“But you can do everything.
That’s what I think.
Our lives are long and full and if we love and work and want, we can do it all.
everything everything.
even more than we are able to imagine”.
Cindy Crabb, Doris #24 (2007) Zine Feminista criada por Cindy Crabb (USA).
As mulheres sempre desempenharam um papel importante nos movimentos pela justiça social. Usando a mídia para transportar suas mensagens, para atrapalhar as ordens sociais e para criar novos processos sociais, as feministas reconhecem há muito tempo a importância das mídias alternativas auto gerenciadas para ganhar força quanto movimento. Tanto que, nas últimas duas décadas, um número cada vez maior de mulheres tomou as ferramentas da produção de mídia em suas próprias mãos. Com o surgimento de novas tecnologias de mídia e comunicação, as mulheres começaram a usar essas tecnologias para a produção e distribuição de mídias feministas, um número cada vez maior de mídia feministas. Essas produções, muitas vezes, são descritas como parte do “feminismo da terceira onda”, “feminismo pop” ou “feminismo do tipo faça você mesmo”.
Entende-se por mídia feminista como qualquer projeto de mídia autoidentificada como feminista e/ou feminista engajada em processos de mudança social. A mídia feminista — nesse entendimento mais amplo — engloba a produção de textos, e. g. zines, revistas e flyers, bem como práticas de performance, graffiti e arte. Dessa forma, os produtores de mídia feministas criam e se engajam em espaços participativos, redes e práticas culturais, assumem uma cidadania cultural e iniciam processos de mudança social. Os movimentos feministas fazem uso de sua própria mídia para informar e também como meio de mobilização. Dessa forma, os meios de comunicação alternativos feministas formam uma plataforma composta por mulheres feminista que trabalham criticando as estruturas dominantes e os conteúdos da mídia convencional (capitalista, falocêntrica, racista), criando conteúdos para as feministas com o viés poético, educativo, reflexivo e transformador.
As oportunidades e dinâmicas das mídias sociais, e as tecnologias da internet em geral, permitem que as feministas se conectem e formem comunidades, ao mesmo tempo em que se abrem para críticas internas e externas. Depois de anos em que o feminismo esteve ausente da juventude e da cultura popular, o forte ressurgimento do ativismo feminista popular, da arte, da política e da cultura, especialmente entre as mulheres jovens, é, francamente, muito encorajador. A mídia social permite que feministas de todas as idades contem histórias pessoais, se envolvam afetivamente com as experiências dos outros, organizem coletivamente e se mobilizem politicamente. Como Linda Steiner apropriadamente coloca, a mídia feminista alternativa sugere “um modelo para a mídia tradicional” (Steiner, 2000, p.1331), ao documentar as tentativas das mulheres de melhorar a si mesmas e refazer o mundo. No entanto, é preciso também deixar claro, que as “novas” tecnologias sociais — tanto em termos de funcionalidade, de discursos e de narrativas culturais — não são intrinsecamente feministas e podem e violentam as mulheres.
Através da história as feministas têm usado a mídia individual e coletivamente para informar, motivar e mobilizar a ação política em nome das mulheres, mas só das mulheres feministas (nós feministas não podemos falar em nome de outras mulheres, falar em nome de todas as mulheres despolitiza o movimento) bem como para criticar as estruturas e o conteúdo da mídia dominante. As sufragistas, em vários países eram conhecidas por serem ávidas produtoras de sua própria imprensa, desenhos animados, cartões postais e cartazes (cf. Israels Perry 1993; Di Cenzo 2003; Di Cenzo & Ryan 2007). Essa rica e multifacetada tradição editorial feminista continuaria até o século XXI e, ao longo dos anos, assumiu múltiplos formatos, gêneros, modos de expressão e agendas políticas. Na segunda onda feminista, que em muitos países prosperou por volta da década de 1968, com títulos como da revista norte-americana Off Our Backs (desde 1970) e a longa e influente revista feminista inglesa Spare Rib (1972–1993). Os anos 1980 testemunharam o nascimento de importantes contribuições da mídia: o jornal internacionalista feminista UK Outwrite (1982–1988) e a autoproclamada primeira estação feminista de rádio RadiOrakel (desde 1982) na Noruega. Em meados dos anos 80, a primeira rádio mundial não licenciada do mundo, a Radio Pirate Women teve sua transmissão inaugural na Irlanda.
A revista Spare Rib foi lançada na Grã-Bretanha e ganhou notoriedade imediata por sua postura escancaradamente feminista, desafiando representações tradicionais de feminilidade e equívocos sobre o movimento das mulheres. A primeira edição deu o tom, com histórias sobre arte radical, uma cooperativa de auto-ajuda para as mães e um sindicato de limpeza com artigos sobre cuidados com a pele e culinária. Dada a sua linha editorial feminista algumas bancas de jornal se recusaram a vendê-la.
off ours back (muitas vezes referidas como oob) foi um jornal por, para e sobre mulheres. Foi publicado continuamente de 1970 a 2008, tornando-se o mais longo jornal feminista sobrevivente nos Estados Unidos. É administrado por um coletivo onde todas as decisões são tomadas por consenso, Marilyn Salzman Webb, Heidi Steffens, Marlene Wicks, Colette Reid e Norma Lesser formaram a organização inicial. A missão do jornal era de fornecer notícias e informações sobre a vida das mulheres e ativismo feminista; educar o público sobre o status das mulheres em todo o mundo; servir como um fórum para ideias e teorias feministas; ser um recurso de informação sobre a cultura feminista, feminina e lésbica; e buscar justiça social e igualdade para as mulheres em todo o mundo.
A década de 1990 viu o surgimento da feminista nicaraguense trimestral La Boletina (desde 1991; disponível on-line desde 2005) e da revista feminista independente iraniana Zanan (posteriormente banida em 2008, mas que já está de novo em circulação). A década de 1990 também testemunhou o que foi chamado de uma transnacional “revolução feminina de zines” — mulheres jovens se envolvendo em políticas feministas através do desenvolvimento de zines feministas (ver, por exemplo, Harris 2003; Zobl 2004a; 2004b; Schilt and Zobl 2008; Kearney 2006; Chidgey 2007).
A Zanan é uma revista feminina iraniana que assumiu a tarefa ainda mais difícil de desenvolver uma nova interpretação feminista das leis islâmicas que foi auxiliada por um grupo de educadores progressistas, advogados e teólogos, tanto mulheres quanto homens. A Zanan, que começou a ser publicada em 1991, é editada pela feminista Shahla Sherkat e faz parte de um esforço crescente de mulheres escritoras, cineastas, acadêmicas, artistas e outras mulheres profissionais que reivindicaram alguns dos seus direitos como o de fazer parte de organizações que elas tinha desenvolvido antes da Revolução de 1979. Há características comuns de uma revista feminina popular com temas como: alimentação, dieta, saúde e exercício físico, moda, psicologia familiar, ciência e medicina. Mas Zanan é também uma revista literária e cultural com uma agenda explicitamente feminista. Apresenta revisões detalhadas de filmes, poemas e contos produzidos por mulheres iranianas. Há também traduções de ensaios feministas clássicos de autores como Mary Wollstonecraft, Virginia Woolf, Charlotte Perkins Gilman, Evelyn Reed, Nadine Gordimer e Alison Jaggar.
Hoje, as mídias feministas continuam a florescer. O panorama da mídia feminista é extremamente diversificado e fazer um mapeamento atual de todo conteúdo feminista online é um grande desafio. Até porque as mulheres feministas passaram a ocupar, ao longo da história, também os espaços da mídia tradicional ainda dominada por homens brancos, cis, heteros. Mas, as mulheres feministas já escrevem colunas em jornais mainstream, já apresentam telejornais e já possuem uma voz ativa em programas de rádio, todavia ainda estão em menores números, por isso, ocupam e produzem como nunca antes e muito mais que os homens dentro dos espaços alternativos.
Nas mídias alternativas que compartilham um baixo nível de profissionalização marcado pela cultura do “faça você mesmo” (DIY), as ativistas têm maiores possibilidades de pesquisar, produzir e disseminar seus próprios textos e memórias. Ao implantar formas de mídia emergentes e residuais via Internet, por exemplo, as feministas DIY criam memórias culturais pessoais e remediadas que servem para revigorar o engajamento feminista no presente, fornecendo links para recursos baseados, por exemplo, na história em torno do sufrágio, direitos civis, libertação das mulheres, anarquismo e revolta grrrl. Ao compartilhar histórias pessoais de ativação feminista e criatividade, feministas DIY também narram os pontos de referência cultural que sinalizam “inclusão”, “autenticidade” e “participação” nessas redes.
Riot Grrrls se comunicou através de seus próprios meios de comunicação e canais de música. Essas redes independentes se tornaram ainda mais significativas, uma vez que figuras proeminentes dentro do movimento pediram o “media blackout” no final de 1992, após a cobertura imprecisa e ofensiva da Riot Grrrl dentro da grande imprensa (Downes 2007; Marcus 2010). Riot Grrrl recuperou o feminismo e fomentou uma rede positiva de meninas que era tanto pessoal quanto política, introduzindo a milhares de mulheres jovens, homens e queers o feminismo. “A Riot Grrrl foi todo sobre DIY e a experiência singular dentro de um momento de compartilhamento coletivo” (2011). No entanto, é muito criticado, pelas múltiplas instâncias de privilégios de classe e raça não examinados — e classismo e racismo flagrantes.
As plataformas digitais oferecem um grande potencial para disseminar amplamente as ideias feministas, moldando novos modos de discurso sobre gênero e sexismo, conectando-se a diferentes grupos constituintes, e permitindo que formas criativas de protesto surjam. O exemplo do feminismo hashtag deixa claro como o aumento do uso da mídia digital alterou, influenciou e moldou o feminismo no século XXI, dando origem a modos de comunicação alterados, diferentes tipos de conversas e novas configurações de ativismo em todo o mundo, tanto online e offline.
Enquanto apenas há alguns anos, as feministas mais velhas lamentavam a falta de ação das mulheres mais jovens, hoje feminismo é centrado na juventude, muitas vezes impetuosa e conflituosa, e amplamente coordenado on-line (Evans 2014; Keller, Mendes e Ringrose 2016). A mídia social é um termo abrangente para um conjunto diversificado de tecnologias, sites, aplicativos móveis e protocolos que facilitam a criação, anotação e compartilhamento de mídia digital. Embora a mídia de transmissão como a televisão e o rádio limitem a criação de conteúdo aos profissionais, a mídia social possibilita que pessoas comuns criem e difundam suas próprias mídias para grandes audiências. Sadie Plant popularizou o termo “cyberfeminismo”, no qual posicionou a digitalização e as redes como ferramentas “que acabarão anulando a hegemonia falogocêntrica” (Plant, 1996).
As ativistas que trabalham para tornar possível essa Internet feminista demonstram o potencial da Internet — especialmente quando combinados com reuniões face a face e coordenação no local — para abordar a diversidade da vida das mulheres e o poder da organização coletiva. As mídias sociais se tornaram instrumentos de produção e difusão de ideias, mas também podem servir como espaço de ataques e ameaças, uma vez que a internet ecoa debates, tanto online quanto off-line. Assim sendo, ser sujeito nas mídias móveis reflete um processo de comunicação, de relacionamentos, mas também um processo político. Sem contar que as mulheres são sim a maior porcentagem total de internautas, em 2013 elas chegaram a 51,9% e, quanto maior a idade, maior são as diferenças de acesso a favor das mulheres.
Não só por estarem em maioria — as mulheres são vítima de mais ataques no cyberspaço por serem mulheres — elas continuam sendo percebidas como frágeis, indefesas, medrosas e “submissas”, por isso, são constantemente alvo de assédio sexual, vigilância, uso não autorizado e a manipulação de informações pessoais, incluindo imagens e vídeos, entre os tipos de ataques. Os homens sim também sofrem com a violência online, especialmente os que não se encaixam nos padrões normativos, mas a violência perpetrada contra a mulher é uma extensão da violência do mundo real, essa realidade é confirmada pelos tipos de ataques que, muitas vezes, ferem o ser mulher, com uma mistura de insultos racistas e sexistas (“puta”, “vadia” ,“prostituta” “neguinha burra”). Sem contar que os ataques são principalmente perpetrados por homens desconhecidos, o que mostra uma clara dinâmica de poder de gênero. Dessa forma, o acesso e o uso da Internet estenderam a perpetuação da violência psicológica, emocional e altamente sexualizada contra as mulheres.
Utilizar a plataforma digital é romper com esse ciclo de violência e as tentativas de silenciamento. É transcender o próprio espaço e formar conexões infinitas. Mas não só de ativismos vivem as feministas, também é empoderador saber a hora de parar (se está sendo alvo de constantes ataques, se sua sanidade está em jogo, a melhor forma de lutar é descansando). Não podemos esquecer que não é só atuando no virtual que a gente consegue quebrar as estruturas enrijecidas do pátrio poder, para ações mais efetivas, o virtual e o real precisam estar sempre conectados. É preciso que, pessoalmente ou mediados pela interface digital, possamos fazer um feminismo com mulheres e não contra as mulheres. Que a pluralidade de vozes e vivências não se perca ou nos afaste da gênese do movimento, e que lutemos por uma sociedade mais igualitária, mais humana e mais civilizada reconhecendo as diversas formas de ser mulher.