Mulheres lésbicas resistem.
Mulheres lésbicas fazem política.
Mulheres lésbicas são parte da sociedade.
Mulheres lésbicas têm história, tanto que a nossa bandeira lábrys é repleta em significados, o triângulo preto invertido em respeito à memória das que foram perseguidas, a lábrys um símbolo de força e a cor roxa que sempre esteve presente nos materiais produzidos por lésbicas organizadas.
Somos mulheres que sabem o que é lutar pelo direito de existir, mesmo com tanto preconceito que nos atravessa dia a dia, sobrevivemos.
Com orgulho e desejo de visibilidade, com respeito por nossas memórias e trajetória, certa de que nossa luta é real, necessária e cotidiana, escrevo esse breve apanhado histórico (sabendo ser impossível falar sobre tudo) na tentativa de honrar a luta travada pelos movimentos das lésbicas no Brasil.
Ditadura Militar (1964 a 1985)
A Ditadura Militar ocorrida no Brasil de 1964 a 1985 foi determinante para a ascensão do movimento das lésbicas no país. No início dos “anos de ferro” a oposição a Ditadura foi feita de forma alinhada por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros.
Entretanto, com a evolução das pautas a serem debatidas e dos espaços a serem conquistados, as lésbicas passaram a sofrer com o machismo dos grupos mistos que sempre entenderam que as nossas pautas exclusivas são de menor importância.
Assim, o peso da lesbofobia, ainda mais em um período histórico de extrema violência e censura que foi a Ditadura Militar, fez com que as lésbicas percebessem a urgência de se unirem e lutarem elas mesmas por seu lugar na política e na sociedade.
Subgrupo Lésbico Feminista (LF) e Grupo Aliança Lésbica Feminista (GALF) de 1979 a 1989
Em 1979 houve a formação do subgrupo Lésbico Feminista (LF) dentro do Grupo SOMOS/SP, um dos pioneiros das organizações LGBT no Brasil, em uma tentativa de descentralizar o discurso das vozes masculinas do grupo. Entretanto nem isso fez com que as discussões fossem feitas de forma igualitária.
Em 17 de maio de 1980 a LF rompeu definitivamente com o SOMOS/SP e fundou a GALF — Grupo Aliança Lésbica Feminista.
E elas já independentes passaram a lutar de forma mais direta pela democracia, distribuindo panfletos alertando contra a discriminação, divulgando suas ações e se unindo contra as perseguições violentas cometidas pelo delegado José Wilson Richetti.
Desta forma, como uma forma de demonstrar poder de maneira arbitrária e abusiva, em 15 de novembro de 1980, foi realizada uma operação comandada pelo delegado Richetti cujo alvo eram as lésbicas, ela foi nomeada como ‘Operação Sapatão’, focada em atacar os bares frequentados por lésbicas: Ferro’s, Último Tango, Canapé e Cachação, todos na Rua Martinho Prado, em São Paulo.
Foram presas 200 mulheres e todas elas tiveram de pagar fiança para serem liberadas.
Entretanto, isso não as intimidou, a luta e a organização das lésbicas permaneceu.
Em 1981, para arrecadar fundos para a GALF, lançaram a revista Chanacomchana, um folhetim que continha colagens, matérias e entrevistas com enfoque no universo das lésbicas e pautas feministas
Em 23 de julho de 1983, integrantes do GALF foram expulsas do Ferro’s Bar e proibidas de vender a revista cujo o conteúdo desagradava seu dono.
Organizadas, unidas e apoiadas por demais lésbicas, gays e a imprensa, em 19 de agosto de 1983, elas invadiram o bar, fizeram falas políticas voltadas para o respeito, orgulho e visibilidade lésbica, marcando essa data de forma definitiva na história do movimento LGBT do Brasil.
Desde então o dia 19 de agosto é definido como o dia do Orgulho Lésbico.
CASSANDRA RIOS — A ESCRITORA MAIS CENSURADA PELA DITADURA NO BRASIL
Aqui farei uma pausa na história das organizações lésbicas para falar da Cassandra Rios, é impossível afirmar quantos livros ela publicou, tendo em vista que ela foi a autora mais censurada da Ditadura Militar, estima-se que foram 38, mas podem ter sido mais.
Sua carreira foi iniciada em 1948, quando ela tinha 16 anos, com a publicação do livro A Volúpia do Pecado , uma história de amor entre duas adolescentes, se tornando a primeira autora brasileira de romances voltados ao universo das lésbicas.
Entre 1964 a 1985, anos da ditadura no Brasil, foram feitas fogueiras de quase todos os exemplares de seus títulos lançados, uma vez que seu nome passou a constar na lista de subversivos em razão da sexualidade assumida da autora e do conteúdo dos seus textos, que eram todos dedicados ao desejo afetivo e erótico de mulheres por outras mulheres.
Cassandra lutou por sua liberdade de expressão, tanto que mesmo sendo tão severamente perseguida ela não parou de escrever e isso levou suas obras a serem traduzidas nos mais diversos idiomas.
Essa pausa foi necessária para mostrar o peso social de se assumir uma mulher lésbica, tanto que até hoje Cassandra Rios é tratada como uma escritora de valor menor.
SENALE e SENALESBI (1996 a 2018)
Em 29 de agosto de 1996, na cidade do Rio de Janeiro, mais de 100 mulheres se uniram no 1º SENALE (Seminário Nacional das Lésbicas), que foi financiado pelo Ministério da Saúde e organizado pelo COLERJ (Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro).
Essas mulheres em razão da necessidade de reforçar a importância das lésbicas na sociedade, cultura e política, decidiram por construir um espaço de livre debate, articulações e aprendizado.
O seminário aconteceu na Praça Tiradentes e teve como uma das vozes mais marcantes a da ativista Neuza das Dores.
O SENALE nasceu para ser um espaço de luta política, cultura, amor e desejos daquelas que em razão da lesbofobia e do machismo acabavam sendo silenciadas em outros espaços, até mesmo nos feministas, que ignoravam ou acreditavam ser menos urgentes as necessidades das mulheres que se relacionavam exclusivamente com outras mulheres.
Foi em razão do SENALE que 29 de agosto passou a ser o dia nacional da Visibilidade Lésbica.
Desde a 1ª edição em 1996 já ocorreram 10 encontros em diversos estados do país, o mais recente aconteceu em 2018, na cidade de Salvador/Bahia.
Em 2016 o nome foi alterado para SENALESBI (Seminário Nacional das Lésbicas e Bissexuais).
AS PRIMEIRAS PARADAS DO ORGULHO GAY NO BRASIL
Em 1997, na cidade de São Paulo/SP, aconteceu a que é considerada primeira Parada do Orgulho Gay do Brasil e as lésbicas estavam lá, com suas faixas e palavras de ordem.
Em 28 de junho de 1998, em Belo Horizonte/Minas Gerais, a 1ª Parada do Orgulho Homossexual de BH foi idealizada e coordenada por militantes lésbicas.
AS CAMINHADAS LÉSBICAS
Em 2003, percebendo a necessidade de dar atenção para as ações voltadas para a visibilidade social e política lésbica, aconteceu a primeira Caminhada das Lésbicas e Simpatizantes de São Paulo.
Seguindo o mesmo caminho, as fundadoras da Parada do Orgulho Homossexual de BH, já organizadas na Associação Lésbicas de Minas — ALÉM, em 2005, após uma reunião de planejamento anual decidiram dedicar toda a sua energia e esforços para dar voz às mulheres lésbicas.
Desta forma, em 09 de julho de 2005, aconteceu em uma tarde de sábado, a I Caminhada das Lésbicas e Simpatizantes de BH.
São 17 anos de Caminhadas Lésbicas no Brasil, hoje a maioria delas se chama Caminhada das Lésbicas e Bissexuais, em razão das pautas em comum dos dois grupos que são a luta contra a lesbofobia e pelo respeito às relações afetivas entre mulheres. Elas acontecem em várias capitais e cidades diversas, são em sua maioria autônomas e centradas na luta política de lésbicas por direito e cidadania.
A 16ª edição da cidade de Belo Horizonte acontecerá de maneira virtual, com uma agenda pensada para todo o mês de agosto, com ações voltadas para os lesboafetos em suas múltiplas manifestações, sendo elas culturais, políticas e ou sociais.
O L VEM NA FRENTE
A 1° Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais (GLBT) ocorreu em Brasília de 5 a 8 de junho de 2008.
Foi organizada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, tendo sido determinante para a causa LGBT no Brasil em razão da visibilidade alcançada.
O tema foi: Direitos Humanos e Políticas Públicas, o caminho para garantir a cidadania de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais.
Nela foram discutidas várias pautas que foram divididas em eixos temáticos separados por mesas, como Saúde, Educação, Justiça, Segurança Pública, Trabalho e Cultura, o que acabou por evidenciar algo que sempre foi foco de tensão e de debates inflamados, a predominância dos gays em espaços de luta, tendo em vista que eles sempre somavam mais da metade dos presentes, desta forma, as lésbicas se uniram para exigir que a letra L passasse a ser a primeira na sigla.
E assim foi feito, como forma de dar maior alcance para as pautas lésbicas, a sigla de GLBT passou a ser LGBT a partir dessa conferência, respeitando também o que já era feito em outros países.
A LUTA NÃO PARA
Temos uma história rica, repleta em nuances, força, coragem, luta, paixão pela causa e uma vontade sempre presente de transformação da sociedade de forma a torná-la mais segura para mulheres lésbicas e seus afetos.
As lésbicas foram e são fundamentais para todas as conquistas da comunidade LGBT no Brasil e no mundo.
Ainda enfrentamos muita ignorância, muita violência, invisibilidade e desmerecimento, isso acontece de maneiras tão extensas e cotidianas, que fica impossível enumerar uma a uma, mas é importante dizer algumas, como quando nossos nomes não são citados; quando mulheres vítimas de lesbocídio não são devidamente enumeradas; quando até mesmo uma revista que propõe ter um conteúdo informativa para mulheres que se relacionam com mulheres tenta nos renomear nos chamando de forma preconceituosa e cruel de “genitalésbicas”; quando chamam nossa sexualidade de transfóbica e pedem que repensemos os nossos desejos ou quando colocam rótulos em nossas vivências ao ignorar que lésbicas podem se entender lésbicas por toda a vida, até mesmo após vários relacionamentos heterossexuais.
Sem contar toda a lesbofobia enfrentada no trabalho, família, vizinhos, escola, cotidiano…toda a solidão, todo o medo e revolta que fazem parte da realidade de mulheres lésbicas.
A luta não para, o mês de agosto é por nós celebrado por trazer no dia 19 o Orgulho da união de mulheres por um ideal em comum, que invadiram o Ferro’s bar em um levante liderado por lésbicas, e no dia 29 a Visibilidade de um Seminário organizado por mulheres lésbicas como um ato político exclusivo para as nossas pautas e necessidades, como foi o SENALE.
Não é a toa que umas das palavras escolhidas para definir as lésbicas seja resistência, afinal, apesar de tudo, estamos aqui contando a nossa história.