gênero e sexo diferença

Os seres humanos, como a vasta maioria das espécies, reproduzem-se sexuadamente. Isso significa que a reprodução da nossa espécie é alcançada através da fusão entre um gameta feminino e um gameta masculino para produzir um novo organismo. Em casos normais, cada organismo produzido será inequivocamente ou fêmea ou macho, e produzirá os gametas adequados para os fins da reprodução sexual.

As categorias de fêmea e macho são portanto categorias biológicas gerais que se aplicam a todas as espécies que se reproduzem sexuadamente. Os humanos não são especiais a esse respeito. Embora a linguagem que usamos para descrever tais fatos biológicos e os valores a eles atribuídos seja moldada pela cultura, os próprios fatos existem independentemente da cultura ou do nosso entendimento social sobre eles. Tenhamos ou não a linguagem com a qual descrevê-lo, as fêmeas continuarão a produzir gametas grandes e não móveis (ovo), e machos continuarão a produzir gametas pequenos e móveis (espermatozoide).

Gametas grandes e não móveis = fêmea. Gametas pequenos e móveis = macho.

Os humanos, assim como a maioria das espécies e todos os mamíferos, são sexualmente dimórficos. Isso significa que organismos femininos e masculinos da mesma espécie são distinguíveis uns dos outros, devido às diferenças em sua anatomia e fisiologia: seus caracteres sexuais primários e secundários. Em fêmeas humanas, os níveis de estrogênio relativamente mais altos levarão ao desenvolvimento de uma vulva, vagina, ovários, útero, seios e uma variedade de outros marcadores fisiológicos. Em machos humanos, os níveis relativamente mais altos de testosterona levarão ao desenvolvimento do pênis, testículos, engrossamento da voz e crescimento dos pelos faciais na puberdade, e uma variedade de outros marcadores fisiológicos. De novo, humanos não são especiais a esse respeito. Embora a linguagem usada para descrever tais fatos biológicos e os valores a eles atribuídos varie conforme a cultura, os próprios fatos existem independentemente da cultura ou do nosso entendimento social sobre eles. Tenhamos ou não a linguagem com a qual descrevê-lo, na puberdade as fêmeas humanas começarão a desenvolver seios e a menstruar.

Como mencionado anteriormente, em casos normais, a criança que nasce como resultado da reprodução humana é inequivocamente fêmea ou macho e facilmente reconhecida como tal, como consequência dos órgãos sexuais visíveis que se desenvolvem no útero. Em uma pequena porcentagem de casos, a criança é intersexual. Isso significa que os caracteres sexuais exibidos pela criança são tais que não seja possível fazer uma classificação simples de fêmea ou macho. Embora seja difícil fazer uma determinação nítida da prevalência de condições intersexuais, devido à gama de diferentes fatores biológicos que podem causá-las, estima-se que cerca de uma em 2.000 crianças nascerá visivelmente intersexual. O fato de que alguns humanos sejam intersexuais de modo algum diminui a verdade do dimorfismo sexual, da mesma forma que o fato de que alguns humanos nascem sem os membros inferiores diminui a verdade da afirmação de que os humanos são bípedes.

Em todos aqueles casos em que a criança é inequivocamente fêmea ou macho, o sexo biológico da criança é reconhecido ao nascer: crianças fêmeas são chamadas de meninas, crianças machos são chamadas de meninos. Identificar corretamente a genitália que uma criança possui e portanto o sexo biológico ao qual pertence não é uma questão de atribuir gênero à criança; é simplesmente reconhecer os fatos biológicos e dar-lhes o rótulo biológico correto. Tenhamos ou não a linguagem com a qual descrevê-lo, fêmeas e machos humanos existirão. Crianças com vulva continuarão a ser paridas, crianças com pênis e testículos continuarão a ser paridas, chamemos ou não de meninas e meninos (e chamemos ou não aqueles órgãos por aqueles rótulos. Um pênis é anatomicamente um órgão diferente de um clitóris, não importa o nome que você der).

Se você faz xixi com ele, não é um clitóris. Chamar teu pênis de “clitóris grande” não faz dele feminino.

Para resumir até aqui: apesar da existência de alguns casos incomuns que desviam da norma, a vasta maioria dos humanos possuem os caracteres anatômicos seja de um sexo ou de outro. Estes caracteres determinam a função reprodutiva que o indivíduo pode passar a desempenhar. Os biológicos usam os rótulos fêmea e macho para referir a estas classes sexuais. Mantenhamos ou não esses rótulos para referir às classes sexuais, deixemos ou não esses rótulos serem cooptados para significar outras coisas e, assim, perdermos a nossa linguagem para descrever esses fatos biológicos básicos, tais fatos biológicos básicos permanecerão. Todo ser humanos que já existiu foi criado através desse mecanismo, e demorou muito trabalho reprodutivo árduo e perigoso por parte de suas mães para chegarem até aqui.

Não há nada remotamente opressor ou injusta em rotular corretamente o sexo biológico de uma criança com base na sua genitália, e portanto identificar corretamente seu potencial papel reprodutivo. Sequer há nada essencialista ou determinista sobre essa classificação. Reconhecer que, com base na sua biologia, apenas metade da nossa espécia é potencialmente capaz de conceber e gestar jovens vivos, também não reduz pessoas fêmeas àquela função reprodutiva, nem a prescreve como necessária a elas. Entretanto, negar este fato biológico básico torna a biologia feminina indizível, que por sua vez torna impossível descrever e analisar a opressão que acompanha o viver em um corpo feminino (tal como estupro e violência sexual, falta de acesso à contracepção e aborto, prestação de cuidados de saúde materna e direitos trabalhistas para mães, falta de investimento e pesquisa em doenças do sexo feminino…)

A opressão das mulheres tem suas raízes históricas e sua justificativa ostensiva na biologia feminina e na exploração do trabalho reprodutivo feminino. Alterar a definição da palavra ‘fêmea’ para que agora signifique ‘qualquer pessoa que se acredita ser fêmea’ é não somente uma incoerência conceitual (mais sobre isso adiante); isso também remove a possibilidade de analisar a opressão estrutural das pessoas fêmeas como uma classe, ao erradicar a terminologia usada para descrever a condição material para a sua existência. (Se for necessário, salve aquele link para depois, mas leia mesmo. Leia mais de uma vez, de preferência. Vale a pena.)Além do mais, para aqueles que sentem fortemente que deveriam ter nascido fêmeas mas não nasceram, mudar a definição da palavra fêmea para que também se aplique a elas trará apenas alívio temporário para o seu sofrimento. O que angustia as pessoas disfóricas não é a existência das palavras ‘fêmea’ e ‘macho’. São os fatos biológicos subjacentes aos quais elas se referem, bem como os papéis de gênero socialmente construídos que estão associados com o ser um membro daquela classe sexual, que eles acham intoleráveis. Nenhuma dessas fontes de dor será remediada mudando o rótulo que usamos para se referir a elas. As palavras fêmea e macho são descritores neutros, e não há nada de pejorativo em ser classificado como macho. Quaisquer conotações negativas que as palavras fêmea e macho trazem à mente são provocadas pela construção social das normas de gênero associadas aos sexos, na forma de feminilidade e masculinidade; esse será o tema do próximo texto.


Tradução do texto de Rebecca Reilly-Cooper