Se você quiser fazer um breve experimento social, pergunte a seus amigos se é errado adultos fazerem sexo com menores de idade. Aposto que a maioria diria sim. Agora pergunte se o que David Bowie fez, sexo com uma fã de 15 anos, foi errado.* Se seu círculo social for como o meu, você pode ganhar respostas diferentes.
*Aqui no Brasil temos exemplos mais próximos e que além de tudo tocam nessa questão cinza dos 14 aos 18 anos, quando não é estupro de vulnerável independente da vontade da/o menor:
1. Caetano Veloso e Paula Lavigne — é dito que começaram a “namorar” quando ele tinha 40 e ela tinha 13 anos, mas só assumiram quando ela tinha 17. Esse é um caso de estupro de vulnerável ainda que fosse da vontade dela.
2. Marcelo Camelo e Mallu Magalhães — ele com 30 anos e ela com 16. Ainda que eu achasse que com 16 anos alguém pudesse fazer escolhas como um adulto, vendo a Mallu com 16 anos dá pra perceber que era uma criança. (Vide esses vídeos de entrevistas na época: aqui, aqui, aqui e aqui)
Ganhar vantagem de um(a) menor de idade tipicamente é considerado uma das coisas mais repugnantes que uma pessoa pode fazer na cultura ocidental. Mas, como a maioria dos crimes sexuais, as opiniões das pessoas mudam quando a situação não tem o ideal de “vítima perfeita”.
Se a/o menor for adolescente, ao invés de pré-púbere; se a/o adolescente deu autorização verbal; se o infrator é alguém que nós realmente gostamos e admiramos. Qualquer um desses casos pode fazer pessoas mudarem de “Isso é horrível!” para “Talvez não seja grande coisa.”
No caso do David Bowie, um fator que complica é que a adolescente em questão — hoje uma adulta — não se sentiu lesada pela experiência, e na verdade parece satisfeita e orgulhosa sobre o ocorrido. Por algumas semanas após a morte de Bowie (e o subsequente ressurgimento da história), meu feed nas mídias sociais era um cabo de guerra entre “Ela ficou bem, então o que Bowie fez foi ok.” e “Sexo com menor de idade é sempre errado; ela é uma vítima quer saiba ou não!”
Eu não acho que nenhum dos pontos de vista está inteiramente correto.
Não é ok insistir para que alguém se identifique como vítima, ou dizer que eles devem ter sido lesados por algo se não é sua experiência. Eu mesma tenho alguns amigos/as que tiveram experiências sexuais com adultos enquanto ainda eram adolescentes, e não sentem que foi danoso para eles/as. A experiência vivida por uma pessoa é sempre válida.
No entanto, apenas porque nem toda/o adolescente é machucado por fazer sexo com alguém maior de idade que significa que é algo ok de se fazer. A maioria de nós conhece pessoas que dirigiram bêbadas e chegaram seguras em casa sem se machucar ou machucar alguém. Isso faz dirigir alcoolizado ok?
Claro que não.
Porque a questão não é “É em todo e qualquer caso prejudicial?”. A questão é: “Isso tem uma grande probabilidade de lesar uma pessoa?”. E tanto no sexo com menores de idade como dirigir embriagado a resposta é sim.
Sexo com adultos pode ser extremamente prejudicial para adolescentes. O desequilíbrio causado pela diferença de idade significa que a/o adolescente pode facilmente se sentir pressionada/o a fazer sexo mesmo se não quiser ou estiver insegura/o sobre isso. Essa coerção pode levar a todos os efeitos nocivos de qualquer violência sexual: depressão, auto-estima baixa, transtorno de estresse pós-traumático e pensamentos suicidas. Jovens adolescentes que fazem sexo com pessoa mais velhas têm mais tendências a contrair doenças sexualmente transmitidas, ter uma gravidez não planejada e desenvolver dependência química mais tarde na vida.
Dados esses riscos, como pessoas podem justificar adultos fazendo sexo com adolescentes?
Ainda assim eles justificam. Aqui tem algumas maneiras sobre como e porque ainda assim não é ok.
1. ‘Mas a/o adolescente iniciou’
De Lolita até “Don’t Stand So Close To Me” (The Police) a cultura ocidental tem várias referências sobre garotas jovens buscando sexo com homens adultos. Geralmente a narrativa é da perspectiva do adulto e descreve a adolescente como uma sedutora perigosa, balançando sua sexualidade em frente ao homem mais velho.
Claro, se você de fato ler Lolita, você verá apresentado um cenário bem mais realista: O homem adulto escolheu e preparou seu alvo, e ele tira vantagem da queda que ela tem por ele para colocá-la em uma relação sexual que ela não está preparada.
Olha, eu tive quedas por adultos quando era uma jovem adolescente também. Eu sonhava acordada em ser levada pelo Harrison Ford ou Pierce Brosnan. E se uma dessas pessoas tivesse por perto e mostrado interesse em mim quando adolescente, eu teria ficado deslumbrada e empolgada, e extremamente vulnerável.
Mas só porque teria sido emocionante não quer dizer que teria sido bom pra mim.
Até nos casos em que a/o adolescente realmente inicia as coisas, isso não quer dizer que o adulto deve prosseguir — porque ainda não é a mesma coisa que dois (ou mais adultos) consentindo o sexo. E porque cérebros adolescentes são diferentes de cérebros adultos — que é inclusive porque temos a distinção de menor e maior de idade.
No começo da adolescência a parte do cérebro ligada à busca por fortes sensações e decisões mais arriscadas se põe em marcha para a maioria. Essa é uma parte importante para nosso desenvolvimento em adultos independentes que vão ajudar a modelar o mundo. Infelizmente, a habilidade de pensar em consequências a longo prazo e negar nossos impulsos quando nós sabemos que é uma má ideia demora um pouco para aparecer. Na verdade, a maioria dos cérebros das pessoas não desenvolve completamente essas habilidades até os vinte e poucos anos.
Isso faz com que tenham vários anos em que os adolescentes estejam vulneráveis para tomar decisões que parecem sensatas, mas são na realidade muito, muito, ruins para eles.
Adultos que estão em contato com vidas de adolescentes devem ajudá-los a fazer escolher que são saudáveis para eles. Tomar uma decisão para um adolescente não é conveniente, mas também não ajuda aceitar qualquer coisa que o adolescente ache uma boa ideia no momento.
Quando se trata de sexo, adolescente precisam de adultos que os deem informação apropriada e liberdade para quem explorem a sexualidade de maneira saudável, sempre se concentrando nas necessidades da/o adolescente. Fazendo sexo com adolescentes não é uma maneira de fazer isso — mesmo se eles disserem que é o que querem.
2. ‘A/o adolescente é muito madura/o — idade é apenas um número’
Eu tenho uma amiga que é brilhante, e desde muito nova. Quando adolescente ela falava de filosofia, ela lia livros de faculdade, tinha muita inteligência emocional e discernimento, tanto na esfera pessoal quanto na interpessoal. Em todos esses aspectos ela era uma adolescente muito madura.
Ela era exatamente o tipo de pessoa que muitas pessoas apontam quando dizem “Eu concordo que na maioria das vezes adultos não devem fazer sexo com adolescentes, mas ESSA adolescente é tão madura, ela já é quase uma adulta!”
E, ainda assim, essa minha amiga, com toda sua sabedoria e auto-conhecimento, foi severamente afetada por muitas das suas experiências sexuais quando adolescente.
Nós falamos sobre “maturidade” como se fosse um único conceito, mas na realidade existem diferentes tipos de maturidade. Maturidade pode incluir diferentes habilidades: lidar com emoções fortes, compreender ideias, entender como os outros nos veem, estar em contato com nossas necessidades sexuais, e mais. A maioria das pessoas aprimora essas habilidades enquanto crescem, mas não todas de uma vez nem no mesmo ritmo.
Adultos frequentemente erram ao olhar para uma habilidade do adolescente e julgar toda sua “maturidade” baseado naquele aspecto. Incapaz de conter uma crise emocional? Nós os julgamos imaturos, e os tratamos como uma criança que precisa ser controlada. Qualificada em ler e responder a complexas situações sociais? Nós os julgamos maduros, e os tratamos como um adulto que pode aguentar toda a responsabilidade da tomada de decisões e da autoproteção.
De novo, o que adolescentes realmente precisam são de adultos que os ajudem a navegar as complicações de ter um cérebro que está se adiantando em umas áreas e parado em outras.
O que eles NÃO precisam é adultos que usam suas habilidades avançadas em certas áreas como desculpa para sobrecarregá-los com os pesos da vida adulta — incluindo o peso de proteger seu próprio bem-estar sexual em uma relação desigual.
3. A/o adolescente já é sexualmente ativa/o
Outra razão pela qual pessoas frequentemente dizem “Ah, é ok nesse caso” é quando a/o adolescente já é sexualmente ativa/o, ou demonstra muito interesse em sexo ou na sexualidade.
Frequentemente presumem que meninos são sexualmente vorazes independente de seu histórico, enquanto meninas só caem nessa categoria se tiveram muitos parceiros sexuais ou agem e se vestem de maneira mais “sensual”.
Seja por causa de gênero ou comportamento, há uma forte tendência de considerar alguns adolescentes como “seres sexuais”, e há muito menos preocupação com adultos fazendo sexo com eles do que os que são considerados “seres inocentes”.
Essa reação, por mais comum que seja, sugere que estamos mais preocupados em preservar a ideia mítica de pureza do que defender o direito de todo adolescente de ter e descobrir sua própria sexualidade sem a interferência do desejo sexual de um adulto.
O número de parceiros sexuais que um(a) adolescente teve previamente não muda o desequilíbrio de poder na relação entre um(a) adolescente e um adulto, nem tira a responsabilidade do adulto de colocar as necessidades da/o adolescente acima de seus desejos.
O histórico sexual e comportamento de uma pessoa não é consentimento. O histórico sexual e comportamento de um(a) adolescente não transforma magicamente ok fazer sexo com ela/e.
4. ‘O adulto não é uma má pessoa’
Vamos parar um segundo para dizer que estupro é uma palavra assustadora. É emocionalmente carregada de maneira em que poucas palavras são, sem contar com palavras chulas. Na mente da maioria das pessoas estupro é um crime violento e agressivo, e estupradores são maus e monstruosos.
A verdade é que violência nem sempre é explícita e física, e que boas pessoas podem cometer estupros. É bem possível violar o consentimento de alguém sem a intenção de prejudicar essa pessoa.
Vamos voltar para a analogia do carro. Se você estiver andando pela calçada e um carro vira bruscamente e te atinge, você se machuca independente de que tipo de pessoa estava dirigindo ou o porquê da virada brusca.
Talvez o/a motorista estivesse alcoolizado. Talvez ele/a estava tentando te atingir deliberadamente. Talvez ele/a tivesse desmaiado. Saber o motivo pode ter um impacto emocional, mas mesmo se fosse uma professora de jardim de infância que adota cachorrinhos abandonados e infelizmente dormiu no volante, você ainda vai para o hospital e terá um longo caminho para recuperação.
De maneira similar, quando uma pessoa é violada sexualmente, isso causa um dano independente se quem a violou era uma boa pessoa ou um ignorante. O dano é causado se a pessoa for desatenta, alcoolizada ou deliberadamente cruel.
Às vezes, boas pessoas fazem coisas ruins — especialmente em uma cultura que nos dá muitas justificativas e desculpas.
Quando o caso do David Bowie estava nas notícias, todos queriam discutir se ele era uma boa ou má pessoa. Essa é a pergunta errada. A pergunta correta é “Fazer sexo com uma menina de 15 anos é uma boa coisa para um adulto fazer?”.
E a resposta é sempre não. Não importa o quão boa a pessoa é ou quão boas são suas intenções, eles estão arriscando fazer um mal tremendo a uma pessoa vulnerável, e isso não é ok.
5. ‘Mas não é discriminatório dizer que adolescentes não podem consentir?’
Vários desses argumentos poderiam ser usados para dizer que adolescentes não podem consentir o sexo nunca. Se seus cérebros tendem a tomar decisões arriscadas, e se a sexualidade de um adolescente é algo tão vulnerável, então não deveríamos insistir para que adolescentes se abstenham de sexo com seus iguais assim como com adultos?
Ou, por outro lado, poderiam dizer também que é discriminatório dizer que adolescentes não podem consentir sexo, e que a idade de seus parceiros não deveria importar desde que a/o adolescente esteja consentindo.
Eu concordo que adolescentes podem fazer e fazem sexo consensual. Eu também concordo, como disse no começo que, às vezes, um(a) adolescente faz sexo com um adulto e não é prejudicado de nenhuma maneira. No entanto, um adulto fazendo sexo com um(a) adolescente ainda está fazendo, na melhor das hipóteses, uma escolha negligente e irresponsável.
Quando um adulto faz sexo com um(a) adolescente eles não o fazem por um desejo altruísta de ajudar as necessidades de desenvolvimento desse. Eles o fazem porque estão excitados e querem se satisfazer. Em meio a esses sentimentos eles são as últimas pessoas capazes de fazer um julgamento imparcial sobre se isso é saudável ou prejudicial ao adolescente.
Mas respeitar adolescentes e evitar discriminá-los não significa tratá-los como adultos. Lutar contra opressões não é fingir que não existem diferenças entre as pessoas. É sobre reconhecer as dinâmicas de poder que afetam as pessoas, e trabalhar para alcançar justiça apesar dessas dinâmicas de poder.
Adultos em nossa sociedade têm poder sobre crianças e adolescentes. E nós somos responsáveis por usar esse poder para ajudar e cuidar deles, não para nos aproveitarmos às custas deles.
***
Quando dizemos que adultos não devem fazer sexo com adolescentes, não estamos dizendo que todo/a adolescente que passou por isso foi prejudicado, ou que todo adulto é mau.
Em vez disso estamos dizendo que adultos devem se responsabilizar por proteger adolescentes ao invés de explorá-los.
Nós precisamos levar a sério a lesão que o sexo de adultos com menores de idade pode causar, mesmo nos casos em que não há o paradigma da vítima ideal. E temos que parar de dar passe livre para pessoas só porque gostamos delas, ou porque ficou tudo ok no caso delas.
Quando fazemos isso, permitimos que outros adultos justifiquem buscar sexo com adolescentes. E ainda que nem todos os adolescentes sejam prejudicados, alguns serão.
Acima de tudo, nós ganhamos muito mais como cultura ajudando nossos adolescentes a explorarem sua sexualidade em seus próprios termos, de maneiras que irão satisfazer as necessidades deles e não as nossas.
Notas da tradução
[Nos EUA sexo entre um adulto e um(a) menor de idade é considerado legalmente um estupro ainda que haja consentimento do/a menor, aqui ‘estupro de vulnerável’ é só até os 14 anos*. Traduzi o termo ‘statutory rape’ (estupro estatutário) para ‘sexo com menor de idade’ na maior parte do texto, menos no item 4 em que se fala do peso da palavra estupro, mas pessoalmente eu acho que a lei aqui deveria valer como lá, até os 18 anos e não 14.]
*No Brasil, a idade de consentimento para o sexo, em geral, é de 14 anos, conforme o novo artigo 217-A do código penal, modificado pela lei nº 12.015/2009, artigo 3º. O artigo 217-A do Código Penal define como “estupro de vulnerável” o ato de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, com pena de reclusão de 8 a 15 anos, independentemente de ter havido violência real. Ou seja, se um menor de 14 anos praticar algum ato sexual, presume-se legalmente a violência sexual, ainda que tenha realizado o ato por livre e espontânea vontade.
No caso específico do sexo decorrente de “assédio sexual” praticado por superior hierárquico, mesmo se houver o consentimento, a idade mínima legal para o sexo será de 18 anos, conforme o novo § 2º do artigo 216-A do Código Penal, introduzido pela lei nº 12.015/2009. Neste caso, o crime de assédio se caracteriza pela existência de “constrangimento” para “obter vantagem ou favorecimento sexual”, praticado em virtude da “condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (art. 216-A). Possíveis exemplos incluem o assédio praticado na relação professor-aluno, médico-paciente, psicólogo-paciente, chefe-subordinado, etc.
Por fim, nos casos específicos de prostituição, exploração sexual e tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, a idade mínima também é de 18 anos, conforme artigos 218-B (favorecimento da prostituição); 218-B, I (cliente de prostituição); 227 (mediação para lascívia); 230, § 1º (rufianismo); 231, § 2º, I (tráfico internacional para exploração sexual); e 231-A, § 2º, I (tráfico interno para exploração sexual); todos do Código Penal; assim como artigo 244-A do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) (exploração da prostituição)
Texto original por Ginny Brownno Everyday Feminism: http://everydayfeminism.com/2016/08/adults-with-minors-not-okay
– Ginny Brown é uma escritora contribuinte do Everyday Feminism, palestrante e educadora especializada em sexualidade e relacionamentos. Ela escreve para várias publicações e tem seu próprio blog. Ela vive na Philadelphia com sua família poli e três gatos. Para seguir no Twitter: @lirelyn.