram, e são consideradas por homens, como belos brinquedos ou meros instrumentos de prazer; e a vaziez de mente, a falta de coração, a frivolidade que é o resultado necessário dessa aproximação degradante e false de mulheres, só podem ser compreendidas por aquelas pessoas que tenham convivido (…) na vida moderna (…). — Sarah Crimke, cartas sobre A igualdade dos sexos (1838).

Eles diziam que nós não tínhamos alma, que nós éramos animais. — Mulher negra não identificada da Savana, década de 1860.

Como começou a subordinação da mulher ao homem, como acontece hoje no mundo inteiro? Por sua natureza, seu sexo, assim como o negro é e sempre será, até o fim dos tempos, inferior à raça branca, e, portanto, fadado à sujeição; mas ela é mais feliz do que seria em qualquer outra condição, simplesmente porque assim é a lei de sua natureza (…). — Jornal The New York Herald, 1852.

A investigação dos direitos do escravo me guiou a uma melhor compreensão dos nossos próprios. Eu descobri que a causa Anti-Escravidão é a escola superior da moral em nossa terra — a escola em que direitos humanos são mais completamente investigados e mais bem compreendidos e ensinados do que em qualquer outra (…). Esses direitos podem ter sido arrancados do escravo, mas não podem ser alienados; seu direito a si mesmo (…) está estampado em seu ser moral e é, como tal, imperecível. Agora, se direitos são baseados na natureza de nossa moralidade, então a mera circunstância de sexo não dá a um homem direitos e responsabilidades superiores do que a uma mulher. — Angelina Grimly, Carta a Catherine Beecher, 1836.

(…) a polícia havia prendido um grande grupo de mulheres — brancas, negras, mestiças — enquanto elas se reuniam para uma dança Voodoo. As pessoas responsáveis pela prisão disseram que as mulheres agiam de forma “indecente e de natureza de orgia”. — Jornal New Orleans Weekly Delta, Julho de 1850.

Eu devia andar com a tempestade e segurar meu poder, e obter minhas respostas para a vida e para as coisas nas tempestades. O símbolo do relâmpago foi pintado em minhas costas. Ele seria meu para sempre. — Zora Neale Hurston (em sua iniciação no Voodoo), no livro Dust Tracks on a Road (1942)

Freud uma vez disse que a mulher não é bem aculturada; ela é, ele enfatizou, retardada como pessoa civilizada. Eu acho que o que ele entendeu erroneamente por sua falta de civilização é a falta de lealdade da mulher à civilização. Mulheres sulistas nunca foram tão leais à ideologia da raça e da segregação como os homens sulistas. (…) Muitas delas têm traído a Supremacia Branca por duzentos anos mas a maioria que o fez não poderia te explicar por quê. — Lilian Smith: Autobiografia como um diálogo entre Rei e Cadáver, 1962.

Devemos colocar a velha palavra “liberdade” mais uma vez em serviço? (…) Deixe que “a liberdade das lealdades irreais” então resista como a quarta grande professora das filhas dos homens educados. — Virginia Woolf, Three Guineas, 1938.

(…) No passado, eu não ligo quão pobre essa mulher pobre era no Sul, ela sentia que era mais que nós. No Norte, não ligo quão pobre ou quão rica essa mulher branca é, ela ainda sentia que era mais que nós. Mas entendendo as coisas, a liberdade dela está aprisionada por correntes à minha, e ela percebe pela primeira vez que ela não estará livre enquanto eu não estiver livre. O ponto é que, a influência masculina nesse país — você sabe que o homem branco não foi lá e fez uma lavagem cerebral no homem negro e na mulher negra, ele fez uma lavagem cerebral em sua esposa também (…) Ele a fez pensar que ela era um anjo. — Fannie Lou Hamer, A condição e o papel específicos das mulheres negras, 1971.

Eu não tenho sido capaz de tocar a destruição
dentro de mim
Mas ao menos que eu aprenda a usar
a diferença entre poesia e retórica
meu poder também se corromperá como mofo venenoso
ou repousará hesitante e inútil como uma cabo desconectado
e um dia vou pegar meu cabo adolescente
e conectá-lo à tomada mais próxima
estuprando uma mulher branca de 85 anos
que é a mãe de alguém
e enquanto eu a espanco até perder os sentidos e coloco uma tocha em sua cama
um coro grego estará cantando em 3/4 do tempo

“Pobrezinha, ela nunca fez mal a ninguém. Que bestas”
(Audre Lorde, Poder, 1976)

Minha esperança é que nossas vidas vão declarar
essa reunião
aberta
(June Jordan, Metarretórica, 1976)

É difícil começar a escrever as palavras que carregarão meus pensamentos sobre feminismo e racismo para além dos confins de minha própria mente, esse quarto. É difícil porque eu quero ser compreendida, porque eu escrevo em uma encruzilhada que é minada por dor e raiva, e porque eu não quero que minhas palavras se emprestem a distorções ou expropriações, seja por apologistas de uma noção trivial e rasa de feminismo, [1] ou por expoentes de uma política racial que nega a natureza fundamental das políticas sexuais e da opressão de gênero.

Ao longo desse artigo, eu partirei do pressuposto de que feministas negras e brancas têm em comum um compromisso, não a um conceito de direitos civis embricados na velha estrutura de capitalismo e misoginia, não a uma extensão de tokenismo (*) que inclua mais mulheres nas estruturas sociais existentes, mas a uma transformação profunda da sociedade mundial e dos relacionamentos humanos; e que nós concordamos que tal transformação requer minimamente que toda mulher se identifique consigo mesma e se defina por si própria, com o direito de determinar como, quando, e por quem ela exercerá sua sexualidade e seus poderes reprodutivos.

Como lésbica/feminista, meus nervos e minha carne assim como meu intelecto me dizem que as conexões que mulheres fazem umas com as outras e entre elas são as mais temidas, as mais problemáticas, e a força mais potencialmente transformadora do planeta (**). Eu concebo esse artigo como uma vertente em uma meditação e colóquio entre feministas brancas e negras, um intercâmbio apenas começando, e carregado de uma história que toca nossas terminações nervosas mesmo que estejamos largamente inconscientes disso. [2] Começo dizendo que eu nasci em uma casa racista e patriarcal, em uma cidade e cultura racista e patriarcal; e porque naqueles primeiros anos de vida considerados tão cruciais na educação da criança para o amor, o amor mais incondicional, mais terno, e, eu agora acredito, mais inteligente que eu recebi me foi dado por uma mulher negra. (Por “incondicional” eu não quero dizer condescendentemente complacente. Mas meus próprios pai e mãe me viam como instrumentais para eles, um item em sua agenda, diferentemente dela, ou era o que parecia na época.)

Essa história pessoal não é especial; muitas mulheres brancas foram maternadas por mulheres negras, uma conexão que nós sentimentalizamos por nossas próprias conta e risco. Também não considero essa história (como uma ou duas mulheres brancas já me sugeriram) a “causa” da minha preocupação com as questões deste artigo. [Essa história] simplesmente se acrescenta ao senso de urgência que me impeliu a entrar na discussão. Eu já escrevi sobre esse tipo de relacionamento em outros lugares, e não desejo destrinchá-la aqui. [3]

Ao longo desse texto eu me refiro ao “negro” e não a um “primeiro (ou terceiro) mundo” porque apesar de a separação por cor de pele e classe não ser de forma alguma restrita àquela entre mulheres brancas e negras, mulheres brancas e negras neste país têm um histórico especial de polarização, assim como de opressão compartilhada e ativismo compartilhado, e eu abordo essa história aqui.

Este artigo tem dois artigos como seus mais recentes impulsos: o texto “Toward a Black Feminist Criticism” [“Em direção a uma Crítica Feminista Negra”], de Barbara Smith, que saiu pela primeira vez na revista Conditions, n. 2; e “The Combahee River Collective: a Black Feminist Statement” [Coletiva Combahee River: um manifesto feminista negro], publicado no livro Capitalist Patriarchy: a Case for Socialist Feminism [Patriarcado Capitalista: um caso para o Feminismo Socialista], editado por Zilah Eisenstein. Mas também reconheço o impacto anterior de “A Historical and Critical Essay for Black Women in the Cities” [“Um artigo crítico e histórico para mulheres negras nas cidades”], de Pat Robinson e grupo, na antologia “The Black Woman” [“A Mulher Negra”], de Toni Cade, que eu li em 1970, e que ainda me parece uma peça matriz do pensamento feminista.


I.

A história mútua de mulheres negras e brancas nesse país é um domínio tão doloroso, ressonante, e proibido que mal tem sido tocado por autoras(es) tanto da “ciência” política ou da literatura imaginativa. No entanto, até que tal história seja conhecida, que esse silêncio seja quebrado, nós continuaremos lutando com dificuldade em um estado de privação e ignorância. Não é que feministas brancas tenham simplesmente ignorado ou desconsiderado a experiência, a existência em si, das mulheres negras; apesar de, como Barbara Smith aponta, muito da academia feminista ter sido escrita como se mulheres negras não existissem, e muitos cursos ou textos de estudos de mulheres mencionassem os trabalhos e vidas de mulheres negras apenas por mencionar. Mesmo quando o racismo é reconhecido em escritos, cursos ou conferências feministas, é demasiado frequente fruto de um desejo de “compreendê-lo” como um conceito intelectual ou teórico; nós não perdemos tempo, como homens frequentemente o fazem, em empenhar esforços para ficarmos “por cima” em uma condição dolorosa e desconcertante, então perdemos contato com os sentimentos que mulheres negras estão tentando nos descrever, suas experiências vividas como mulheres. É muito mais fácil, especialmente para mulheres brancas academicamente treinadas, entender o “pepino” intelectual/político da ideia de racismo do que se identificar com a experiência feminina negra, explorá-la emocionalmente como parte das nossas próprias.

Por baixo de tudo isso, acredito, existe um problema mais profundo e insidioso: uma grande quantidade de pensamento e teoria feminista branca, quando tentou se referir às experiências de mulheres negras, o fez trabalhando sob um fardo massivo de sentimentos de culpa e de falsa consciência, produtos de auto-culpa feminina profundamente inculcados, e de uma história que não temos explorado suficientemente. (Há uma diferença enorme entre culpa de fato — ou responsabilidade — e sentimentos de culpa.) Também temos trabalhado sob sentimentos de ignorância a, e consequentemente inadequação em relação a, vidas reais de mulheres negras. Essa ignorância é, é claro, um fato. Ela é gerada por meio do que se passa por educação, que pega a experiência branca como padrão, e é reforçada pelo próprio medo e ansiedade que ela mesma cria. Já é tempo de nos livrarmos desses fardos inúteis e de olharmos com novos olhos para o conceito de racismo feminino. Porque a verdadeira responsabilização é uma questão séria para a ética feminista — e, de fato, para qualquer ação feminista duradoura e significativa.

Mulheres não criaram a relação de poder entre mestre e escravo, nem as mitologias usadas para justificar a dominação de homens sobre as mulheres: ou seja, que o mestre é “chamado pela natureza” ou pelo “destino” para dominar por conta de sua inerente superioridade; que ele sozinho é “racional” enquanto o Outro é dominado por emoções, mais próximo ao animal, uma materialização do “obscuro” inconsciente, perigoso e portanto carente de ser controlado; que mulheres e escravos são criaturas sem almas imortais; que os escravizados na verdade amam seus mestres (que mulheres amam violência sexual e humilhação), que os oprimidos “aceitam” ou mesmo são felizes com sua sina até que “agitadores de fora” os atiçam ao descontentamento. Mulheres não criaram essa relação, mas na história da escravidão e do racismo Estadunidenses mulheres brancas foram pressionadas a seu serviço, não só como propriedade nupcial e objeto-criatura de homens brancos, mas como seus instrumentos ativos e passivos.

Minha nova senhora provou ser tudo que parecia ser quando eu a encontrei pela primeira vez junto à porta, — uma mulher do coração mais gentil e dos sentimentos mais refinados. Ela nunca havia possuído um escravo sob seu controle antes de mim, e antes do casamento ela fora dependente de seu próprio trabalho para seu sustento. Ela era, no comércio, tecelã; e ao se dedicar constantemente a seu negócio, fora em boa medida preservada dos efeitos malditos e desumanizantes da escravidão. Eu fiquei totalmente atônito com sua bondade (…) Ela era completamente diferente de qualquer outra mulher branca que eu já vira (…) A servilidade exagerada, geralmente tão aceitável enquanto qualidade num escravo, não recebia resposta quando manifestada para ela. Seus favores não eram ganhos dessa forma; ela parecia ficar perturbada com isso (…) O escravo mais maldoso se sentia totalmente à vontade em sua presença, e todos saíam se sentindo melhor por a terem visto (…)
Mas ai! esse coração gentil permaneceu assim por pouco tempo. O veneno fatal do poder irresponsável já estava em suas mãos, e logo começou seu trabalho infernal. Aqueles olhos alegres, sob a influência da escravidão, logo se tornaram vermelhos de raiva (…)
Logo depois de eu ir viver com o Sr. e a Sra. Auld, ela começou, muito gentilmente, a me ensinar o ABC. Depois de eu ter aprendido isso, ela ajudou em aprender a soletrar palavras de três ou quatro letras. Nesse ponto do meu progresso, o Sr. Auld descobriu o que estava acontecendo, e de uma vez proibiu a Sra. Auld de me instruir, dizendo-lhe, entre outras coisas, que era ilegal, assim como perigoso, ensinar um escravo a ler. (…) “Um crioulo não deveria saber nada além de obedecer seu mestre. (…) O aprendizado estragaria o melhor crioulo do mundo. (…) Faria dele descontente e infeliz.” — Narrativa da Vida de Frederick Douglass [4]

Essa mulher artesã independente entrara nas instituições do casamento e da escravidão simultaneamente. Ao se casar, ela tomou as corrupções de ambos os relacionamentos homem/mulher e mestre/escravo. Ela não foi, eu sugiro, corrompida por “poder irresponsável” num sentido que um tirano ou um déspota patriarcal poderia ser descrito; mas, ao invés disso, ela foi rasgada e enlouquecida por um falso poder e por uma falsa lealdade a um sistema contra o qual ela havia inicialmente instintivamente se rebelado, e que estava destruindo sua integridade. Impotente na instituição do casamento, a instituição da escravidão de fato lhe deu poder quase absoluto sobre outro ser humano, seu único escape para raiva e para frustração sendo o controle que ela tinha sobre aquela pessoa. Ironicamente, um poder que ela não possuía era o poder de alforria (libertar seus escravos), que ela perdeu no casamento. [5]

Mulheres brancas em revolta contra as ideologias da escravidão e da segregação na maioria das vezes trabalhavam a partir de posições de impotência, ou a partir de um falso sentido de nosso próprio poder e seus usos; enquanto que homens no poder chamavam nosso senso de justiça de “emocionalismo”, nossa humanidade de “irresponsável”, ignorando nossas vozes e atos de protesto porque nós não tínhamos coletivamente poder de influência para levar às lutas que empreendíamos em prol de outrem. Teria feito bastante diferença se mais mulheres Estadunidenses pudessem ter compreendido desde o início que racismo e segregação não eram condições peculiares apenas ao racismo institucionalizado, mas práticas dominantes do patriarcado. [6] Tal compreensão talvez nos tivesse impelido em direção a uma política mais funcional para nós mesmas e para aquelas outras pessoas que, como mulheres, têm sido definidas como “o Outro”.

A instrumentalidade passiva ou ativa de mulheres brancas na prática de desumanidades contra pessoas negras é um fato da história. (Da mesma forma é a instrumentalidade passiva ou ativa de mulheres da mesma raça umas contra as outras: a mulher Africana extirpando e mutilando o clitóris e a vulva da menina; a mãe Chinesa quebrando os pés de sua filha no formado de pequenas “flores de lótus” para torná-la apta ao casamento; a mulher usada como token traindo suas irmãs em troca de seu lugar em um establishment masculino: lealdade à civilização masculina). [7] Mas por baixo desse fato indisputável — ou o ultrapassando — há outros fatos. Mulheres brancas, como homens negros e mulheres negras, têm vivido desde a fundação desse país sob uma constituição desenhada e ainda interpretada por homens brancos, e sob a qual, mesmo que a Emenda de Direitos Iguais (***) finalmente seja aprovada, ainda não haveria, dada a composição das cortes, garantia nenhuma a nenhuma mulher de direitos iguais sob a lei [8]. Mulheres, assim como pessoas negras, ainda são consideradas como intelectualmente inferiores; marginais; vítimas culpadas. Mulheres, assim como pessoas negras, sabem o que significa viver sob o medo de violência contra a qual as sanções da comunidade e do sistema legal não oferecem proteção: estupro, violência doméstica, abuso sexual por parte de homens da família, a violência da prática médica masculina. E é importante que feministas brancas se lembrem que, apesar da ausência de cidadania constitucional, da privação educacional, da amarra econômica a homens, de leis e costumes proibindo mulheres de falarem em público ou de desobedecerem seus pais, maridos e irmãos, nossas antecessoras brancas foram, nas palavras de Lillian Smith, repetidamente “desleais à civilização”, e “sentiram o cheiro da morte na palavra ‘segregação’” [9], frequentemente desafiando o patriarcado pela primeira vez, não em prol de si mesmas mas pelo bem de homens, mulheres e crianças negras. Nós temos uma forte tradição feminina antirracista, apesar de todo o esforço do patriarcado branco em polarizar suas criaturas-objeto, criando dicotomias de privilégio e casta, cor de pele e idade e condição de servidão. É essa tradição — ao invés de sentimentos de culpa ou políticas “liberais” — que eu desejo invocar nesse artigo.

II.

Feministas brancas têm um relacionamento histórico específico com o conceito de racismo em si. O movimento novecentista por direitos das mulheres foi forjado no ativismo do movimento abolicionista em que Lucretia Mott, Elizabeth Cady Stanton, Susan B. Anthony e muitas outras encontraram suas vozes pela primeira vez. Depois da guerra civil, o movimento sufragista foi profundamente debilitado pela divisão sobre a possibilidade de homens negros conquistarem o direito ao voto antes de mulheres brancas e negras. A “hora do Negro” (como a questão do sufrágio masculino era descrita) era, como Sojourner Truth veementemente notou, “uma grande agitação a respeito de homens racializados conquistando seus direitos, mas silente a respeito das mulheres racializadas”. Se o impulso pela emancipação feminina tivesse permanecido unido e radicalmente feminista, teria sido articulado nos termos de Sojourner Truth e Susan B. Anthony, como um impulso pela emancipação de todas as pessoas cidadãs, negras e brancas, nativas e estrangeiras, de classe média e pobres, mas, nos debates acalorados sobre se homens negros ou mulheres brancas e negras deveriam ser emancipadas primeiro, uma retórica classista, racista, e até xenofóbica tomou lugar. [10] É fácil ver com o distanciamento de hoje que a velha estratégia patriarcal estava trabalhando: ou homens negros ou mulheres (brancas e negras) poderiam ser emancipados, mas não os dois grupos — portanto, opondo sexo contra raça, numa necessidade histórica falsa, o que foi feito e tem sido feito até hoje.

A historiadora Barbara Berg oferece uma versão inicial das origens feministas negras nos Estados Unidos: “sociedades beneficentes femininas” ou agências voluntárias que cresceram sob as pressões da urbanização na primeira metade do século XIX. Frequentemente ignoradas de forma desdenhosa como se fossem Senhoras Caridosas entregando-se a “bom-mocismos”, as organizadoras urbanas trabalhavam, de acordo com Berg, a partir de um forte senso de solidariedade com todas as mulheres, em revolta contra as ideologias de classe média da fragilidade e da dependência femininas, e

formavam centenas de associações dedicadas a ajudar mulheres idosas, enfermas, empobrecidas e marginalizadas em cidades ao longo da nação. As necessidades, impulsos e desejos femininos vagamente notados encontraram definição na colcha de retalhos da cidade (…) A realidade de sua própria opressão se tornou impossível de evitar (…)
Sociedades beneficentes femininas nos anos entre 1800 e 1860 transformaram as percepções imprecisas de mulheres por meio dos Estados Unidos numa ideologia feminista convincente. [Berg quer dizer, é claro, mas falha em mencionar, mulheres brancas.]
As membras postulavam uma comunidade de mulheres. Elas continuamente enfatizavam as semelhanças entre elas mesmas e mulheres negras, indianas, e imigrantes (…)

Berg segue comentando:

Em sua luta pelo voto, as mulheres ignoraram e comprometeram os princípios do feminismo. As complexidades da sociedade Estadunidense na virada do século induziram as sufragistas a mudar a base de suas demandas por emancipação. Elas originalmente argumentavam que era o direito natural de toda mulher, assim como de todo homem, participar no sistema legal que lhes governaria (…). O movimento sufragista tardio negava os direitos humanos básicos de mulheres de classes inferiores. (…)
(…) O movimento de mulheres que se desenvolveu entre os anos 1800 e 1860 era um corpo de pensamento investigatório. Esteve na beirada de reconhecer que a libertação de uma classe de mulheres dependia da liberdade de todas as outras [itálicos meus]. De fato, tem sido a maldição do século XX lembrar-se apenas da campanha pelo sufrágio enquanto se esquece das origens do feminismo estadunidense. [11]

O nascente feminismo antirracista e transcendente de classes que Berg discerne no movimento reformista feminino do início do século XIX — e que Anthony constantemente afirmava no movimento sufragista — estaria sempre sob a pressão da estratégia patriarcal de dividir e conquistar. Essa estratégia tem repetidamente se alimentado da capacidade de mulheres privilegiadas de se iludirem com relação às origens de seus privilégios, e o que elas têm pago por isso, e, como eu tentarei demonstrar adiante, no uso de mulheres — negras e brancas — como amortecedor entre os poderosos e suas vítimas mais abjetas. Mas também tem se alimentado do fato de que mulheres — privilegiadas ou não — são treinadas para se identificarem com homens, seja com os homens no poder aos quais elas estão ligadas, ou — como simpatizantes emocionais — com os homens de um grupo oprimido. Identificação com mulheres enquanto mulheres, não como pessoas semelhantes em classe ou raça ou comportamento cultural, é ainda profundamente problemático. As amarras que têm exigido de mulheres brancas que, para mantermos nossas vantagens ou respeitabilidade, devemos negar nossas irmãs (e nossas irmãs em nós mesmas), também parecem ter demandado de mulheres negras que neguem ou seu sexo ou sua raça em alinhamentos políticos. A acusação de traição, sempre apontada a mulheres que se unem, especialmente através de linhas de classe de raça, tem sido usada contra feministas brancas e negras igualmente. Todas sabemos as mudanças feitas naquele vocabulário: de “mulher decidida” no século XIX a “vadia castradora”, “odiadora de homens”, “matriarca”, “cola-velcro”, “sapatão”, e “contrarrevolucionária”. [12]

A tentativa de feministas brancas de formular uma política feminista radical frente a pressões negativas intensas por parte da Esquerda dominada por homens nos anos 60 é, talvez, uma história já embaçada e sem brilho, em nossa era anti-histórica, pelo desejo ou de esquecer os anos 60 ou de relegá-los à “nostalgia”. (Muitas feministas negras, sem dúvidas, estavam então em suas políticas de conscientização tentando lidar com as contradições do movimento nacionalista negro.) Essa luta feminista contra as políticas da culpa tem sido documentada por Kathleen Barry, Barbara Burris, Joanne Parrent, et al., no “Fourth World Manifesto” [“Manifesto do Quarto Mundo”] (1972), uma peça de nossa história e uma peça de teoria feminista radical que também documenta os esforços da esquerda dominada por homens de recapturar o movimento feminista emergente do início dos anos 70. [13]

Se uma versão superficial, “estilo de vida” de feminismo consegue dar de ombros para a questão do racismo, também é verdade que feministas brancas mais “politizadas” ainda frequentemente se sentem vulneráveis à acusação de que “mulheres brancas de classe média” ou “feministas burguesas” são criaturas privilegiadas desprezíveis cuja opressão é insignificante ao lado da opressão de mulheres e homens negros, do terceiro mundo, ou da classe trabalhadora. Essa acusação, é claro, evita resolutamente o fato central da ginofobia masculina e violência contra todas as mulheres. [14] Também desvia energia para o jogo infrutífero e ridículo de “hierarquias de opressão”, que cheira a teologia medieval. Ceder a isso, num reflexo de culpa liberal, é embaçar e distorcer questões reais de diferenças entre mulheres e o tratamento seletivo de mulheres sob o patriarcado e o racismo.

O fato de que o “privilégio” de mulheres brancas ou de classe média tem sido um brinquedo letal tem sido reconhecido por algumas feministas negras há um bom tempo. [15] Tais autoras foram rápidas em perceber as formas imbecis e ofensivas que o “privilégio” feminino branco de classe média tem tomado: a “casa de boneca”, a infantilidade e o desamparo forçados impostos pela heterossexualidade institucionalizada e pelo casamento sobre mulheres perfeitamente competentes e inteligentes; os jogos degradantes que a mulher branca economicamente dependente teve que jogar de forma a comprar seus privilégios; as sanções morais e legais e teológicas usadas para impedi-la de exercitar iniciativa e julgamento. Se mulheres negras às viam a mulher branca de classe média com uma mistura de desprezo e inveja, elas também perceberam com angústia como a cultura negra de classe média tenta replicar a cultura branca bem-sucedida, inclusive a transformação de mulheres capazes e inteligentes em “animadoras de salão”.

A acusação de “racismo” lançada às mulheres brancas nos primeiros agrupamentos do movimento feminista independente foi uma acusação feita na mais obscena má-fé por homens brancos “radicais” (e por algumas mulheres Esquerdistas) contra o salto ousado de autodefinição necessário para criar uma análise feminista autônoma. Esse salto, como grupo após grupo, mulher após mulher, tem descoberto, frequentemente envolve sentimentos de extremo deslocamento, “loucura”, e terror. Para muitas feministas brancas, o uso manipulativo e cínico da acusação de “racismo” como uma barreira à organização feminista foi uma fonte amarga de desencantamento com a Esquerda dominada por homens (juntamente ao supremacismo masculino visível em ambos a Esquerda e nos homens do movimento negro). Isso correspondeu, para nós, às acusações que feministas negras tiveram que enfrentar de “fragmentar” o ativismo negro ou de “castrar” o homem negro. Em outras palavras, e ironicamente, quanto mais profundamente uma mulher consiga reconhecer e odiar o fato da opressão racista (e muitas das primeiras feministas independentes brancas entenderam suas realidades no movimento por direitos civis no Sul), tão mais vulnerável ela se sentia em sua luta para definir uma política que tomaria, de uma vez por todas, a posição das mulheres como central, e que conceberia a opressão das mulheres ambas como uma realidade política embutida em toda instituição e como uma metáfora penetrante que joga luz em todas as outras formas de dominação. Esses sentimentos, junto à necessidade de rejeitar a falsa culpa e a falsa responsabilidade pelo racismo estrutural da sociedade Estadunidense, talvez tenham evocado um tipo de afastamento de qualquer coisa que se assemelhe às demandas retóricas de que feministas brancas “lidemos com nosso racismo” como prioridade. Mas, obviamente, tais demandas têm um significativo diferente e imperativo quanto vêm em má-fé pelos lábios de homens brancos — ou negros — , cuja intenção é de descreditar políticas feministas, e quando são articuladas por feministas negras, que estão se mostrando, ao longo do tempo, incansáveis e persistentes em sua tentativa de alcançar mulheres brancas ao mesmo tempo em que se recusam a negar — ou a terem negado — um átomo de sua realidade negra.

Eu consigo facilmente compreender que quando mulheres negras olharam para o movimento feminista atual, particularmente como caricaturado na imprensa dominada por homens (ambos brancos e negros), e viram a cegueira e a ignorância quanto à experiência e às necessidades de mulheres negras, elas rotularam isso como “racismo”, indiferenciado do racismo endêmico no patriarcado. Mas eu espero que agora possamos começar a diferenciar e definir mais além, debruçando-nos sobre uma compreensão mais profunda da história de mulheres negras e brancas e sobre uma visão inflexível do próprio patriarcado.

III.

Foi apenas nos últimos cinquenta anos, e com muitas interrupções e obstáculos, que começamos a redescobrir e reavaliar a história das mulheres, sempre omitida, distorcida ou banalizada nos escritos de acadêmicos homens (e às vezes até mulheres token). O mero esforço de desafiar a misoginia e o heterocentrismo da academia e dos textos acadêmicos, de “incluir” mulheres no cânone histórico por si só, é ainda uma luta que está só no começo. Já em 1972, Gerda Lerner, uma historiadora feminista branca, publicou sua antologia documental, Black Women in White America [Mulheres Negras na América Branca]; no entanto, ignorância a respeito das lideranças políticas, redes comunitárias, arte, e trabalhos de sustento à comunidade de mulheres negras ainda pervade a maioria dos estudos e escritos sobre mulheres. Uma grande parcela de documentação política e social contemporânea se encontra na antologia de Toni Cade, The Black Woman, publicado em 1970, uma coleção de artigos que sinalizava as movimentações do feminismo negro ainda que algumas de suas autoras ainda estivessem amplamente preocupadas em questionar o papel das mulheres dentro do movimento nacionalista negro. Mas a polarização de mulheres brancas e negras na vida Estadunidense é claramente refletida num método histórico que, se não nos despreza a todas, ou nos categoriza vagamente sob a categoria de “espécie humana”, tem nos mantido em volumes separados, ou em artigos separados no mesmo volume.

Eu digo “polarização”; mas, como sempre sob as condições do patriarcado, precisamos olhar por debaixo do que é aparente em busca do que tem sido simultaneamente verdadeiro, apesar de não visto. Na psiquê dos mestres brancos (e de seus imitadores negros), a divisão da imagem feminina tem servido aos propósitos de ambas a dominação sexual e racial: deusa branca/diaba negra; virgem casta/crioula vadia; a boneca loira de olhos azuis/o exótico, “mulato” objeto de desejo sexual. A mulher loira, de olhos azuis, a “pura” dama sulista da era pré-guerra civil, também era tão propriedade masculina quanto é hoje. A brancura não impediu que mulheres fossem propriedades de homens; mas efetivamente conferiu um privilégio profundo que poderia iludi-la a respeito de seu status-objeto fundamental de mulher, despida de direitos e dominada.

As histórias que chegaram até nós pelas palavras de nossas tataravós escravas falam sobre gaiolas espalhadas por toda a Virgínia e Carolina do Sul onde “machos negros” eram obrigados a copular com servas contratadas (*4) vindas da Inglaterra.
Esse arranjo dava uma boa base para estabelecer escravos domésticos leais para cuidar do conforto físico e entretenimento do mestre e de sua família, uma vez que o mestre controlava as crianças de todas as uniões negras. Ele geralmente permitia a entrada dessas pessoas negras de pele mais clara na casa grande, e lentamente criava outra classe de escravos em adição aos escravos domésticos. Essa classe era baseada em cor assim como em hierarquia social. As crianças fruto da união do mestre com a escrava faziam parte dessa classe. Muitas desse grupo se tornaram animadoras de salão multilíngues e com educação formal. (…)
A escrava sutilmente transferia muito do seu sentimento de privação nessa sociedade patriarcal ao Deus protestante benigno provido pelos conquistadores para sustentar seu sistema. Imitar a “Senhorita Anne” dava algum conforto mas nenhuma verdadeira reflexão do valor humano, porque a mulher branca era uma mulher e toda mulher era uma ameaça ao domínio masculino. [16]

O “garanhão” forçado a estuprar a serva contratada branca. A história do linchamento, das leis antimiscigenação. A história da “união do mestre com” (leia-se intensos estupros de) escravas. A hierarquia de cor (loiro de olhos azuis, escravo doméstico de pele mais clara, “crioulo” escuro entendido como mais próximo ao animal do que ao humano). A serva branca estuprada pelo escravo, sob ordens. A senhora branca como responsável pelo entretenimento. A mulher branca de classe alta, presumidamente sem desejos sexuais. A hierarquia de escravos. A hierarquia entre mulheres brancas: jovem/bonita/apta ao casamento com um homem de futuro promissor; matrona/estéril; lixo pobre branco; serva contratada e parideira; vadia. Para qualquer mulher, a classe muda de acordo com a tonalidade da cor de pele, mas também com idade, casamento, ou solteirice, com centenas de fatores todos relacionados ao tipo de homem ao qual ela está — ou não — ligada. A classe é mitigada pela cor, então é reconstituída com contornos de cor. Estupro generalizado: no quarto do mestre, nas cabines de escravos, nos redutos de pessoas negras. Estupro marital, legal até hoje. Homens negros linchados pelo suposto estupro de mulheres brancas; mulheres brancas e negras (ainda que de forma diferente) vistas como incitadoras de estupro, vítimas culpadas; mulheres negras estupradas diariamente por homens negros, desamparadas.

Eu odeio a escravidão. Você diz que não há mais mulheres caídas em uma plantação do que em Londres, proporcionalmente em números; mas o que você diz sobre isso? Um magnata que administra um harém negro horroroso com seus frutos sob o mesmo teto de sua doce esposa branca e suas lindas e talentosas filhas? Ele empina o nariz e posa como o modelo de todas as virtudes humanas para essas pobres mulheres que lhes foram dadas por Deus e pela lei. (…) Sabe, a Sra. Stowe não acertou no ponto mais dolorido. Ela faz de Legree [seu marido] um homem solteiro.
[…] Suas esposa e filhas, em sua pureza e inocência, supostamente nem sonham com o que é evidente aos olhos como a luz solar. E elas performam o papel de anjos desavisados ao pé da letra. Elas professam adorar seu pai como o modelo de toda a bondade terrena. (Diário de Mary Boykin Chesnut, Agosto de 1861)

Os diários de Mary Chesnut são um estudo doloroso da consciência subdesenvolvida e instintiva de uma mulher branca sulista a respeito das conexões entre sexualidade e racismo sob a escravidão. Como algumas mulheres inteligentes de hoje, cujos escritos revelam um parcial, mas bloqueado, feminismo, ela parece ir e voltar, atormentada, vendo e articulando até um limite, enfim desamparada dentro das limitações de sua visão. Casada com um assessor de alta patente dos Confederados, ela é amarga com homens e mulheres igualmente. Seu ódio da escravidão vem diretamente da humilhação e da hipocrisia que inflige às mulheres brancas, que ela também vê como colaboradoras em uma obscena charada patriarcal. Se sua vida e a vida da mulher negra no leilão se conectam de alguma forma, para ela, é apenas em lampejos de consciência, nunca numa visão coerente. Para ela, a mulher negra permanece a Outra.

Eu odeio a escravidão. Eu odeio até a autoridade dura que eu vejo pais e mães pensarem que é seu trabalho exercer sobre suas crianças. [Ela não menciona a autoridade do marido sobre a esposa.]
(…) Eu tenho diante de mim uma carta que escrevi ao Sr. Chesnut enquanto ele estava em nossa plantação no Mississippi em 1842. É o documento abolicionista mais fervoroso que eu já li. Eu me deparei com ela enquanto queimava cartas n’outro dia, mas essa carta eu não queimei. (…)
Sim, como eu invejo aquelas santas mulheres Yankee, em suas limpas e frescas casas na Nova Inglaterra, escrevendo livros para enriquecer e nos culpar. O dinheiro que elas ganham fica para elas. Aqui, todo centavo vai para pagar a fábrica que fornece para a plantação. (Diário de Mary Boykin Chesnut, Novembro de 1861.)

Atacando a mulher abolicionista nortista; se debatendo de novo e de novo em sua gaiola de conhecimento amargo, desprezo, defensividade, consciência do conluio: a mulher branca sulista, parte e parcela de um emaranhado econômico, racial e sexual que ela não criara.

E o emaranhado agarrava ambas mulheres negras e brancas no coração de sua existência de mulher. Linda Brent dá uma descrição detalhada da concentração doentia de energia mental na divisão mulher branca/mulher negra numa casa em que o mestre perseguia obsessivamente seu objetivo de tornar a jovem negra sua concubina:

Não importava que a menina escrava fosse preta como ébano ou clara como sua senhora. Em todo caso, não há nem sombra de lei que a proteja do insulto, da violência, até da morte. (…) A senhora, que deveria proteger a vítima desamparada, não lhe direciona outros sentimentos que não ciúme e raiva. (…)
Até a criancinha, que está acostumada a esperar por sua senhora e as crianças dela, vai aprender, antes de fazer doze anos, por que é que sua senhora odeia aquela e aquela outra dentre as escravas. Talvez a própria mãe da criança estivesse dentre essas odiadas. Ela escuta surtos violentos de paixão ciumenta, e não consegue entender a causa (…). [19]

Sobre sua senhora, que a examinou quanto ao que realmente havia acontecido, Linda Brent nota que “ela sentia que seus votos nupciais foram profanados, sua dignidade insultada; mas ela não tinha compaixão pela pobre vítima da perfídia de seu marido (…) eu era um objeto de seu ciúme, e, consequentemente, de seu ódio”. Ela descreve a Sra. Flint como uma mulher que “não tinha força suficiente para fiscalizar os afazeres domésticos; mas seus nervos eram tão fortes, que ela poderia sentar em sua cadeira de balanços e ver uma mulher ser chicoteada, até que o sangue gotejasse com cada batida do chicote” [20]. Brutalidade era a ordem do dia nessa casa, limitada principalmente pelo medo de escândalos na comunidade.

Se a mulher branca casada tivesse qualquer status ou identidade, era por conta de sua condição de esposa e de mãe (apesar de suas crianças serem de propriedade do pai). Ainda assim, ela era forçada a um ciúme impotente de mulheres negras enquanto objetos sexuais preferidos de seu marido e enquanto mães-substitutas para suas crianças. As fontes de seu valor enquanto mulher, definido patriarcalmente, estavam constantemente em cheque não importa qual fosse a altura de seu “pedestal”. Nessa situação intolerável porém cotidiana, vemos as raízes de uma presunção ulterior prevalente entre mulheres brancas, de que a mulher negra era por natureza imoral e lasciva. Não importa quanto a escrava possa lutar para fugir de seu próprio estupro, ela era definida como a vítima culpada, o bode expiatório admissível para a raiva da esposa de seu estuprador. E quando suas crianças se pareciam com seu estuprador de forma óbvia demais, elas podiam ser vendidas para longe por serem uma vergonha ou uma exacerbação do desgosto conjugal entre a esposa branca e o patriarca branco.

Deslealdade à civilização: mais uma imagem do século XIX. Em um artigo sobre as origens femininas do jazz, a socióloga Susan Cavin escreve a partir de relatos sobre as “rainhas Voodoo” de Nova Orleans, em cujos cultos e congregações elementos musicais Africanos e Europeus começaram a se fundir pela primeira vez. Apesar de uma lei contra “a junção de mulheres brancas e escravos”, a experiência comunal e extasiante das cerimônias de voodoo era compartilhada por mulheres brancas e negras, sob a tutela e autoridade da “mamaloi” ou rainha vodum negra, em um culto do qual “mulheres parecem (…) ter composto pelo menos 80% das cultistas, e era sempre a mulher da raça branca que entrava na seita (…)”. As origens do vodum eram do Reino de Daomé, de uma cultura carregada de poder feminino. Os jornais descreviam as danças das mulheres como “indecentes e orgiásticas”; em 1895 uma prisão em um “cortiço dilapidado” foi retratada no vocabulário de nojo e pudor sexual Vitoriano e racista:

As mulheres, tendo tirado seu vestuário cotidiano, haviam colocado camisolas brancas (…) Brancas e negras andavam em círculos promiscuamente, contorcendo-se (…), ofegando, delirando e espumando pela boca. Mas o aspecto mais degradante e infâmio dessa cena era a presença de um grande número de damas (?) que circulam pelas mais altas classes da sociedade, ricas e portanto respeitáveis, que foram pegas nesse arrastão. [21]

Essas mulheres indubitavelmente teriam chocado e horrorizado a pastora branca descrita por Lillian Smith, que, em 1930, organizou a Associação de Mulheres Sulistas para a Prevenção de Linchamentos:

As mulheres insurrecionistas se reuniram em uma de nossas cidades sulistas. (…) Elas disseram calmamente que elas não tinham medo de serem estupradas; quanto à sua sacralidade, elas podiam tomar conta disso elas mesmas; elas não precisavam do cavalheirismo de um linchamento para se protegerem e não o queriam. Não apenas isso, (…) elas pessoalmente fariam tudo em seu poder para impedir que qualquer Negro fosse linchado e, mais do que isso, elas rangiam bravamente, elas tinham bastante poder.
Elas tinham mais do que sabiam. Elas tinham o poder de chantagem espiritual sobre uma grande parte do Sul. (…) Nenhum, de milhares de homens brancos, tinha alguma noção do quanto cada mulher sabia sobre seus assuntos privados. [22]

Há muitas formas de deslealdade à civilização.

IV.

As imagens que temos umas das outras. A complementariedade que se desenvolveu entre muitas mulheres brancas e as mulheres negras que “lidavam” com elas enquanto escravizadas ou trabalhadoras sub-remuneradas em suas casas, uma complementariedade muito frequentemente definida pela infantilização da mulher branca. Os “privilégios” de mulheres brancas casadas economicamente dependentes tradicionalmente demandavam, como seu preço, um desamparo “feminino” forçado, ociosidade, negação de competência e de força física, e o tipo de meninice retratado por Ibsen no primeiro ato de “Casa de Bonecas”. Uma mulher com “privilégio” branco de classe média (acesso a recursos, alguma educação, mobilidade, confortos físicos, etc.) deveria ser mantida afastada do poder real pelas normas debilitantes da “feminilidade” (assim como por propriedade e outras leis). Essa “feminilidade” (ou infantilismo), apesar de definida por requisitos masculinos, era vivenciada não só em contraste com homens, mas com mulheres negras. Enquanto a trabalhadora doméstica negra, lavava, passava, cozinhava, limpava chãos, polia prata, tomava conta das crianças da mulher branca, ela também podia — e, eu suspeito, de fato fazia — se tornar um receptáculo das fantasias da mulher branca de ser maternada — mesmo quando as duas fossem da mesma idade; e, se a mulher branca na infância tivesse sido cuidada por uma mulher negra, a transferência seria bem fácil. Mas o que isso significava é que o poder relativo disponível à mulher branca de classe média nunca era realmente aproveitado, seja em prol de si própria, seja em prol da mulher negra que, mais ironicamente, era forçada a materializar a força, a competência, e a estabilidade emocional feminina em muitos lares brancos. “Privilégio” para a mulher branca incluía o privilégio de se despedaçar — na forma de hipocondria socialmente encorajada, retiros, surtos — especialmente onde se podia contar com uma mulher negra para manter a casa funcionando e no lugar. [23] Enquanto isso, as forças física e emocional que as mulheres negras desenvolveram e transmitiram umas às outras na luta pela sobrevivência foram mantidas completamente desconexas de qualquer acesso a poder econômico ou social. [24]

As imagens que temos umas das outras. Como mulheres negras e brancas se movem como mitos por entre as fantasias umas das outras, mitos criados pela psiquê masculina branca, incluindo suas ideais perversas de beleza. [25] Como tenho eu entregue minha própria sexualidade, meu senso de mim mesma enquanto desviante, a mulheres negras, isso sem falar da minha própria magia, minha própria raiva? Que ilusões ainda ancoramos, do poder de Amazona ou de incompetência de nós ou umas das outras, glamour ou deficiência, “feia-esperta” ou descolada-inteligente, como interpretamos a mãe ou a filha, como usamos umas às outras para impedir que toquemos nosso próprio poder? (Frances Dana Cage, descrevendo o efeito do discurso “E eu não sou uma mulher?” de Sojourner Truth: “ela havia nos levantado em seus braços fortes e nos carregado com segurança através do pântano da dificuldade, virando toda a maré em nosso favor.” Poderosa mãe negra de todas nós, a mulher mais politicamente impotente daquele quarto: ela havia nos levantado em seus braços fortes.) Que caricaturas de fragilidade lívida e sensualidade fervente ainda estão impressas em nossas psiquês, e onde recebemos essas impressões? O que aconteceu entre as várias milhares de mulheres brancas nortistas e mulheres negras sulistas que juntas ensinavam nas escolas fundadas sob a Reconstrução pela Agência de Libertos, lado a lado enfrentando o assédio do Ku Klux Klan, o terrorismo, e a hostilidade de comunidades brancas? [26] Como estimar as perdas incorridas quando as organizações de mulheres brancas, na virada do século, excluíram mulheres negras, mantiveram-nas em unidades separadas da Women’s Christian Temperance Union [União Feminina de Temperança Cristã] e da Young Women’s Christian Association [Associação Cristã das Mulheres Jovens] — “com fundamento na imoralidade dessas mulheres” (divisão e conquista); como analisar as feridas sexuais, a identificação com homens, que fazia com que mulheres brancas protestassem contra linchamentos mas ainda assim atribuíssem “baixos padrões morais” a mulheres negras — ambas as ex-escravas pobres e as mulheres de classe média com educação formal como elas próprias? Como as antigas feridas sexuais entre mulheres negras e brancas foram abertas mais uma vez no movimento por direitos civis dos anos 60? Como o homem branco, como o homem negro esperou pelos ganhos de opor branca vagabunda contra crioula vadia, “mina amarela” contra negra?

Ensinada a negar meus anseios por outro corpo feminino, ensinada que pele escura era um estigma, uma vergonha, eu olho para você e vejo que sua pele é linda; diferente da minha, mas não mais um tabu para mim. Independente de escolhermos fazer algo a respeito disso ou não (e qualquer que seja a dor que possamos explorar ao tocarmos uma à outra), se nós duas tivermos esse conhecimento, se minha pele é linda para você e a sua para mim, porque pertence a nós, em afirmação de nossos poderes semelhantes e diferentes, em afirmação de cicatrizes, estrias, linhas de expressão, a mente que queima em cada corpo, nós reivindicamos a nós mesmas e uma à outra para além do tabu patriarcal mais extremo. Nós levantamos uma à outra em nossos braços fortes. Nós não infantilizamos uma à outra; nós nos recusamos a sermos infantilizadas. Nós brindamos às diferenças uma da outra. Nós começamos a fundir nossos poderes.

V.

Racismo. Dominação ativa: escravização. Chibatadas. Estupro. Linchamento: não só de mulheres mas também de mulheres grávidas. [27] Queima de corpos vivos, de casas, de ônibus, de cruzes em frente a casas. Bombardeamento de igrejas. Segregação forçada: no abrigo, na alimentação, nos banheiros e bebedouros, em igrejas e salas de aula. Leis antimiscigenação. Violência institucional: o Departamento de Serviço Social. O sistema público de ensino. O sistema de prisão e de liberdade provisória. O controle da informação e das comunicações. O mito da Primeira Emenda (*5). O teste de “Q.I.”. Esterilização compulsória. Justificativa: mitologizando; desumanização por meio da linguagem; fragmentação (a exceção tokenizada para “provar” a regra).

Colaboração passiva: cegueira de neve (*6). Solipsismo branco: pensar, imaginar, e falar como se a branquitude descrevesse o mundo. Má percepção mítica: Tia Nastácia, super-mulher, Amazona Negra, seus seios como torres; sensual, astuta (onde recebemos essas impressões?). Fragmentação direcionada ao macho: eu sou feia se você for bonita; você é bonita se eu for feia. (A referência sempre sendo, não para mim nem para você mas para o homem — branco ou negro — que nos julgará, que encontrará uma de nós querendo). Ginofobia internalizada: se eu me desprezo como mulher eu devo te desprezar ainda mais, porque você é minha parte rejeitada, meu anti-eu.

Seu corpo ou o meu, dependendo do bairro: esticado, rua acima, o ponto de metrô, bairro nobre ou centro, vodca ou uísque, em veludo ou cetim, senhora ou concubina, negra ou branca, lábios curvados ou fazendo beicinho que nem boneca. Xoxota preta, bunda branca, castradora, rodada, ninfomaníaca, gorda nojenta, vadia imprestável, limpa-porra, esmaga-bolas, escrota.

VI.

Eu costumava invejar o “daltonismo” que algumas pessoas brancas liberais, iluminadas supostamente possuíam; tendo sido criada como eu fui, onde eu fui, eu sou e serei pelo resto da minha vida, intensa, dolorosa e às vezes amargamente consciente da dor. Todo adulto ao meu redor na minha infância, negro ou branco, tinha consciência disso; era uma consciência estrangeira, um segredo abafado e irresistível. Mas eu não acredito mais que o “daltonismo” — se é que ele existe — seja o oposto de racismo; eu acho que é, nesse mundo, uma forma de inocência e de estupidez moral. Ele implica que eu olharia para uma mulher negra e a veria como branca, engajando no solipsismo branco em direção ao total apagamento de sua realidade específica. Mas ao me distanciar mais e mais da visão de mundo em que eu nasci, outra coisa aconteceu: eu comecei a enxergar mulheres como mulheres. Eu comecei a ver aquilo que as separações de classe, raça e idade não queriam que eu visse; mas, acima de tudo, aquilo que a fragmentação patriarcal não pretendia que eu visse, ou que nós víssemos umas nas outras. Que nós somos diferentes, que somos semelhantes; que temos estado juntas por milagre e contra a lei; que fomos desconectadas pela violência; que ainda tememos e desconfiamos umas das outras; que nós ansiamos e somos necessárias umas às outras; que comprometer-se fundamentalmente com mulheres é quebrar o tabu fundamental, pelo qual frequentemente seguimos pagando por meio de autopunição assim como por meio das penalidades impostas às quebradoras de tabu.

VII.

Se feministas negras e brancas vão falar sobre responsabilização feminina, acredito que a palavra racismo deve ser apreendida, agarrada em nossas mãos nuas, arrancada da consciência defensiva ou estéril em que tão frequentemente cresce, e transplantada de forma que possa render novos insights para nossas vidas e nosso movimento. Uma análise que coloca em mulheres brancas a culpa pela dominação ativa, pelas violências física e institucional, e pelas justificativas embutidas nos mitos e na linguagem não só compõe uma falsa consciência; ela permite que nós neguemos ou negligenciemos as conexões carregadas entre mulheres negras e brancas a partir das condições históricas da escravidão em diante; e impede qualquer discussão real da instrumentalidade das mulheres em um sistema que oprime todas as mulheres, e no qual o ódio por mulheres também está embutido nos mitos, no folclore, e na linguagem. [28]

Há um peso morto que pode ser sentido em muitas discussões sobre racismo no movimento feminista branco, um cheiro bolorento e sufocante, a presença de culpa e de auto-ódio. Eu acredito que feministas negras reconheçam a inutilidade, a estagnação, dessas emoções. As feministas negras que têm afirmado que “a política sexual no patriarcado é tão difusa nas vidas das mulheres negras quanto as políticas de raça e classe” [29] têm tido, cada uma, que examinar e descartar uma grande parcela de culpa feminina e auto-ódio de suas partes para fazer tal declaração.

Responsabilidade pela instrumentalidade — responsabilização — é uma questão profunda e contínua. Mary Daly, em Gyn/Ecology, implacavelmente descreve como na África e na Ásia — não somente na cultura branca ocidental — mulheres foram transformadas em “torturadoras token” para outras mulheres. Cada cultura ensina mulheres requisitos específicos para a “sobrevivência” (que pode ser meramente uma morte vivida) — demonstrações de lealdade à civilização patriarcal. Um desses requisitos tem sido a transmissão de geração e geração de uma [tradição de] mutilação preservada porque não parecia haver outra escolha (apesar de sabermos que mães têm ensinado subversão e rebelião às suas filhas assim como lealdade ao patriarcado). Quando, em uma hierarquia opressiva, mulheres são treinadas e recebem acesso apenas para certas posições “serviçais” (mãe, enfermeira, professora, assistente social, funcionária de creche — papéis mal pagos e sentimentalizados), são mulheres no comando que se percebem enfrentando, na presença de pessoas reais (crianças, pessoas assistidas pelo serviço social, pessoas adoecidas, pessoas idosas), as consequências da crueldade e da indiferença de homens poderosos que controlam as profissões e instituições. A mulheres é que cabe absorver a raiva, a fome, as necessidades não preenchidas, a dor física e psíquica das vidas humanas que se tornam estatísticas e abstrações nas mãos de cientistas sociais, oficiais do governo, administradores; ou material poético, nas mãos de “acadêmicos humanistas”, que (como o recém-canonizado Robert Coles) [30] vampirizam as vidas das pessoas oprimidas.

Muitas mulheres assim não são particularmente politizadas; elas estão mantendo o tipo de trabalho para o qual lhes disseram que elas eram aptas; elas são subremuneradas ou não remuneradas, e, se elas criarem caso com seus clientes, são geralmente demitidas. Muitas têm de fato heroicamente tentado subverter “o sistema” de formas grandes ou pequenas; muitas outras sofrem os danos inerentes a todo treinamento profissional. Sua instrumentalidade é uma consequência da forma como elas, como mulheres, têm sido “rastreadas” ou escolhidas para um tipo de trabalho mas não para os outros; um indicativo dos grandes distanciamentos em seu treinamento, as mentiras que lhes foram ensinadas, como elas aprenderam a engolir dissidências para passar, para se formar, para conseguir um emprego, para mantê-lo. Racismo, misoginia, são da própria textura dessas profissões; o supremacismo masculino branco é o fio com o qual elas são tecidas. Mas uma criança negra de primeira série, ou a mãe dessa criança, ou um paciente negro no hospital, ou uma família no serviço social, pode vivenciar o racismo mais diretamente na pessoa da mulher branca, que figura nessas profissões “de serviço” por meio das quais a sociedade supremacista masculina branca controla a mãe, a criança, a família, e todas e todos nós. O racismo é dela, sim, mas um racismo aprendido na mesma escola patriarcal que a ensinou que mulheres são desimportantes ou desiguais, às quais não se pode confiar poder; onde ela aprendeu a temer e a desconfiar de seus próprios impulsos por rebelião: a se tornar um instrumento. A questão de responsabilização permanece viva, não obstante; já que algumas mulheres em profissões “de serviço” encontram formas de serem menos instrumentais, mais desleais à civilização, do que outras.

Mas e quanto a mulheres que se consideram politizadas, como as feministas? E quanto àquelas de nós que, como feministas, têm se perguntado junto a Virginia Woolf:

(…) Que nunca paremos de pensar, — o que é essa “civilização” em que nos encontramos? O que são essas cerimônias e por que devemos tomar parte nelas? O que são essas profissões e por que deveríamos fazer dinheiro com elas? Aonde ela está nos levando, essa procissão dos filhos de homens escolarizados? [31]

O conceito de racismo em si é frequentemente intelectualizado por feministas brancas. Para algumas, uma menção obrigatória e consciente de “racismo-e-classismo” permite presumir que diferenças qualitativas profundas nas experiências femininas foram levadas em consideração, onde, na verdade, à análise intelectual foi confiado fazer o trabalho da apreensão emocional, algo que ela não pode fazer. (Todas reconhecemos esse fenômeno quando se trata de análises masculinas de sexismo.) É possível fazer reverência à existência abstrata do racismo, até para trabalhar politicamente em questões de preocupação imediata para mulheres negras e do Terceiro Mundo, como esterilizações exageradas, a partir de uma retidão intelectual que na verdade nos distancia do ponto em que mulheres negras e brancas devem começar juntas. Por mais de uma vez eu já senti raiva da linguagem abstratamente “correta” empunhada por autoproclamadas feministas políticas: uma linguagem, me pareceu, que nascia de uma análise aprendida ao invés de nascer da síntese entre reflexão e sentimento, embates pessoais e pensamento crítico, que estão no coração do processo feminista. Minha raiva foi provocada em parte pelo efeito distanciante de tal retórica, que me deixa sentindo sem contato com algum centro vital que eu preciso vivenciar para não me sentir impotente. Mas foi — e é — também raiva à redução a uma fórmula dos movimentos e gestos ainda inexplorados, dos silêncios e diálogos entre mulheres — nesse caso, entre mulheres negras e brancas.

(Ainda assim, também eu já fiz isso: pronunciei a palavra “racismo” enquanto retinha meu corpo e minha alma da realidade que tal palavra poderia me evocar, se eu deixasse: a experiência cheia de camadas de metade de uma vida, vivida em ambiguidade e visão duplicada, visão periférica, memórias varridas para debaixo do tapete.)

Racismo. O próprio som da palavra: curto, cortante, convenientemente feio: quão fácil falar se você é branca, sentindo que a justiça foi feita às realidades que ela representa. Mas também pode mascarar tais realidades. Carregada como é — “isso é racista” arremessado a um grupo de mulheres: raiva, lágrimas, negação, réplica, as conversas que se seguem — carregada como é, é ao mesmo tempo mecanizada, como qualquer abstração: um botão que podemos apertar, se somos brancas, e seguir vivendo como sempre.

Temos que seguir usando a palavra, entretanto. Quando eu comecei a escrever esse artigo eu queria aniquilá-la; eu pensava que ela carregava um fardo demasiado vergonhoso por um lado e pura abstração por outro, para nos ser útil. Eu pensava em tentar reivindicar outra linguagem em que descrever, especificamente, o problema da mulher branca ao encontrar a mulher negra; as diferenças que têm dividido mulheres brancas e negras; a nomeação incorreta ou negação dessas diferenças na vida cotidiana. Mas estou convencida de que devemos seguir usando essa palavra sibilante e afiada; não para nos paralisarmos a nós mesmas e umas às outras com doses repetitivas e estagnantes de culpa, mas para quebrá-la em seus elementos, compreendê-la como uma experiência feminina, e também para compreender suas conexões inerentes com a ginofobia. Nossa aposta, ao fazer essas conexões, não é pela justiça abstrata; é por integridade e sobrevivência.

Uma das utilidades do passado é sua distância segura: quero dizer, porque nós sentimos alguma ausência de conexão com ele, podemos nos permitir perceber na história formas de comportamento que continuam no presente e que ainda afligem nossas ações. O livro de Frances Kemble “A journal of a residence on a georgian plantation” é um exemplo do caso em questão. Eu já havia ouvido falar do livro como o trabalho de uma mulher inglesa, casada com senhor de escravos, que se se chocou com a instituição da escravidão e que cujas convicções levaram ao fim de seu casamento e a perda de suas crianças. Lê-lo é vivenciar o impacto total de clichês e linguagens racistas embutidas em uma denúncia incansável e apaixonada da instituição da escravidão. Pessoas negras são “seres humanos infantis e de boa natureza, cuja condição mental é semelhante em sua simplicidade e tendência à emoção impulsiva” àquela de crianças brancas; as características de homens negros adultos e de mulheres negras adultas são “desagradáveis” e “feias”, apesar de “eu ter visto muitos bebês nessa plantação que eram tão bonitos quanto crianças brancas”; pessoas negras são “sujas de fuligem” com “molares impressionantes”, seus olhos e dentes brilham no escuro, etc, etc. Ainda assim, suas percepções das atuações da instituição são politicamente incisivas, assim como seus comentários sobre os rurais da Geórgia ou os brancos pobres: “Ao crime da escravidão, apesar de eles não lucrarem com isso, eles são poderosamente acessórios, porque é a barreira que divide as raças branca e negra, aos pés da qual eles jazem numa degradação indescritível, mas imensamente orgulhosos da liberdade de base que ainda os separa dos lavradores movidos por chicotes”.

Ou, observando a auto-parabenização de sulistas quanto ao “grau de licença com que eles caprichosamente permitem que seus escravos favoritos ocasionalmente carreguem suas familiaridades”, ela nota: “é apenas a degradação dos muitos que admite esse favoritismo de poucos — um sistema de favoritismo que, como é perfeitamente consistente com os mais profundos desprezo e injustiça, degrada seu objeto tanto, apesar de oprimi-lo menos, quanto a crueldade praticada sobre seus semelhantes”. [32]

Eu senti que ler Fanny Kemble foi uma experiência iluminadora; porque ela sabia o que era racismo, analisando com sensibilidade seus efeitos sobre a moral e a psiquê das pessoas negras no norte, ao mesmo tempo em que inconsciente do quanto sua própria linguagem refletia sua persistente fidelidade à cultura racista branca. É precisamente sua inteligência e profundidade de sentimento, a autenticidade de suas raiva e dor, que de forma não intencional, evidenciam as formas de racismo que ela não explorou ou abrangeu em sua defesa das pessoas negras e em sua denúncia da escravidão. [33]

VIII.

O racismo é frequentemente aludido como se fosse monolítico ou uniforme; na verdade, ele tem muitas formas. Enquanto mulheres, temos que desenvolver uma linguagem em que descrever as formas que diretamente afetam nossas relações umas com as outras. Eu acredito que feministas brancas hoje, criadas brancas em uma sociedade racista, são cheias de solipsismo branco — não a crença conscientemente defendida de que uma raça é inerentemente superior a todas as outras, mas uma visão afunilada que simplesmente não vê a experiência ou existência não-branca como preciosa ou significante, a não ser em reflexos de culpa espasmódicos e impotentes, que têm pouco ou nenhuma força contínua a lingo prazo ou utilidade política. Eu também acredito que somos cheias de percepções tortas e míticas de mulheres negras e outras mulheres racializadas, e que essas má percepções prosperaram no solo combinado de racismo e ginofobia, a subjetividade do patriarcado. Ao escolher examinar o racismo feminino a partir de uma perspectiva feminista, posso perceber com mais precisão o solipsismo branco que me rodeia e que eu parcialmente internalizei e ajudei a perpetuar; as percepções tortas e místicas que tenho mantido, primeiro sobre mulheres negras mas também sobre outras mulheres que me pareciam ter algum tipo de acesso especial à verdade, mágica, e poder transformador, algum tipo de direito a levar suas condições a sério, que eu negava a mim mesma.

Também me parece que sentimentos de culpa — tão facilmente provocados em mulheres que eles se tornaram quase que uma forma de controle social — também pode se tornar uma forma de solipsismo, uma preocupação com nossos sentimentos que nos impede de nos conectarmos com as experiências de outras pessoas. Sentimentos de culpa paralisam, mas a paralisia pode se tornar um meio conveniente de continuar sendo passiva e instrumental. Se eu não consigo nem te abordar porque eu sinto tanta culpa direcionada a você, eu nunca nem preciso ouvir o que você tem a dizer; eu nunca nem preciso arriscar encontrar uma causa em comum com você enquanto duas mulheres com escolhas sobre como podemos existir e agir. A responsabilização pode começar com um esforço sério de separar, de nosso reconhecimento honesto de nossa instrumentabilidade do passado, as vertentes de auto-ódio feminino patriarcalmente induzido; um reconhecimento que não é mera auto-acusação, e que é verdadeiramente histórica e útil.

Feministas brancas não vão transcender o passado por meio da “inclusão” cuidadosa de uma ou mais mulheres negras e nossos projetos e sonhos; nem por meio da responsabilização falsa de um “outro” obscuro, a Mulher Negra, o Mito. A transcendência real — e o uso — do passado demanda um trabalho mais difícil. Mas também traz à baila aquele pára-raios condutor entre mulheres que eu entendo como pulsante no coração do lesbo/feminismo: o amor vivenciado como identificação, como ternura, com memória e visão empáticas, como apreciação talvez de alguns pequenos detalhes, por exemplo como essa senhora usa seu chapéu ou como aquela garotinha corre rua abaixo — um erotismo não-exploratório e não-possessivo, que pode atravessar barreiras de idade e de condição; o sentir dentro da pele de outrem, ainda que na apreensão de um momento, contra a censura, a negação, as mentiras e as leis da civilização.

(Para afastar qualquer sugestão de que eu estou oferecendo a identificação com mulheres como uma simples solução, permita-me dizer aqui que eu acredito que o amor, a integridade e a sobrevivência todos dependem, em face à nossa história como parte do racismo Estadunidense, da persistente questão: como mulheres negras e brancas vão nomear, fundar, criar justiça entre nós? Porque até ao fazer amor nós podemos, e frequentemente o fazemos, perpetuar injustiça.)

Se então começarmos a reconhecer o que a separação de mulheres negras e brancas significa, deve ficar claro que significa separação de nós mesmas. Para que mulheres brancas rompam o silêncio sobre nosso passado significa romper o silêncio sobre o que a política da cor de pele, da política sexual e da mitologia masculinas brancas e negras têm significado para nós, e ouvir de perto conforme mulheres negras nos contam o que isso tem significado para elas. Por que, por exemplo, deveríamos nos sentir mais estranhas à literatura e às vidas de mulheres negras, do que a séculos da literatura e da história de homens brancos? Qual dessas duas culturas — negra e feminina, ou branca e masculina — é mais vital que conheçamos conforme nos esforçamos para reivindicar uma visão feminina da realidade? Não podemos esperar definir uma cultura feminista, uma visão ginocentrada, em termos racistas, porque uma parte de nós mesmas permanecerá eternamente desconhecida para nós.

Os últimos dez anos de escritos e falas feministas, dizendo nossas palavras ou tentando, têm nos mostrado que são as realidades que a civilização nos disse que são desimportantes, regressivas ou indizíveis que provam nossos recursos mais essenciais. Raiva feminina. Amor entre mulheres. A trágica e potente ligação entre mãe e filha. O fato de que uma mulher possa se regozijar por criar com seu cérebro e não com seu útero. As atualidades da maternidade lésbica. A sexualidade de mulheres mais velhas. As conexões — dolorosas, indiretas, e frequentemente amargas — entre mulheres negras e brancas, incluindo vergonha, manipulação, traição, hipocrisia, inveja, e amor. Se aprendemos qualquer coisa em nossa chegada à linguagem a partir do silêncio, é que o que tem sido mantido não-dito, portanto indizível, em nós é o que é mais ameaçador à ordem patriarcal em que homens controlam, primeiro mulheres, depois todos que possam ser definidos e explorados como “outros”. Todo silêncio tem um significado.

IX.

Levar nossa condição a sério: mulheres negras assim como mulheres brancas sabem que a opressão mais prontamente reconhecida por ambas pessoas negras e brancas nos Estados Unidos — até por aquelas que justificam e praticam racismo — é a opressão de raça e/ou de classe. Afirmar o ódio às mulheres como um fato da vida constante em ambas a comunidade negra e enquanto um fato das vidas de mulheres brancas tem significado, para ambas feministas brancas e negras, dar um corajoso e imenso passo além de posições políticas passadas, antigas análises de poder e de impotência. A rejeição ou o atraso das “questões femininas” (como se as “questões femininas” não fossem questões humanas centrais”) por parte de grupos “radicais” e “revolucionários” é parte da psicologia de massa do supremacismo masculino; que mulheres tenham aceitado pra começo de conversa é uma medida da auto-negação com que fomos doutrinadas. É a mesma auto-negação que permitiu que tenhamos permanecido sem protestar contra a náusea espiritual induzida em nós por piadas sobre loiras, sogras, mulheres gordas, “caminhoneiras”, prostitutas; pela pornografia; pelas notícias diárias de violência masculina contra mulheres; pelo nosso conhecimento de que os homens que nutrimos, apoiamos, e investimos tempo não são nossos equivalentes espirituais e emocionais, e que nossa subjetividade, nossa própria mulheridade, é desprezível ou apavorante para eles. A raiva e a dor despertadas em nós por linguagem, imagens, atos que difamam e destroem mulheres tomaram três formas: compaixão (por nossos estupradores e violentadores, não umas pelas outras); negação e risadas (homens são assim mesmo; é importante ter senso de humor); ou a velha e embaraçada raiva de mulher vs. mulher. Permitir a nós mesmas reconhecer a profundidade do ódio às mulheres encontrado, tolerado, e justificado na vida cotidiana é assustador; e ainda assim, lá no fundo, nós todas o conhecemos, e eu acredito que conforme esse medo se torna mais consciente, ele se torna também mais saudável. Dor não analisada nos leva à apatia, à subserviência, ou a surtos de violência aleatórios ou ineficazes. Enquanto indivíduos separados, mulheres raramente têm estado na posição de usar nossas dor e raiva como força criativa em prol de mudança. A maioria das mulheres sequer já conseguiu tocar essa raiva, exceto para empurrá-la mais para dentro.

Dentro dos limites do que eu consigo imaginar o que é ser uma mulher negra, uma feminista negra, consigo me imaginar carregando certo medo dentro de mim: de que feministas brancas, e outras mulheres brancas que “mudaram suas vidas” à luz do movimento feminista, talvez ainda tenham a capacidade de iludirem a si mesmas com alguma forma de acordo de inclusão no patriarcado, na ordem masculina branca. Que elas (nós) não acreditariam emocionalmente no que elas (nós) professam intelectualmente quanto à necessidade de um fim ao patriarcado. Que seu (nosso) conhecimento genético e físico falharia em subir como uma náusea de aviso onde tratamentos seletivos de mulheres oferecem dinheiro, prêmios, “libertação enquanto estilo de vida”, soluções pessoais, a poucas — e, dessas poucas, a uma maioria branca. Que elas (nós) não reconheceriam as formas de suicídio que praticamos no passado, sob seus novos disfarces. (A Primeira Mulher a ser Clonada? A Primeira Secretária de Estado Lésbica? A Primeira Mãe na Lua?) Que, incapazes de ou indispostas a compreender a destrutividade do racismo conforme vivido por pessoas negras, elas (nós) também falharão em reconhecer a violência da ginofobia conforme vividas por elas (nós).

Mas isso, é claro, não é um pesadelo exclusivo de feministas negras.

As contradições, os tabus, da diferença. Nos disseram: Aquela carne, mais escura ou mais clara que a sua, encerra uma terra estrangeira. Você não pode conhecê-la. Ela fala outra língua, é um território alienígena: a alteridade. Ao mesmo tempo, nos disseram: você não pode encontrar completude com alguém cujo corpo é formado como o seu, alguém que, como você, apenas tem um clitóris, apenas tem uma vulva, alguém que, como você, está num estado de falta. Você deve buscar o Oposto, o Outro, Ele cuja diferença de você significa poder, significa maestria. Sem Ele você é impotente, inacabada. Com ela vocês podem apenas ser duas metades, desequilibradas, mutiladas, desprezíveis.

Mas em você eu busco ambas a diferença e a identidade. Ambas de nós sabemos que mulheres não são idênticas: o movimento de sua mente; o pulso de seu orgasmo; as figuras em seus sonhos; as armas que você recebeu de suas mães, ou teve que inventar; o alcance de suas fomes — não consigo intuir só porque ambas somos mulheres. E, ainda assim, há tanto que posso saber. O que me parou bruscamente, o que funde minha raiva agora, é que nos disseram que somos totalmente diferentes, que a diferença entre nós deve ser tudo, deve ser determinante, que a partir dessa diferença devemos, cada uma, ir embora; que também devemos fugir de nossa semelhança.

Enquanto lésbica/feminista, o que a subserviência passiva a essas ordens significa para mim, mas com as quais eu passivamente consinto para permanecer um instrumento de homens, que têm sempre lucrado com a escravidão, o imperialismo, a heterossexualidade e a maternidade compulsórias, a prostituição e a pornografia organizadas, e a separação de mulheres umas das outras? O que a obediência a essas ordens significa, mas que minha identificação com mulheres é mera “preferência sexual”, meu eu erótico ainda distorcido e constrangido?

Conforme eu impulsiono minha mão mais fundo no turbilhão dessa corrente — história, pesadelo, responsabilização — eu sinto a corrente mais furiosa e mais multiforme do que a superfície mostra: há fúria aqui, e terror, mas também há poder, poder a não ser tido sem o terror e sem a fúria. Precisamos ir além de retórica ou evasão em direção àquele lugar dentro de nós, para sentirmos a força da qual sempre tentamos — sem sucesso — passar despercebidas.


> notas de tradução

(*1) “Tokenismo” é um anglicismo formado a partir da expressão em inglês, tokenism, que é a ação de utilizar a presença de uma pessoa de um grupo subrepresentado, marginalizado e/ou oprimido no seu movimento, espaço de trabalho ou ação para se blindar de críticas de que tal movimento, espaço de trabalho ou ação não seria inclusiva ou seria excludente. Por exemplo, diversos movimentos de direita usam o argumento de que “temos partidários / filiados / membros negros / gays / mulheres, então não tem como sermos racistas / homofóbicos / machistas”. Mas isso também é muito comum em empresas e ambientes de trabalho: é como se a presença de uma pessoa de grupo subrepresentado estivesse ali para preencher sua “cota” de “representatividade”.

(*2) No original: “the connections betwen and among women are the most feared, the most problematic, and the most potentially transforming force on the planet”. Honestamente, não sei se “the most feared” e “the most problematic” estão se referindo a “the connections” ou a “force”.

(*3) A Emenda de Direitos Iguais (Equal Rights Amendment, ou ERA) é projeto de lei, na forma de emenda à Constituição, que visa institucionalizar direitos iguais a homens e mulheres sob a lei estadunidense. O primeiro projeto foi proposto em 1923; e após várias movimentações e a quase ratificação da lei nos anos 60 e 70, o prazo para sua discussão e ratificação pelo número mínimo de estados tem sido eternamente adiado.

(*4) “Serva contratada” se refere aqui à figura da Indentured Servitude, que era uma forma de trabalho não remunerado a ser executado por determinado período de tempo e definido por um contrato voluntário ou forçado. Esse tipo de “trabalho” geralmente era feito em troca de um pagamento ou vantagem específica (por exemplo, transporte para outra região/cidade) ou em decorrência da necessidade de se cumprir uma obrigação legal (uma dívida, por exemplo).

(*5) “O Congresso não deverá legislar para estabelecer uma religião, ou para proibir o livre exercício da mesma; ou limitando a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito de pessoas se reunirem pacificamente e de peticionar ao Governo para uma a reparação de queixas” (tradução livre).

(*6) Snow-blindness: cegueira temporária causada pelo reflexo da luz na neve — ou seja, você enxerga tudo branco.


Tradução do artigo Disloyal to Civilization: Feminism, Racism, Gynephobia, de Adrienne Rich, publicado originalmente na revista Chrysalis: A Magazine of Women’s Culture, n. 7, e depois na compilação On Lies, Secrets, and Silence, que você pode ler aqui. As notas de referência podem ser encontradas no artigo original.