E o colo do útero é a porta de entrada
Conversa-se pouco sobre o colo do útero. E quando a conversa surge, a associação é com o câncer. Nossa herança cultural é tão machista que nós mulheres pouco nos reunirmos para falar sobre a nossa anatomia sexual: o nosso clitóris, é um órgão mutilado; o nosso útero, é apenas reprodutor; e o colo do útero, “causa” câncer. É do senso comum a sabedoria que esse câncer é um dos que mais mata mulheres no Brasil. Por mais que já se tenha comprovado que a mortalidade por câncer do colo do útero é evitável, permitindo a cura em 100% dos casos diagnosticados na fase inicial (Ministério da Saúde, 2002) essa doença ainda continua nos matando. E por que será? A principal lacuna entre as mulheres e o acesso a uma vida saudável pode ser conjecturado rapidamente pela junção do patriarcado + medicina corporativista. Nessa medicina, suas operações, seu conhecimento, sua seleção, seu acesso é para poucos. Ninguém aqui vai negar que existem inúmeros avanços técnicos, especialmente, no cuidado com o câncer de colo de útero, o problema se concentra exatamente em quem vai ter acesso a esses avanços.
O pico de incidência desse câncer situa-se entre mulheres de 40 a 60 anos de idade, e apenas uma pequena porcentagem, naquelas com menos de 30 anos. O órgão atacado é o útero, em uma parte específica — o colo, que fica em contato com a vagina. Classicamente, “a história natural do câncer do colo do útero é descrita como uma afecção iniciada com transformações intra-epiteliais progressivas que podem evoluir para uma lesão cancerosa invasora, num prazo de 10 a 20 anos”. É um câncer silencioso. A teoria mais aceita para a explicação do aparecimento do câncer do colo do útero repousa na transmissão sexual. Desde 1992, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a persistência da infecção pelo Vírus do Papiloma Humano (HPV) em altas cargas virais representa o principal fator de risco para o desenvolvimento da doença. Sabe-se também que infecção pelo HPV é essencial, mas não suficiente para a evolução do câncer. A OMS, reconhece desde 1992 o HPV como o principal responsável pelo câncer do colo do útero. É importante frisar que o HPV estabelece relações amplamente inofensivas e a maioria das infecções passa desapercebida, regredindo de maneira espontânea (Ministério da Saúde, 2001).
A prevenção, na medicina corporativista, para o câncer de colo de útero é feita através da diminuição do risco de contágio pelo papilomavírus humano (HPV). A transmissão da infecção pelo HPV ocorre por via sexual, presumidamente através de fissuras na mucosa ou na pele da região anogenital. Consequentemente, o uso de preservativos (camisinha) durante a relação sexual com penetração protege parcialmente do contágio pelo HPV, que também pode ocorrer através do contato com a pele da vulva, região perineal, perianal e bolsa escrotal. A principal forma de prevenção, entretanto, é a vacina contra o HPV. O Ministério da Saúde implementou no calendário vacinal, em 2014, a vacina tetravalente contra o HPV para meninas e em 2017, para meninos. O tratamento, vai depender da fase da doença: cirurgia — quando o tumor está restrito à região do colo do útero, a cirurgia leva à cura na maioria dos casos. Em casos mais avançados, o médico vai avaliar se vai ser necessário remover útero, ovários e outros tecidos próximos; radioterapia — costuma ser usada para atingir a cura total quando o tumor ainda está localizado e pequeno. Em tumores maiores, ajuda a controlar a doença e aliviar sintomas, o que nem sempre levará à cura; braquiterapia — é uma forma de radioterapia em que materiais radioativos são implantados próximos do tumor (Ministério da Saúde, 2009).
Na medicina natural/ “slow medicine” a prevenção também passa pelo uso de preservativos, ou seja, pela consciência de um sexo seguro, e pela “escolha” da vacinação, não é uma medicina impositiva e negacionista, que decreta o fim do exame Papanicolau, mas é crítica de alguns protocolos de coleta desse exame/periodicidade, por exemplo. É uma medicina que defende a prevenção através do se conhecer, esse caminho é possível com o autocuidado e a auto-observação, especialmente do seu colo do útero. As células cancerígenas podem ser observadas por você mesma num ambiente seguro através do teste de Schiller. O teste de Schiller foi batizado em homenagem ao médico Walter Schiller, que ao redor 1930 descreveu o método. O teste é feito com uma zaragatoa, uma espécie de cotonete muito comprido e uma solução à base de iodo, chamada de solução de lugol. O ginecologista encharca a ponta da zaragatoa, que é revestida de algodão, com iodo (ou ácido acético) e “pinta” toda a região do colo do útero, como se usasse um pincel. Após um minuto de espera, o médico volta a visualizar o colo do útero para tentar identificar áreas que ficaram pouco coradas. A falta de pigmentação pode indicar algum tipo de afecção e nesse momento é importante procurar ajuda de um profissional da saúde. Eu, faço o teste semestralmente utilizando objetos que tenho ao redor, ao invés do cotonete muito comprido eu uso hashi e coloco na ponta uma gaze presa por um fio dental, melo a gaze com a solução à base de iodo (compra-se sem nenhuma receita médica ou carteira médica em lojas médico-hospitalares) e é claro, o espéculo para abrir o caminho e facilitar a visualização junto com o espelho e a lanterna. Parece difícil, mas é moleza. Caso detectado o tratamento também vai depender do estágio, no início é muito indicado a realização de limpezas uterinas, vaporizações do útero que são a base de ervas medicinais. As lesões no colo do útero de baixo grau, na medicina corporativista são tratadas com a cauterização (processo altamente invasivo que queima o colo do útero, quando pode ser rapidamente cessada com a vaporização do útero. Por isso, é necessário a sua atenção e um acompanhamento de alguém da área de saúde para os procedimentos e curas, especialmente os naturais. O tratamento deve ser feito junto a um especialista, não necessariamente da medicina corporativista, mas caso você se sinta mais segura, a escolha sempre é sua.
Esse textinho é apenas um minúsculo/insignificante instrumento informativo que não deve nunca ser substituto dos conteúdo e ações que estão ativos no nosso país, como o Viva Mulher — Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama e o Instituto Nacional de Câncer, espaços que visam facilitar o processo de socialização de informações estratégicas sobre a doença e, por isso, é de sumária importância o acesso a esses espaços para informações mais profundas, ou seja, camadas de conteúdos mais especializados, aqui é só o início, a porta de entrada. O que de especial eu busco trazer aqui é algo além do informativo, um questionamento inicial sobre nossa dependência em relação ao que o outro, normalmente médicos masculinos e sua medicina corporativista e sobre todo o nosso conhecimento apagado dos nossos corpos, nossos cuidados com o que está dentro, a nossa prevenção, a partir da nossa ciência, da nossa experiência.
A sexualidade feminina esteve fechada na vergonha e na ignorância desde o começo dos tempos. Portanto, não é surpreendente que não se conheça sua anatomia. É nossa herança cultural patriarcal mutilar toda nossa ciência feminina, por isso, é transgressor acessar nossos corpos, com atenção especial a nossa anatomia sexualizante. Conhecendo o colo do útero a gente não precisa passar pelos exames desagradáveis e pelas filas de espera nos hospitais, semestralmente a gente pode analisar nosso colo do útero e fazer um teste simples, em casa, com iodo para saber se possuímos células cancerígenas. Conhecer nosso corpo não pode se limitar a parte externa dele. O colo do útero é uma porta para todo um universo da potencialidade feminina. Alguém aqui já viu seu colo no útero? Tocou no seu colo do útero? A experiência é transformadora, você vai sentir uma superfície com a textura da sua bochecha com um furinho dentro da sua vagina. A sensação é essa, como se fosse estar tocando na sua bochecha mais ainda mais fofinha e molhada. Se você tiver parido o furinho (por onde passa o sangue, bebê, espermatozoide) no seu colo do útero é maior, se você tiver ovulando ele muda de lugar, e assim, pouco a pouco, toque a toque, ciclo à ciclo você passa a conhecer seu interior. O caminho para encontra-lo é mais fácil do que se imagina, não precisa de plano de saúde, não precisa de carteirinha do SUS, não precisa nem sair de casa, na verdade, primeiro deve-se sair de casa para adquirir um aparelhozinho de plástico baratinho, ou encomendar pela internet chamado “espéculo”, custa cerca de três reais (R$3,00) depois é só juntar uma lanterna velha e um espelho de maquiagem e pronto: “prazer, colo do útero”. A jornada é intensa e assustadora.
Fica a dica, fica ligada, toca no corpo, visualiza teu colo. Não podemos continuar a depender da ginecologia corporativista com seus exames desagradáveis e degradantes para cuidar dos nossos corpos, não precisamos estar semestralmente sendo apalpadas e tocadas por outras pessoas, precisamos nós mesma tocar nossos corpos, ter autonomia sobre ele, nosso corpo é nosso, não é do estado, não é do médico, não é do Congresso. Existe uma série de exercícios que nós mulheres devemos fazer para colocar em prática nossa autonomia: conhecer o ciclo menstrual, ejaculação feminina, autoexame ginecológico (que inclui conhecer o colo do útero); apalpação do útero; apalpação dos seios, e viver. Nós somos ciência viva.
Imagem: Duda Antonino