Vi essa reportagem da Folha (grifada em lilás) com uma ativista pró-regulamentação a respeito de “mitos e verdades” da prostituição e decidi intercalar algumas das respostas com alguns dados e comentários.
Folha — Por que alguém se torna um trabalhador sexual?
Pye Jakobsson — Porque é uma solução viável para o quebra-cabeças da vida dessas pessoas, seja para poder cuidar dos filhos, ter dinheiro suficiente para estudos ou recursos extras para manter uma mãe idosa. É trabalho dos sonhos? Provavelmente não. É o que sonharam ser quando eram crianças? Duvido.
Folha — Então é uma opção para quem faltaram opções?
Pye Jakobsson — Este é um pensamento equivocado. As pessoas fazem diferentes escolhas para chegar o mais próximo possível da vida que querem ter. E, para algumas pessoas, isso envolve trabalho sexual. Muita gente não escolheu a área em que atua. Mas, quando o trabalho é sexual, a discussão toma outro rumo.”
Cerca de 85% a 95% das pessoas que estão na prostituição querem escapar, mas não têm outras opções de sobrevivência. 59% são chefes de família e devem sustentar sozinhas os filhos. 45,6% têm apenas o primeiro grau de estudos. 24,3% não concluíram o Ensino Médio. 70% das mulheres prostitutas não têm uma profissionalização.
O desemprego feminino é maior (e tem crescido mais) do que o masculino.
Entre as mulheres, o desemprego é maior (e tem crescido mais) entre as mulheres negras.
Quem emprega dá preferência a homens por conta do afastamento que a gravidez acarreta — é mais difícil para mulheres conseguirem um emprego.
Mas “não é por falta de opção”.
“É muito ofensivo quando falam de nós como crianças em perigo, vítimas, abusadas, estupradas, espancadas. Corpos à mercê da violência dos homens. Isso nos coloca em perigo porque, se é dito reiteradamente que somos estupradas o tempo todo, então deixa de ser tão grave nos estuprar. Vira uma profecia.”
Um relatório canadense sobre prostituição e pornografia concluiu que meninas e mulheres na prostituição têm uma taxa de mortalidade 40 vezes superior à taxa de mortalidade para todas as mulheres no Canadá. (Comitê Especial de Pornografia e Prostituição, 1985, Pornografia e Prostituição no Canadá).
Tratamento psicológico de trauma — o percentual de 827 pessoas em vários tipos diferentes de prostituição em 9 países atingiu os critérios de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático). A gravidade dos sintomas de TEPT dos participantes estava no mesmo nível que o TEPT dos veteranos de guerra em busca de tratamento, mulheres maltratadas que procuram abrigo, sobreviventes de estupro e refugiados de tortura patrocinada pelo estado. Os sintomas de PTSD são ansiedade aguda, depressão, insônia, irritabilidade, flashbacks, entorpecente emocional e estar em estado de hiperalertância emocional e física. Fonte.
Quase três quartos (71%) das mulheres entrevistadas apresentaram sintomas clinicamente significativos de dissociação. Uma função primária da dissociação é lidar com o medo, a dor e para lidar com a crueldade sistematizada que se experimenta durante a prostituição (e abuso anterior). Fonte.
Folha — Ficam com grande percentual do que vocês recebem, não?
Pye Jakobsson — Como acontece com donos de bares, de lojas etc. Os trabalhadores sexuais são capazes de fazer acordos tanto quanto qualquer outro profissional. Só porque estamos vendendo sexo não quer dizer necessariamente que é uma relação opressora.
“Nós [na Alemanha, onde a prostituição é regulamentada] temos bordéis “taxa única”. Por 70 euros eles oferecem uma cerveja, uma salsicha e mulheres ilimitadas. Uma cadeia de bordéis “taxa-única” chamada “Pussy-Club” foi manchete quando, no dia de sua inauguração em junho de 2009, 1700 homens formaram fila para entrar. As longas filas do lado de fora do quarto das mulheres duraram até a hora do fechamento quando muitas mulheres entraram em colapso devido à exaustão, dores, ferimentos, e infecções, incluindo dolorosas coceiras e infecções por fungos que se espalhavam dos seus genitais pelas pernas abaixo. Nós observamos a redução do pagamento para as mulheres: 30 euros para relação sexual, enquanto elas devem pagar em torno de 160 euros pelo quarto e 25 euros de impostos por dia; Então elas têm que servir 6 homens antes de começar a ganhar qualquer dinheiro. Nas ruas o pagamento começa em 5 euros.”
“Segundo [a professora e antropóloga Ana Paula Silva, da UFF], o tema divide as várias correntes feministas. “Há feministas que têm um projeto conservador de controle e repressão contra outras mulheres. Os homens que são trabalhadores sexuais nunca aparecem nos debates. O problema parece ser o protagonismo da mulher sobre a sua sexualidade’.”
Considerando que no Brasil, por exemplo, das 1.5 milhões de pessoas em situação de prostituição 78% são mulheres, e que das 2.5 milhões de pessoas movimentadas pelo tráfico sexual internacional 98% são mulheres, focar-se nas mulheres parece uma consequência óbvia
A experiência dos países que regulamentaram a prostituição deve ser analisada antes de qualquer coisa. Na Alemanha, por exemplo, as consequências da regulamentação não poderiam ter sido piores.
“Desde a regulamentação podemos observar que não apenas a propaganda tornou-se sem inibições, os clientes de sexo tornaram-se mais brutais. Isso foi de dia pra noite. Hoje em dia, se você diz: “Não, eu não faço isso,” você geralmente obterá a resposta, “Vamos lá, não seja tão difícil, esse é o seu trabalho”. Antes era proibido requisitar sexo sem proteção. Hoje, clientes perguntam ao telefone se eles podem urinar no seu rosto, querem fazer sexo sem camisinha, querem fazer anal e oral sem preservativo. Nos dias de hoje isso é comum. Antes os clientes ainda tinham a consciência culpada. Isso não existe mais hoje, eles querem mais e mais”.”
Em todos os lugares do mundo homens compram sexo. Alguns mais, outros menos. Mas a lógica é a mesma — o poder de comprar sexo, sem a necessidade de consentimento.
Se a mulher é forçada a consentir — majoritariamente, por coerção econômica — por que não estamos problematizando a prostituição? Por que é tão difícil encarar a prostituição como sintoma do patriarcado?
“Existe um estudo médico recente de um ginecologista, Dr. Wolfgang Heide, que está trabalhando com mulheres prostituídas. As condições de saúde dessas mulheres são catastróficas. Com 30 anos elas já estão comumente envelhecidas precocemente. Todas as mulheres têm dores abdominais persistentes. Gastrite e infecções frequentes, também em decorrência das condições de vida e saúde precárias. E claro, todos os tipos de doenças sexualmente transmissíveis.
O trauma psicológico só pode ser suportado com álcool e drogas farmacêuticas. Ele avisa sobre o crescimento da demanda por mulheres grávidas na prostituição. Essas mulheres tem que servir de 15 a 40 homens por dia continuamente até darem a luz. Muitas vezes, elas abandonam a criança para voltar ao trabalho o mais rápido possível. Algumas 3 dias depois de dar à luz. Essas práticas são totalmente irresponsáveis para a saúde da mãe e da criança. Podem causar danos irreversíveis para a criança ainda no ventre. E toda mãe sabe que leva um tempo depois do parto antes que a relação sexual seja possível de novo sem provocar dor.”. Fonte.
Mas violentas somos nós, as feministas radicais, por querer abolir, extirpar do planeta toda forma de exploração da mulher, de violência contra a mulher, de tráfico humano, de tráfico infantil.
Abolição é a solução!