NOTA: Esse artigo mostra conteúdo sexual e descrições de abuso infantil que podem ser perturbadores a alguns leitores. As mensagens, imagens e conversas que apresento aqui são reais.
Estou em um banheiro com a bainha de um moletom azul claro embaixo do meu queixo enquanto faço um curativo áspero ao redor da minha caixa torácica. O espelho serve como guia enquanto envolvo e envolvo repetidamente as ataduras em volta do meu sutiã esportivo, amarrando meus seios. Saio do banheiro e encontro minha equipe esperando.
“Isso parece ok?”
Recebo acenos de cabeça como resposta, como a arte de Avery direciona, então levanto meus braços e inclino a cabeça em direção à câmera. Normalmente, eu não estou em roupas consideradas para garotas adolescentes. Normalmente, eu não tenho unhas pintadas com esmalte brilhante, ou chiquinhas de cabelo neon nos pulsos. Normalmente, estou vestida, eu suponho, como uma mãe média de 37 anos. Com sapatos razoavelmente confortáveis.
Reid tira algumas fotos minhas. Ela vai com Avery para o nosso centro de comando improvisado — uma sala de jantar reaproveitada, agora coberta com quadros de cortiça, mapas, papéis e monitores de computador. As sobrancelhas de Will franzem enquanto ele rapidamente edita as fotos.
Vou para a cozinha para dar espaço para ele. Estamos nos preparando para a parte mais pesada do dia, que sabemos por experiência própria que será acelerada e emocionalmente desgastante.
“Está pronto”, Will diz do centro de comando. Alguns de nós nos reunimos em frente à tela de computador e examinamos.
“Sim, eu compro”, diz Brian. Brian é o CEO da Bark, a companhia que está liderando esse projeto. A Bark usa a Inteligência Artificial para alertar pais e escolas quando crianças estão sofrendo situações como cyberbullying, depressão, ameaças de violência — ou, nesse caso, sendo alvos de predadores sexuais. Atualmente, cobrimos cerca de 4 milhões de crianças, e analisamos ao redor de 20 milhões de atividades por dia. Observo Brian estudando a tela de computador e considero sua avaliação. Eu aceno e suspiro. Também compro.
Com a ajuda do contexto — vestimenta, plano de fundo, estilo de cabelo — e a mágica da manipulação de imagem, não estamos mais encarando uma foto minha, uma mulher adulta com pés de galinha. Estamos vendo uma foto de uma garota de 11 anos fictícia chamada Bailey, e não importa quantas vezes façamos isso, os resultados ainda são enervantes. Não porque estamos criando uma criança do nada, mas porque estamos colocando Bailey deliberadamente em perigo para mostrar exatamente quão difundida é a questão predatória para a geração Z.
A maioria das garotas de 11 anos são pré-puberes. Ainda não tiveram a primeira menstruação, e geralmente elas não usam sutiãs que são categorizados com letras e números para definir tamanhos. Seus hobbies e interesses variam, mas amplamente não estão pensando sobre relações sexuais ou órgão sexuais ou sexo de forma alguma.
Mas seus predadores estão.
“Obrigada, odeio isso”, eu brinco, citando uma frase popular da internet e ganhando uma risada compreensiva. O clima na sala é sempre um pouco sombrio, e as piadas tendem para o macabro. Talvez para alguém de fora elas pareçam grosseiras, mas para qualquer um que trabalhe lado a lado conosco, é necessário um pouco de humor para ajudar-nos no dia de hoje.
Com a foto pronta para ser lançada, todos nos dirigimos para a sala de mídia onde eu conecto um iPhone numa grande tela de TV. Sentamos em sofás e poltronas, e Nathan ajusta uma câmera de vídeo em um tripé apontado para a TV. As evidências são preciosas e mantemos as câmeras rodando para garantir que todas as interações envolvendo atividades criminosas tenham uma trilha digital para nossos contatos na aplicação da lei.
Nathan checa a iluminação e depois o áudio. Josh coloca uma pilha de moletons sobre a mesa de café e eu agradeço.
“Está pronta?”, Josh me pergunta.
“Sim,” eu minto um pouco. Nunca estarei de fato pronta.
Durante o dia, estamos todos no convés. Há chamadas a serem feitas, fotos a serem editadas, evidências a serem catalogadas. Mas à noite, sou só eu no bastão. O trabalho é frequentemente — para ser honesta — solitário. Isolador. Devastador. Essa noite, porém, vamos dividir o fardo, e sou grata pela companhia. Mas ainda sou eu onde pega fogo.
Menos de um ano atrás, Brian e eu organizamos um encontro em que tivemos um embate para encontrar a maneira exata de conversar com pais sobre o aliciamento online. No passado, quando a Bark tinha um time menor, nos deparamos com um caso particularmente angustiante de um predador online abusando de uma garota do ensino fundamental. Ela tinha apenas 12 anos, e esse homem a estava aliciando através do e-mail escolar dela, coagindo-a a enviar vídeos dela mesma performando atos sexuais. Nós sabíamos que pessoas como ele estavam por aí, mas nos surpreendemos ao ver com que rapidez e facilidade ele conseguiu manipular essa criança.
Somente em 2018, a Bark alertou ao FBI sobre 99 predadores sexuais de crianças. Em 2019? Esse número supera 300 — e ainda estamos contando. Cada um desses casos representa uma real experiência infantil que causa verdadeiro dano, e nosso desafio é ajudar pais e escolas a entender essa nova realidade. Mas como contamos histórias sem pedir para as famílias se exporem demais? Como explicarmos o aliciamento infantil a uma geração que não cresceu com esse perigo? Números, apesar de informativos, são abstratos e fáceis de encobrir.
Eu estava frustrada com o problema que estamos enfrentando, batendo minha caneta sobre a mesa da conferência, e pensando em voz alta. “Quando pais pensam sobre predadores”, sugiro a Brian, “eles pensam em alguém jogando seus filhos em um porta-malas de um carro e fugindo. Eles não pensam sobre o abuso escondido sob nossos olhos que acontece online. Num mundo perfeito, compartilharíamos nessa conversa sobre o atual predador, mas isso parece traumatizar a vítima de novo e de novo…”
Eu parei. Tínhamos andando em círculos nesse mesmo conceito.
“E se nós criássemos contas falsas para demonstrarmos aos pais o que pode acontecer online?”, Brian perguntou. Levantei as duas sobrancelhas para essa ideia. Esperei um pouco para ver se ele estava brincando. Não estava.
Isso foi há nove meses atrás. Desde então, criamos um time inteiro focado na reunião improvisada que Brian e eu tivemos naquela sala de conferências. Estabelecemos relações de trabalho contínuas com agências governamentais de aplicação da lei cujos acrônimos têm três letras. Fizemos testes, novas contratações, e inúmeras outras reuniões. Vimos prisões e sentenças. Fornecemos testemunhas para julgamentos e informações valiosas para investigações.
Minha função mudou para liderar esse novo e especial projeto feito em equipe. E para preservar a integridade desse projeto, essa equipe especial trabalha largamente nos bastidores e fora do palco. Nós não aparecemos na composição do website, e nosso perfil no Twitter mostra imagens de objetos inanimados ao invés de nossas faces reais. Brian e eu também somos a ponte entre a equipe e os agentes da lei, com reuniões regulares e atualizações de dados, assegurando que estamos sempre trabalhando não somente sob os parâmetros deles, mas também dos promotores de acusação. Ninguém quer que nosso árduo trabalho seja desperdiçado por causa de falta de evidências ou até por causa de uma dica errônea de aprisionamento.
Aqui, agora, nessa sala de reunião, não é nosso primeiro rodeio. Não é nem nosso segundo ou terceiro. Durante esses últimos nove meses, eu fui a Libby de 15 anos, a Kate de 16 e a Ava de 14. Tenho sido uma estudante do segundo ano de franjas, e uma jogadora de lacrosse criada pela tia, e uma animadora de torcida júnior ansiosa pelo baile de formatura.
Na atualidade, somos veteranos experientes — mas essa é a primeira vez que usamos uma garota tão jovem. Hoje à noite, meu peito está friamente preso e minha linguagem parece significativamente menos madura.
Hoje à noite, tenho 11 anos, e sou Bailey.
“E aqui vamos nós”, eu pronuncio no cômodo.
“Você consegue fazer isso, Sloane”, Reid diz para mim, batendo levemente no meu ombro, mas ainda seguramente. O queixo de Reid é severo e ele está para frente fixamente. Sendo uma advogada criminalista, Reid se mudou para o setor privado e se juntou à Bark assim que lançamos esse projeto. Com conhecimento em direito e experiência em crimes cruéis, Reid é uma adição bem-vinda à equipe. Para quem está de fora, um tapinha no ombro pode parecer algo rígido, mas, de Reid, parece um cuidado e apoio genuínos.
Pete — militar reformado e hoje segurança privado — que tem literalmente três vezes meu tamanho, se senta em frente a sala de estar. Essa noite certamente tem pouco risco, mas nos dias em que nos sentimos significantemente assustados, ele nos proporciona um pouco de paz de espírito.
Eu posto a foto no Instagram — um selfie genérico e inócuo de Bailey com um sorriso de orelha a orelha — e coloco uma legenda:
“entusiasmada para ver meus amigos na festa da carly nesse fim de semana! Ilsm!!” (abreviação em inglês de ‘eu te amo muito’) seguido por uma série de emojis e a hashtag #friends
A foto é postada pelo Instagram e esperamos de maneira silenciosa até que algo nesse cenário mude.
Essa parte nunca demora. Sempre é enervantemente rápido.
No início da semana, já na primeira noite como Bailey, duas novas mensagens chegaram dentro de um minuto após a publicação. Ficamos boquiabertos enquanto os números ecoavam na tela — 2, 3, 7, 15 mensagens de homens adultos ao longo de duas horas. Metade deles podem ser acusados de transferir conteúdo obsceno para menores. Naquela noite, respirei fundo e sentei-me com a cabeça apoiada nas mãos.
Nove meses nisso, e ainda nos sentimos atordoados pela amplitude da crueldade e perversão com as quais nos deparamos. Eu imagino que a tendência é esse atordoamento continuar essa noite.
“Está vindo”, diz Avery, e então todos nós olhamos para a TV. As notificações do Instagram mostram que Bailey tem três novos pedidos de conversa.
“Oi! Estava apenas me perguntando: há quanto tempo você é modelo?”
“Rsrsrs. Não sou modelo”, digito apressadamente, apertando enviar.
“Não!”, ele responde, cheio de falsa incredulidade. “Você está mentindo! Se não é, você deveria ser uma modelo! Você é tão BONITA!”
@ XXXastrolifer aparenta estar nos 40 e poucos, mas ele diz a Bailey que tem 19. Quando ela diz que tem apenas 11 anos, ele não vacila.
A próxima mensagem é de outro homem que cumprimenta Bailey de maneira inofensiva.
“Olá! Como você está essa noite?”
“Oi, estou bem e você?”
“Eu vou bem, obrigado. Você é uma garota muito bela.”
Eu ouço Josh murmurar ao meu lado: “Como um relógio.”
“Uau! Obrigada!”
“É a verdade. Eu amo suas fotos aqui. Sua mãe e seu pai já deixam você ter um namorado?”
Bailey diz que não, mas também diz que isso não é algo sobre o qual eles conversam muito. Pergunto aos pais que estão comigo no cômodo. Eles concordam. Ter um namorado não é algo que passe na cabeça de uma menina de 11 anos de idade.
“Talvez eu possa ser seu namorado de Instagram se você quiser. A decisão é sua.”
Faço uma pausa para responder @ XXXastrolifer . A conversa termina como a maioria delas acaba — dentro de cinco minutos ele envia a Bailey um vídeo dele mesmo se masturbando.
“Você gosta disso? Já viu um desses antes?”
Volto minha atenção novamente para @ XXXthisguy66, aquele que seria o namorado de Instagram. Em questão de minutos a conversa foi de “Um namorado de Instagram significa que podemos conversar, mandar selfies um para o outro, e apenas estarmos lá um para o outro” para “Já que estamos juntos, você está pronta para trocar selfies sexy?”
Ela tem 11 anos, e não entende muito bem o que ele quer dizer. Ele envia uma foto de seu pênis ereto, pede uma foto dela sem camisa, e assegura a ela que ele sabe ensiná-la como proceder.
“Bem, muitos namorados gostam quando suas namoradas fazem um boquete neles. Você sabe o que isso significa?”
“Não, não sei.”
“Isso significa que você pega o pau com suas mãos e depois o coloca na sua boca e então você o chupa como se estivesse chupando seu dedão da mão.”
“Não entendo isso”, Bailey responde.
“Você pega meu pau. O coloca na sua boca, e então você o chupa.”
“Deus!”, Reid interjeita, e eu olho para ela. “A primeira conversa de uma criança sobre sexo não deveria ser com um homem que quer estupra-la.”
Retorno à tela a minha frente.
“Mas, por que? ”
“Algumas garotas gostam, mas é bem gostoso para o garoto. É apenas algo que garotos gostam. Mas o que um garoto e uma garota realmente gostam de fazer juntos é se eu colocar meu pau entre suas pernas e enfiá-lo em você. O nome disso é sexo. Ou foder.”
“Oh. Eu aprendi sobre sexo.”
“Assim que tiver uma chance, me envie uma foto sua sem camisa, ou me envie uma foto do que existe entre suas pernas. Eu realmente gostaria disso.”
“Que tipo de foto? Entre minhas pernas?”
“Você conhece sua vagina? Algumas pessoas a chamam de perereca. Eu gostaria de vê-la. Porque é aí que meu pau entra. Mas eu gostaria de ver seu peito também.”
“Eu realmente não tenho seios ainda”, Bailey responde. Ela não tem. Ela usa um sutiã para o ritual e camaradagem do treinamento, mas na verdade ela não precisa de um. Não ainda.
“Tudo bem. Tenho certeza de que você parece ótima da mesma forma. Eu chuparia seus mamilos de qualquer jeito.”
“Eu não sou boa nesse negócio de tirar fotos de corpo.”
“Tudo bem. Você poderia enviar uma foto de você chupando seu dedo? Dessa forma posso imaginar você me fazendo um boquete como conversamos antes. Eu te enviarei outra foto do meu pau.”
Ele envia.
Eu saio da conversação com @ XXXastrolifer e vejo outros nove pedidos pendentes. Meu telefone toca alto através das caixas de som da TV, surpreendendo a todos nós. É uma vídeo chamada do Instagram de um novo predador.
Eu tomo a rápida decisão de pegá-lo, largo o telefone, troco minha camiseta por um capuz. A equipe na sala sabe o que estou fazendo.
“Fiquem quietos, todos”, Nathan atesta o desnecessário. Com o capuz levantado e a sala mal iluminada, inclino a cabeça para obscurecer meu rosto e atender à chamada. Dominique, à minha esquerda, permanece alerta. Ex-figurinista, suas habilidades com peruca e maquiagem de palco são incomparáveis. As fotos das minhas personagens lado a lado nem parecem estar relacionadas. Eu sou latina. Sou parte asiática. Sou loira. Sou ruiva.
Damos as boas-vindas a um homem de sotaque britânico, com respiração pesada e sussurrando ao telefone.
“Hey. Como você está? Quero te ver.” Ele inclina o telefone, e está deitado na cama e sem camisa. Eu elevo minha voz uma oitava.
“Ummmmmmm. Sou tímida.”
“Não, bebê, não. Não seja tímida.” , ele canta. Sua voz suave e persuasiva.
“Eu não aguento essa porra!”, diz Will, e ele sai da sala, balançando a cabeça.
A regra na Bark é que podemos fazer uma pausa sempre que quisermos. Podemos dar um passo para fora em qualquer momento que sentirmos necessidade. Podemos pegar fôlego, podemos marcar uma sessão de terapia. Podemos até sair da equipe.
Isso me inclui, e eu sou o rosto (manipulado) das nossas personagens.
Ao final de duas horas e meia, eu tive sete chamadas de vídeo, ignorei cerca de uma dúzia de outras, conversei por texto com 17 homens (alguns já haviam me enviado mensagens antes, se atendo à esperança de ter mais interações), e vi a genitália de 11 deles. Também recebi (e subsequentemente neguei) vários pedidos de nudez acima da cintura (apesar de deixar claro que os seios de Bailey ainda não se desenvolveram) e pedidos de nudez abaixo da cintura.
Os roteiros que vemos são largamente os mesmos.
Você é tão bonita.
Você deveria ser modelo.
Sou mais velho do que você.
O que você faria se estivesse aqui, bebê?
Você tocaria meu pau se estivesse aqui?
Você já viu um pau antes?
Bebê. Eles continuam chamando ela de bebê sem um pingo de ironia.
Bebê, você é tão linda.
Converse comigo, bebê.
Eu quero colocar meu pau na sua boca, bebê.
Apenas atenda minha vídeo chamada, bebê.
Não seja tímida, bebê.
Bailey é uma criança. Assim como Libby, Kait, Ava, Alessia, Lena, Isabella. Todas as minhas personagens são crianças — legalmente, emocionalmente, fisicamente, intelectualmente. Elas não têm agência, nem capacidade para consentir. Talvez a sociedade ame apontar dedos e culpar as vítimas (O que ela estava vestindo?), mas a resposta continua sendo a mesma. Elas são todas crianças. E em qualquer caso de abuso, a culpa nunca é da criança.
Agora é por volta de meia noite. Eu parei de aceitar vídeo chamadas há uma hora atrás, mas meus dedos estão digitando febrilmente. Meu cabelo está preso atrás da cabeça em um rabo de cavalo e eu estou bebendo água como se tivesse corrido meia maratona. “O corpo mantém a pontuação”, como diz o ditado, e meu corpo está pedindo trégua. A parte de trás da minha camiseta está úmida, meus olhos estão turvos, meu pescoço dói e meu coração está um pouco enjoado.
Durante uma semana, 52 homens alcançaram uma garota de 11 anos de idade. Constatamos essa estatística enquanto desligávamos a TV e a câmera de vídeo com sobriedade.
O trabalho — enquanto não necessariamente físico — cobra emocionalmente. A maioria de nós têm filhos jovens, alguns de nós com filhos das idades das personagens criadas. Chega muito perto de casa, mas você não precisa ser pai ou mãe para se sentir devastado pela predação dos mais vulneráveis da sociedade.
É fim de noite, mas cada conversa e foto precisam ser classificadas, organizadas e empacotadas para serem enviadas aos nossos contatos na polícia. Qualquer instância de material de abuso sexual infantil é enviado ao NCMEC, o Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas.
Eu envio uma mensagem para o agente da lei com quem trabalho e com o qual tenho mais afinidade e dou a ele uma atualização. Todos nos arrumamos para irmos para casa, e, francamente, todos parecemos um pouco machucados. Não consigo escrever essa linha sem parecer completamente auto engrandecedor, mas a dolorosa verdade é que esse trabalho é difícil e angustiante, e, literalmente, nos mantém acordados de noite. Nós poderíamos simplesmente parar. Apertar os freios. Desviar nossa atenção para o dia a dia da empresa.
Mas a simples verdade é que nós sabemos o que está em risco. A vitória mais óbvia — estamos ajudando a identificar predadores sexuais não apenas para as autoridades levarem-nos à justiça, mas para prevenir que mais crianças sejam abusadas. Nós também estamos educando pais e escolas a respeito da inacreditável realidade que existe no espaço virtual. E de um ponto de vista técnico, essas conversações que tanto reviram o estômago, estão treinando a Inteligência Artificial da Bark, para se tornar cada vez melhor em monitorar sinais de aliciamento.
Eu penso a respeito dos meus filhos. A respeito dos filhos do meu colega de trabalho. A respeito de mim mesma décadas atrás como uma jovem, incerta, e impressionável tween (criança entre 9 e 12 anos) e depois adolescente. Eu penso como me sentiria se eu fosse a Bailey. Como eu manteria os abusos para mim mesma, por medo de me julgarem culpada e me fazerem sentir envergonhada. Como eu teria sofrido secretamente e quietamente. Como eu seria uma vítima silenciosa. Como eu não desejo isso para nenhuma outra criança — minhas próprias ou de outros.
A brutal realidade é que o predador não precisa estar no mesmo cômodo, prédio ou inclusive no mesmo país para abusar uma criança. E é isso que eles estão fazendo — sujeitando crianças a abusos psicológicos e sexuais.
Conhecer como se dá o aliciamento na internet não é um fardo. Não mesmo. É um presente. Um que nos ajuda a virar a mesa contra os predadores. Nosso trabalho já teve como resultado a prisão de pessoas que se demonstraram propensas e desejosas de ferir crianças. A tecnologia mudou e junto com ela também mudou a forma e os métodos dos quais predadores se dispõem para encontrar, se comunicar, e machucar crianças. Se eles podem usar tecnologia para abusar crianças, nós podemos usar a mesma tecnologia para impedirmos seus crimes.
Em casa, eu não sou Bailey. Eu sou uma mãe de 37 anos em meias de lã, enchendo a máquina de lavar louças e ajudando meus filhos no dever de casa. Um dos meus filhos está aprendendo sobre ditados, provérbios e sotaques. Ela os lê em voz alta, de seu notebook. Aguente o tranco. Em bons e maus momentos. Mate dois coelhos com uma cajadada só.
“Mãe”, ela olha para mim, com o lápis posicionado no ar. “Você concorda que ignorância é uma ‘benção’?” Lavo minhas mãos e as seco em um pano de prato. Eu olho para ela, que está fazendo anotações. Eu sou uma mãe suspeita para dizer isso, mas ela é uma maravilha. Cheia de alegria e inteligência e curiosidade, assim como imagino que Bailey seria.
“Não, querida. Eu não concordo com isso”, eu digo resolutamente, puxando uma cadeira para me sentar perto dela na mesa da cozinha. Apoio-me nos cotovelos e espio o dever de casa. “O conhecimento é uma dádiva”.
Repito isso para mim mesma enquanto me levanto e limpo o balcão. Eu acredito nisso. E mesmo nos piores dias, levo isso a sério.
Isenção de responsabilidade: com muita cautela e devido a investigações criminais pendentes, nomes — incluindo o do autor — e detalhes irrelevantes foram editados por questões de privacidade e clareza.
Texto de Sloane Ryan, 14/12/2019, original pode ser lido aqui.
Excelente trabalho, precisamos disso aqui também
Lendo me dei conta de que quando eu era nova , uns 13 anos, eu estava super empolgada com o surgimento da internet , e usava um aplicativo pra baixar músicas que tinha a opção de conversar com as pessoas… não tinha como mandarem foto no aplicativo, mas chegavam com esse mesmo papo de “você é modelo?” “você é muito linda…” e afins (affz…) e perguntavam de namorado e eu sempre dizia que não queria saber disso, mas isso era tão frequente… imagina se pudessem me mandar fotos?! O assédio seria muito mais pesado e traumatizante. Como proteger as crianças de estarem tão expostas? Essa é uma discussão que devemos ter!!!
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