Judith Merril
Judith Merril estava escrevendo ficção científica quando a maioria das pessoas achava que era um gênero predominantemente masculino | Imagem Getty Images

A tradição popular nos ensina que a ficção científica foi escrita quase exclusivamente por homens até o advento do feminismo nas décadas de 1960 e 1970. Mas quando Lisa Yaszek, que ensina estudos em ficção científica na Georgia Tech, começou as escavar antigas edições de revistas, ela descobriu uma história bem diferente.

“Fiquei surpresa ao ver quantas mulheres haviam na ficção científica antes de mulheres realmente reivindicarem ao gênero na década de 1970 com a ficção científica feminista”, diz Yaszek para o Episódio 346 do podcast do Geek’s Guide to the Galaxy. “Continuo desvelando essas antologias com todas essas mulheres que claramente eram bem conhecidas e celebradas em seus dias, e das quais nunca ouvi falar.”

De fato, mulheres escritoras eram relativamente comuns na era pulp (tipo especifico de papel utilizado para produzir revistas), e a proporção de mulheres leitoras era maior ainda. “Pelo menos 15% da comunidade de ficção científica era composta por mulheres — produtoras — e pesquisas sobre o público sugerem que 40 a 50% dos leitores eram mulheres”, diz Yaszek. “Então, sempre houveram muitas mulheres no gênero.”

Algumas pessoas também acreditam que o pequeno número de mulheres que escreveram ficção científica foram forçadas a adotar um pseudônimo masculino para conseguirem ser publicadas, mas Yaszek diz que isso é, na maior parte das vezes, um mito. Pseudônimos eram comuns na era pulp, por uma variedade de motivos, e homens adotavam pseudônimos femininos tanto quanto mulheres adotavam masculinos.

“Existem alguns poucos casos bem conhecidos em que mulheres de fato adotaram pseudônimos masculinos, e esses dois ou três casos, de alguma forma, substituem todas as mulheres da ficção científica”, ela diz. “Mas quando eu fui verificar isso, a maioria das mulheres não publicou utilizando nomes masculinos.”

Então por que temos uma visão tão distorcida da história? Yaszek diz que a primeira antologia de ficção cientifica foi publicada durante o backlash contra a primeira onda do feminismo, e que editores do sexo masculino como John W. Campbell e Groff Conklin especificamente excluíram mulheres de suas publicações.

“Por quaisquer que fossem as razões, eles acreditavam em suas cabeças que mulheres não podiam escrever”, ela diz, “e quando eles resolveram fazer as primeiras antologias — o gênero já era velho o suficiente para ter sua própria história — eles conscientemente retiraram as mulheres dessa história”.

Ouça a entrevista completa dada por Lisa Yaszek no Episódio 346 de Geek’s Guide to the Galaxy (abaixo). E cheque algumas partes que destacamos da discussão.

Lisa Yaszek sobre subúrbio galáctico:

“Subúrbio galáctico é um termo cunhado pela autora feminista de ficção científica Joanna Russ, e foi uma forma de falar sobre estórias que fizeram um excelente trabalho de imaginação de futuros científicos e tecnológicos, mas falhou completamente em dizer como novas ciências e tecnologias poderiam mudar a sociedade. Então temos teses de futuros em que colonizamos o universo e temos todo o tipo de novos elementos e superestruturas, mas todos ainda vivem em famílias heterossexuais com 2,3 crianças em subúrbios que parecem os subúrbios de 1950, e as relações entre sexo e gênero não mudaram… E Russ pensava ‘ isso é tão bizarro’, porque todas as vezes que ciência e tecnologia mudam, a sociedade também muda.”

Lisa Yaszek sobre Library of America:

“A Library of America é uma organização não lucrativa que tem como objetivo preservar e celebrar a herança da literatura americana. A forma que usualmente uso para explicar isso é que ela é que determina os livros que são lidos nas aulas de Inglês das escolas e faculdades. Então, absolutamente, se ela diz que é literatura, naturalmente vamos aceitar como tal… Uma das coisas que Library quer é ampliar seu mandato e pensar em variações populares da literatura, e como a ficção de detetive e ficção científica e fantasia e ficção esquisita são todas parte da tradição literária americana. Então ela contratou três editores de ficção científica, e eu fui uma deles, e isso tem sido realmente emocionante.”

Lisa Yaszek sobre John W. Campbell e Judith Merril:

“(Campbell) ficava afirmando que mulheres não sabem escrever ficção científica, e (Merill) disse ‘Bem, aposto que eu escrevo uma ficção científica que você compraria’, e ele, ‘Eu acho não acho que isso vá acontecer’, e ela retornou, ‘Eu aposto que eu escrevo uma história que você vai comprar e ainda vai implorar por mais’… Então ela escreveu (That Only a Mother), e Campbell amou a estória. Ele a comprou dela e estava ‘Oh meu Deus, você estava certa, eu estava errado. Essa estória é maravilhosa. Eu quero mais de você.’ Aí ela enviou para ele a próxima estória, que se tratava da colonização do espaço — bons padrões para ficção científica — e ele rejeitou, alegando ‘Não há mães nessa estória. Eu realmente não quero isso de você. Você deveria estar escrevendo mais sobre mães.’”

Lisa Yaszek sobre C. L. Moore e Joanna Russ:

“C. L. Moore diz que ela sempre costumava fazer suas personagens femininas parecerem o que ela gostaria de parecer, então Jirel tem uma altura de mil pés, tem um perfeito cabelo ruivo cacheado e abundante, e ela é jovem, forte e legal — ela na verdade é meio teimosa e estúpida também, o que é charmoso a seu próprio modo. E Alyx (personagem de Joanna Russ) é claramente uma resposta feminista de 1970 a uma heroína anterior, porque ela não é nem um pouco parecida com Jirel, definitivamente. É uma personagem de meia idade, que vai ficando grossa, não é empolgada com aparência, mas realmente gosta da sua vida. Ela tem um marido… E eu amo a ideia de que uma mulher atarracada de meia idade possa ser uma heroína também, e que não temos que ser todas supermodelos maravilhosas em sutiãs de latão ou algo parecido.”


Texto original traduzido da Wired pode ser lido aqui.