(Tradução do texto de Julie Bindel para The Spectator)

Prostituição raramente, ou quase nunca, é uma escolha

Em meio a todo o ultraje que a escravidão moderna provoca, geralmente homens vulneráveis forçados a trabalhos manuais, existe uma forma bem pior de abuso acontecendo no Reino Unido. Ela acontece em todas as cidades, ruas e até em vilas. É algo endêmico a toda cultura e região do mundo, e ainda assim, ultimamente nós justificamos essa forma de abuso em nome da “libertação”. Nós nos acostumamos a pensar sobre a prostituição como uma forma legítima de se bancar a vida, até como algo “empoderador” para as mulheres. Nós a chamamos de trabalho sexual e viramos a cara. Não devíamos fazer isso.

Nos últimos três anos eu pesquisei sobre a prostituição internacionalmente a fim de testar o pensamento convencional de que é um trabalho como qualquer outro, tão válido quanto qualquer outro. Eu conduzi 250 entrevistas em 40 países, entrevistei 50 sobreviventes do tráfico internacional, e quase todas me contaram a mesma história: não acredite no mito da “prostituta feliz” que você vê na televisão. Em quase todos os casos é na verdade escravidão. As mulheres na prostituição estão estão sendo coagidas financeiramente e estão em apuros. Elas precisam ser resgatadas dessa situação assim como qualquer outra vítima da escravidão moderna.

Umas das descobertas mais perturbadoras, foi que as vozes mais ouvidas pedindo pela legalização e pela normalização da prostituição vem de pessoas que lucram com ela: cafetões, agentes, donos de bordéis. Eles conseguiram ter o poder de falar pelas mulheres sob seu controle. As pessoas que conhecem a história real do tráfico sexual de pessoas têm sido silenciadas pelo lobby de ideólogos “liberais” iludidos e os beneficiários do tráfico de pessoas.

Como Autumn Burris, ex-prostituta da Califórnia que escapou da indústria no fim dos anos 1990, me relatou: “Eu tive que me convencer de várias coisas, de várias mentiras para impedir que meu cérebro se partisse em milhares de partes e eu ficasse louca com o abuso contínuo que acontecia de novo e de novo, e com a violência que vem junto com a prostituição” . Autumn agora é militante contra o tráfico de pessoas, ela ministra cursos para oficiais de polícia e outros profissionais sobre a realidade das pessoas na prostituição.

Uma sobrevivente do tráfico sexual na Alemanha, Huschke Mau, se posiciona dessa forma: “Toda vez que tinha que encontrar um cliente eu tinha que beber não um copo de vinho, mas uma garrafa. Você não consegue fazer um programa se estiver sóbria ou sem usar drogas. Quando eu parei de beber, eu não consegui mais fazer aquilo”

Se prostituição é equivalente a escravidão, por que diabos então ativistas de direitos humanos e tantas pessoas de esquerda apoiam a ideia de que a prostituição é um “trabalho” para mulheres, e um “direito” para homens?

Tudo começou com a emergência de se fazer uma campanha contra o HIV/Aids. Parecia fazer sentido, na época, que legalizar casas noturnas e os cafetões para criar zonas de “tolerância”, como a que existe em Leeds, UK. A “lógica” por trás é de que se você remove as penalidades criminais, as mulheres prostituídas irão se envolver mais com abrigos de apoio, levando a 100% do uso de camisinhas. Isso, em consequência, reduziria dramaticamente os índices de contaminação de HIV, argumenta o lobby pró-legalização, e também acabaria com o fim do feminicídio por cafetões e clientes.

Essa era a teoria. Mas eu visitei um bom número de bordéis legais em Nevada, na Alemanha, Holanda e Austrália e examinei a proposta feita pelos pró-legalização, e o que eu encontrei foi que esses argumentos — a base do debate sobre a prostituição hoje em dia — simplesmente não condizem.

A legalização da prostituição na Alemanha, Holanda e Austrália não ajudou na combater os índices de violência, nem do HIV ou do feminicídio. Eu me encontrei com uma ex-defensora dos direitos das “profissionais do sexo” em Melbourne, Sabrinna Valisce, que ao confrontar a realidade da descriminalização, mudou dramaticamente seu ponto de vista. “Eu pensei que a descriminalização melhoraria as coisas tornando tudo legal e dentro dos regimentos, mas ela só deu mais poder aos clientes e aos cafetões”

O que a legalização pode significar é que muitas das liberdades e direitos que as mulheres prostituídas dizem exercer, estão na verdade sendo cobradas pelos donos de estabelecimentos e clientes. É fácil — eles simplesmente redefinem-se como trabalhadores da indústria do sexo e aproveitam de todos os benefícios. Eu ouvi vários dos lobistas pró-legalização se referirem a si mesmos como “trabalhadores da indústria do sexo” assim como “cafetões”.

A verdadeira escala do mercado mundial do sexo é assustadora. Eu visitei um vilarejo na Índia criado inteiramente na prostituição, e conheci um homem que estava prostituindo sua filha, sua irmã, sua tia e sua mãe. Eu entrevistei cafetões nos megabordéis em Munique, em que homens pagavam uma taxa fixa que permitia consumir quantas mulheres desejassem. No sudeste da Ásia, eu presenciei turistas sexuais idosos do Reino Unido pagarem por um “encontro” com garotas adolescentes em bares “de meninas”.

Eu descobri que o que quer que os lobistas digam, mulheres e garotas prostituídas vêm majoritariamente de lares abusivos, vivem na pobreza, e são de alguma forma marginalizadas. Elas não são livres ou empoderadas: elas foram abusadas e estão presas.

Não vamos nos esquecer que isso acontece com garotos também. Em uma visita a Los Angeles, eu conheci Greg, nascido em uma família com conexões com a máfia. Desde muito novo, ele foi abusado e explorado sexualmente por homens poderosos. Quando adolescente ele conheceu um cafetão, foi vendido por sexo por seis anos, até conseguir escapar. Greg não quer ter nada a ver com a ideia de que vender sexo é parte da cultura homossexual.

Eu viajei para Amsterdam para entrevistar a mulher que encabeçou o termo “Puta feliz”. Hoje em dia, Xaviera Hollander gerencia a pousada chamada ‘Happy House’. Eu presumi que ela tivesse ficado rica e famosa como resultado do sucesso estratosférico de seu livro The Happy Hooker: My Own Story, que vendeu 20 milhões de cópias no mundo inteiro. Mas na verdade, logo no jantar, eu descobri que foi vendendo o corpo de outras mulheres que a rendeu fama e fortuna. Ela me contou que foi prostituta por seis meses até aprender o negócio. “Eu fui de um apartamento pequeno para uma cobertura de cinco quartos em tempo recorde”, ela conta orgulhosa.

Hollander não é exatamente representativa do mito da “puta feliz” que vemos tão constantemente na mídia. Mas nós compramos essa mentira porque é conveniente acreditar nela.

Eu entrevistei alguns consumidores de sexo no Reino Unido e em outros lugares e esse é o tipo de coisa que eles dizem: “Eu não quero que ela goste — isso tiraria a graça pra mim.” E: “Eu gosto de prostitutas porque elas fazem o que eu mando. Não é como uma mulher normal.” O que dizer disso: “Não é diferente de comprar um hamburguer quando você está morrendo de fome e sua mulher não te fez nada pra comer.”

Se eu sugerir a fãs da prostituição que nada terrível vai acontecer aos homens se eles forem proibidos de comprar sexo, eu escuto a mesma reclamação: “Mas e os homens com necessidades especiais? Como eles vão transar?” Quando eu aponto que sexo não é um direito humano, me contam a história da mãe que comprou para seu filho com extremas necessidades uma prostituta de aniversário, e que um veterano de guerra que perde a perna em combate deve ter seu “direito” garantido de pagar por mulheres.

Mas leve em conta todas aquelas milhões de mulheres oprimidas. E os direitos delas? Em um dos bordéis de Nevada, as mulheres eram presas em jaulas, e arames farpados cercavam as altas paredes do lugar. Em Seul, na Coréia do Sul, era costume trancar as mulheres nos bordéis a noite inteira — até um incêndio matar 14 jovens em 2002. Se galinhas em granjas fossem tratadas dessa forma, certamente haveria um clamor acertado dos mesmos esquerdistas liberais que geralmente mudam o discurso para defender esse mercado flagrante da carne humana.

Durante uma breve viagem a Auckland, eu conheci a rua da zona da prostituição. É comumente dito que a Nova Zelândia é o padrão de ouro no cuidado com o mercado do sexo. O Comitê de Estado (anteriormente presidido por Keith Vaz, que foi forçado a deixar o cargo após ser acusado de ter comprado sexo de um jovem) estava analisando adotar um modelo semelhante para o Reino Unido.

Nas ruas, conheci Carol, que parecia ter 70 anos mas era bem mais jovem, usando uma muleta para descansar entre a jornada de clientes. Carol me contou que desde que a prostituição foi legalizada, há 13 anos atrás, nada melhorou para as mulheres. Os clientes ainda são violentos, a polícia ainda não se importa, ela diz. Nem os defensores dos direitos humanos. Enquanto mulheres ao redor do mundo lutam para acabar com a violência e abuso, o Partido Trabalhador e a Anistia Internacional, para listar duas entidades políticas, as traíram.

A forma mais efetiva de invisibilizar um terrível abuso dos direitos humanos é renomeá-lo. Um estrategista pró-escravidão nas Índias Ocidentais uma vez sugeriu que ao invés de “escravos”, os “crioulos” deviam ser chamados de “assistentes de plantação”. Aí, disse o estrategista, “nós não vamos enfrentar tanto clamor contra o mercado de escravos pelos religiosos piedosos, poetas de coração terno e políticos de curta visão”. O termo “profissional do sexo” é o mesmo tipo de lustre conveniente.

Foi Barack Obama quem disse que o tráfico humano deveria ser chamado de “escravidão moderna”, na intenção de ressaltar as condições terríveis que essas pessoas vivem. O Ato sobre Escravidão Moderna passou no Reino Unido em 2015. Ele é fundado na ideia de que não há ambiguidade quando se olha para as circunstâncias das pessoas que o Ato foi criado para proteger: as condições em elas estão e a incapacidade de se escapar dessas condições.

O mesmo se aplica a prostituição: não é um “trabalho sexual”. Na maioria das vezes, é escravidão moderna.