Um estudo espanhol revelou que mulheres são mais suscetíveis à culpa do que homens, e sugeriu que nos interesses da igualdade, os homens deveriam aceitar mais culpa, mulheres menos. Igualdade considerada em tais termos é um xibolete. A culpa é algo ruim; envenena a vida, mina resoluções e esmaga o potencial orgástico. Nenhum psicólogo deveria desejar mais culpa para qualquer um, seja de que sexo for.
Dr. Itziar Etxebarria, que conduziu o estudo em 360 homens e mulheres realizado na Universidade do País Basco e publicados no diário espanhol de psicologia, diz que a pesquisa “destaca a necessidade de práticas educacionais e agentes socializadores para reduzir a tendência da ansiosa e agressiva culpa nas mulheres, e promover a sensibilidade interpessoal nos homens”.
Salvar mulheres de seu fardo de culpa injustificada irá requerer “práticas educacionais e agentes socializadores” ainda mais eficazes do que os que têm carregado incansavelmente seres humanos do sexo feminino com a responsabilidade sobre o comportamento das outras pessoas desde o começo de sua infância.
A culpa é um dos lados de um triângulo perverso; os outros dois são a vergonha e a estigma. Esta coalisão macabra é uma combinação para culpar as próprias mulher pelos crimes cometidos contra elas.
As mulheres se sentem mais culpadas do que os homens, não por uma questão cromossômica esquisita, mas porque elas têm um histórico de serem culpabilizadas pelo comportamento das outras pessoas. Você apanha, você deve ter irritado alguém; você é estuprada, você deve ter excitado alguém; seu filho é viciado, você deve tê-lo criado errado.
Qualquer vítima de crimes sexuais que denuncia o agressor não deveria sentir vergonha. Mas ela sente. E esconder a identidade de uma vítima de uma agressão sexual, o que é comum, é endossar este profundo preconceito misógino. Até que as mulheres se sintam livres para identificar agressores sem se envergonharem, as feridas nelas infligidas permanecerão abertas.
Por exemplo, a vítima indiana do estupro coletivo que recebeu o prêmio póstumo de “Mulher de Coragem” nos EUA no Dia da Mulher é conhecida agora por um punhado de apelidos, dos quais o favorito do povo é Nirbhaya, ou Destemida.
Nenhum membro de sua família estava presente na cerimônia para ouvir o então Secretário de Estado dos Estados Unidos John Kerry dizer de maneira vaidosa que “não haveria mais estigma para as vítimas ou sobreviventes” quando ele perpetuou esse mesmo estigma se recusando a revelar a identidade de Nirbhaya.
Por que não podemos saber quem foi Nirbhaya? Porque ser estuprada por um grupo de goondas* bêbados é ser desonrada. O estigma se estende a sua família, sua comunidade e até a sua universidade. Ela foi honrada porque fez a coisa certa. Morreu.
Ela não está por aí gritando por justiça; ela está morta. Sua conquista é ser uma vítima. Quando a administração de Obama enganchou seu vagão à estrela de um mártir do sexo, fez pouco para as mulheres que aguentam a humilhação e o estigma diariamente.
A libanesa Iman al-Obeidi não foi identificada como uma mulher de coragem, apesar de — ou talvez porque — em 26 de Março de 2011, ela ter procurado a mídia internacional no Hotel Rixos em Tripoli para denunciar os 15 bandidos de Muammar Gaddafi que a estupraram coletivamente, a espancaram e introduziram uma Kalashnikov em seu reto.
Ela encontrou asilo provisório em Qatar apenas para ser entregue de volta aos Líbios; ela está vivendo agora exilada nos Estados Unidos. Seu erro foi sobreviver. Porque ela não morreu pelos crimes de outras pessoas, as acusações contra ela agora são tidas como “supostas”. Sua credibilidade foi atingida.
As mulheres vivem vidas de desculpas contínuas. São nascidas e criadas para levar a culpa pelo comportamento das outras pessoas. Se forem tratadas sem respeito, elas dizem a si mesmas que falharam em merecer esse respeito. Se seus maridos não gostarem delas, é porque são pouco atraentes. A sujeira e a desordem no lar da família são sua culpa, mesmo não tendo criado nada disso.
Em Otelo de Shakespeare, enquanto Desdemona está morrendo, estrangulada por seu marido, Emilia grita, “Oh! Quem fez isso?” e Desdemona responde, “Ninguém. Eu mesma.” O momento é extremo, mas o fenômeno acontece diariamente.
Mulheres pelo mundo inteiro, de várias culturas, estão desculpando a violência que os homens infligem nelas, e frequentemente, de maneira mais trágica, interpretando atos de pura brutalidade como prova de amor. De acordo com uma pesquisa de crime britânica, duas mulheres morrem nas mãos de seus parceiros a cada semana. A polícia não pode lhes ajudar se elas não deixam o parceiro violento; é escolha delas permanecer e morrer.
Até que possamos resolver esse dilema, nós nunca compreenderemos as mulheres. Até que as próprias mulheres rejeitem o estigma e se recusem a sentir vergonha pela maneira que os outros as tratam, elas não têm nenhuma esperança de conseguir o estatuto de humano completo. O presidente dos Estados unidos Franklin D. Roosevelt descreveu as quatro liberdades essenciais como a liberdade de expressão, liberdade de adoração, a liberdade do querer e a liberdade do medo.
A quinta liberdade essencial a ser conquistada é a liberdade da vergonha.
Goonda (definição da Wikipedia): termo em inglês indiano, inglês paquistanês e inglês em Bangladesh para um bandido contratado. É um termo coloquial e definido e usado em leis.
Tradução do texto de Germaine Greer
https://edition.cnn.com/2013/03/12/opinion/greer-women-and-guilt/index.html
Obrigada pela tradução. ❤️
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