Não tem sido popular na atualidade falar sobre sexo biológico em círculos progressistas. Para os não-iniciados, liberais estão obcecados com a ideia de “identidade de gênero”- ou a ideia de que coleções de estereótipos particulares com os quais você se associa ditam seu sexo.
Feministas, no entanto, estão lutando contra essa ideia. É por isso que sexo biológico importa no feminismo:
Gênero é uma ferramenta do patriarcado
Gênero significa diversas coisas atualmente. Tradicionalmente, “gênero” tem sido uma palavra política para “sexo”, desde que a palavra “sexo” é usada para se referir a relações sexuais. A fusão desses dois conceitos parece surgir com a preocupação de propriedade no discurso público, mas teve consequências duradouras.
Nos círculos liberais modernos, “gênero” foi associado com a ideia de “identidade de gênero”, que, de acordo com o website de Merriam-Webster, quer dizer:
“O sentido interno de uma pessoa de ser masculina, feminina, uma combinação entre os dois ou nenhum deles.”
Eu já falei um pouco sobre esse conceito, e enquanto algumas pessoas possam ter esse sentimento interno, a maioria (se não todos) não o têm. Para aqueles que têm, é largamente claro que é baseado em estereótipos sexuais, autoginefilia, ou misoginia internalizada.
No entanto, quando feministas falam de “gênero”, elas estão se referindo a papéis sexuais (papéis de gênero), “os papéis sociais que abrangem uma série de comportamentos e atitudes, que geralmente são consideradas aceitáveis, apropriadas, ou desejáveis para pessoas baseado em seu sexo biológico ou percebido.”
Feministas enxergam a mera existência de papéis sexuais como opressão patriarcal e querem aboli-los. Uma das razões principais para isso é que mulheres quase sempre são consideradas inferiores sob a hierarquia de gênero. Isso acontece de várias maneiras, incluindo 1) receber características inerentemente menores por meio de estereótipos (por exemplo, “mulheres são fracas” e “homens são mais espertos que mulheres”) ou 2) por meio da desvalorização cultural de características associadas às mulheres (por exemplo, valor de mercado relativo ao trabalho físico vs trabalho emocional). Em uma hierarquia patriarcal, as mulheres sempre perdem quando os papéis de gênero são atribuídos.
Portanto, feministas sempre irão discordar de qualquer ideologia que perpetua normas de gênero, mesmo que esteja embrulhada em um novo papel brilhante. Feministas querem poder expressar a si mesmas (conquanto que não estejam machucando ninguém), no entanto elas querem estar livres de assédio, violência ou discriminação. A ideologia moderna de gênero não tem esse objetivo, ela simplesmente fornece novos meios para pessoas se conformarem às normas de gênero (ex. se você é um garoto que gosta de Barbie e ballet — você deve ser, na verdade, uma garota).
Se sexo não é real, então também não o é o sexismo
Propositores da “teoria queer”, a estrutura ideológica predominante que impulsiona a ideologia de gênero, argumentam que o sexo biológico não é “real”, portanto as pessoas podem mudar de sexo.
Claro, poderíamos ter uma conversa filosófica sobre o que é real e o que não é. Talvez eu não seja real — talvez você não seja, mas não é esse o ponto deles. Eles dizem que o sexo biológico não é binário, e que o sexo humano é mutável (capaz de ser mudado). Propositores dessa ideologia frequentemente dizem se amparar em “ciência”, apesar do fato de que nunca existiu um estudo científico de revisão da literatura publicado que classifica o sexo do homo sapiens como um espectro.
Para ser clara, essas são as definições de ser do sexo feminino e masculino:
“Sexo feminino: relativo a ou ser do sexo tipicamente que tem a capacidade de gestar e que produz ovos.”
“Sexo masculino: relativo a ou ser do sexo tipicamente capaz de produzir pequenos e, usualmente, gametas moveis (como esperma e espermatozoide) que fertilizam os ovos de uma pessoa do sexo feminino.”
Os ideólogos de gênero frequentemente usam indivíduos com distúrbios de desenvolvimento sexual (DSDs) como peões para provar que sexo é um espectro. Claire Graham, uma ativista intersexo, escreveu extensivamente porque essa comparação é falsa, irrelevante e desumana para com as pessoas com condições intersexuais. Pessoas com DSDs são homens ou mulheres que têm um distúrbio no desenvolvimento — o que significa que algo deu errado ao longo do caminho. A existência de pessoas nascidas com Syndactyly, por exemplo, não significa que os humanos normalmente não têm 10 dedos das mãos e dos pés.
Apesar da extensão absoluta desses argumentos, os ideólogos de gênero ainda afirmam que o sexo biológico não é real, é socialmente construído e é “atribuído ao nascimento”. Essa terminologia é, mais uma vez, uma apropriação da comunidade intersexo — cujos órgãos genitais podem ser cirurgicamente modificados sem consentimento no nascimento para parecerem naturalmente homens ou mulheres. Na realidade, na grande maioria das vezes, o sexo é observado no nascimento (ou mais cedo). E é amplamente observado de maneira correta.
O fato de sexo ser real importa para feministas porque lutamos contra o patriarcado — a dominância do sexo masculino sobre o feminino. Dizer que sexo biológico não é real ou não importa é o mesmo que dizer que o sexismo não é real.
E se claramente não é real o grupo definido “mulheres”, então não existe violência contra as mulheres, não há assédio no trabalho, não há mutilação genital em jovens mulheres (também conhecidas como “meninas”), e não há casamento forçado ou escravidão sexual de mulheres.
É por isso que geralmente feministas associam a ideologia de gênero como ferramenta trabalhando junto a ativistas de direitos dos homens (MRA), que também negam a realidade do patriarcado e as experiências reais de violência masculina nas vidas das mulheres. Mas a violência masculina é real:
– 90% dos abusadores sexuais de mulheres são homens
– 93% dos abusadores sexuais de homens são homens
– 95% dos abusadores sexuais de crianças são homens
A ideia de que o sexo dos humanos é mutável é uma forma de culpar a vítima, argumentando que mulheres simplesmente podem evitar violência patriarcal e discriminação se tornando homens. Não surpreende a quantidade de meninas que estão buscando se identificar para fora da mulheridade.
Mas as feministas sabem a verdade — não importa sua “identidade” autodeclarada, humanas do sexo feminino sempre estarão vulneráveis à violência de humanos do sexo masculino, enquanto vivermos em um patriarcado.
Um estuprador não pergunta a uma mulher qual é sua “identidade” antes de estuprá-la.
Pais na Somália não irão perguntar para as garotas “Você tem certeza de que não é um menino?” antes de mutilar seus genitais.
Uma estudante na Índia não será capaz de regular seus ciclos menstruais para não sangrar ao declarar que se identifica com uma espécie de criança a qual é permitido ir à escola.
Uma mulher grávida em Honduras não será capaz de fazer um aborto magicamente, ao simplesmente explicar “Espere, na verdade sou um homem!”
Sexo importa na vida das mulheres. Negá-lo é negar os tijolos fundamentais da construção do patriarcado. Negar que sexo é real ou que importa, é ser especificamente anti-feminista.
Se mulheres não conseguirmos definir a própria existência, então não podemos nos organizar para discutir o que nos afeta
Uma das consequências mais insidiosas foi que a negação da realidade do sexo biológico está impactando o feminismo e a capacidade de nos organizar dentro da nossa própria classe oprimida.
Feministas não reconhecemos mais a necessidade de nos juntarmos a outras feministas, em espaços sem homens, para nos organizar, nos apoiar, e aumentar a nossa consciência. No entanto, transativistas que aderiram ao discurso extremista de gênero convenceram os “progressistas” que essas coisas não somente são proibidas, mas a tentativa de fazê-lo traz uma justificativa da violência masculina contra mulheres.
Os ataques ao Vancouver Rape Relief (VRR — Alivio de Estupro de Vancouver, em tradução livre) nos mostram isso claramente. VRR é um coletivo de mulheres que se organizou para prover serviços às mulheres vítimas de violência doméstica, incluindo um abrigo. Apenas mulheres podem ser membras do coletivo, o que originou uma série de ameaças odiosas e ataques de homens que desejam forçar suas entradas em espaços exclusivos femininos (a sublimação do estupro nessas circunstâncias é irônica, para dizer o mínimo).
O ativista transgênero Morgane Orger encorajou a prefeitura a cortar $30.000 dólares do orçamento do abrigo. Mais tarde, o abrigo foi vandalizado por ameaças de violência e teve um rato morto pregado em sua porta.
Outras mulheres que tentam se organizar sem homens têm que contratar seguranças adicionais, se encontrar em segredo, e enfrentar agressões físicas reais de transativistas que querem retirar das mulheres o direito de nos organizarmos.
Se você nega às mulheres o direito de se organizarem em termos de sexo biológico, o eixo pelo qual somos oprimidas, então você não é feminista. Você é uma ferramenta do patriarcado.
Sexo biológico é real, e importa para feministas
Dizer que mulheres que dizem acreditar que sexo biológico é relevante para o feminismo são “odiosas”, “violentas” ou “intolerantes” é, no mínimo, desinformação, e propaganda de ódio intencional na pior das hipóteses. Transformar o feminismo num tabu tão grande que ONGs têm medo de dizer como usar a palavra “mulher” e feministas estão com medo de se organizarem sem homens não fez nada para mover mulheres a favor da libertação nossa libertação.
Na verdade, o patriarcado usou de um enorme jogo contra as mulheres — e muitas de nós caímos. Eu caí nessa, também, por um tempo. Se foi dito a você que sexo biológico não importa para o feminismo, é hora de questionar a quem realmente beneficia essa ideologia. Eu prometo que não são mulheres.
Texto original de M. K. Fain, 22/12/2019, original pode ser lido aqui.