Durante anos, vi minha mãe lutando no patriarcado. Uma das coisas que me vem à mente quando penso nela — e que posso muitas vezes me identificar — foi ouvi-la constantemente dizendo a frase “tá certo, então a culpa é toda minha, sempre é minha culpa”, exasperada. Muitas vezes, depois de ser acusada injustamente por algo que claramente estava fora de seu controle.
Minha mãe e pelo menos 99% de todas as mulheres vivas hoje podem reconhecer as próximas palavras, frequentemente ditas a mulheres após abuso físico ou sexual:
“Ela pediu. Ela estava flertando. Ela estava bebendo. Ela estava usando um vestido revelador. Ela estava muito confiante. Ela voltou para casa sozinha. Ela ficou nesse relacionamento. Ela era ingênua. Ela demorou muito para denunciar. Ela não revidou. Ela queria isso. Ela mentiu sobre isso. Ela vem de um lugar ruim. Ela estava vulnerável. Ela deveria saber. Ela deveria ter visto que isso podia acontecer. Ela deveria ter se protegido”.
Essas palavras são do resumo do novo livro de Jessica Taylor, Por Que as Mulheres São Culpabilizadas Por Tudo: explorando a culpabilização das mulheres sujeitas a violência e trauma. A autora tem doutorado em psicologia forense e foca na culpabilização da vítima no sistema judiciário. Jessica dirige sua própria empresa, a Victim Focus, onde explora os aspectos psicológicos da prevalência de se culpar mulheres abusadas por homens.
Em seus anos de pesquisa, trabalhando com mulheres e meninas, ela descobriu evidências surpreendentes de que as mulheres são, de fato, culpabilizadas pela violência que sofrem nas mãos dos homens. Neste trabalho, ela também explora as razões pelas quais as mulheres são culpadas pela violência cometida sobre elas. Seu livro tem vários capítulos com declarações de homens e mulheres que concordam, na maioria dos casos, que as vítimas provavelmente “se colocam em perigo” com seu comportamento — principalmente comportamentos que os homens podem fazer que não lhes causam danos, como usar certas roupas ou ir / estar em certos lugares.
Lembro de um filme de 1988, chamado The Accused. Jodie Foster é uma garçonete que é estuprada no bar em que trabalha, e seu passado um pouco “problemático” é trazido à luz para diminuir as sentenças dos três homens que cometeram o ato. A vítima é informada de que ela se colocou naquela situação. Eu já vivi isso em circunstâncias muito mais suaves. Eu estava em um bar com minha irmã mais velha, jogando sinuca. Um homem se aproximou, querendo “ficar”, como se dizia antigamente. Eu disse a ele que era noiva, e ele respondeu: “Isso é mentira, porque se você realmente fosse noiva, não estaria em um bar ‘sozinha’ (ele quis dizer ‘sem o meu noivo)”.
Este filme é de alguma forma um livro didático sobre a culpa das vítimas. Todos os aspectos dessa questão premente podem ser encontrados na trama: a garçonete só foi abusada porque trabalhou em um bar, à noite, cercada por estupradores em potencial, se quisermos esclarecer sobre o que é realmente o julgamento retratado no filme. Ela só foi abusada por estar bêbada. Por usar roupas “provocativas” durante o trabalho. Por flertar enquanto trabalhava bêbada em um bar à noite, vestindo roupas provocantes.
No livro “Por que as Mulheres São Culpabilizadas Por Tudo”, a Drª Taylor escreve capítulos inteiros sobre como o sistema é tendencioso contra mulheres vítimas de violência masculina. Ela explica: “Decidi incluir capítulos que apresentassem uma base de evidências significativa para a culpabilização de mulheres e meninas submetidas a estupro, abuso e violência. No livro, escrevo sobre as maneiras como o sistema de justiça criminal, nossos serviços de saúde mental e até nossas escolas primárias incentivam e mantêm a cultura de culpabiliar a vítima (se ela for do sexo feminino) “.
“Por que as Mulheres São Culpabilizadas Por Tudo” foi lançado no final de abril de 2020 e pode ser encontrado no site da Victim Focus. Com a pandemia e o aumento da violência doméstica durante o confinamento, é mais do que nunca necessário resolver o problema de culpar as mulheres pela violência que sofrem nas mãos dos homens. O patriarcado está odiando tanto este livro, que a autora foi submetida a vários dias de ataques cibernéticos antes do lançamento oficial da obra. A Dra. Taylor ainda teve seu computador hackeado, perdendo o controle de sua tela e foi forçada a fazer uma denuncia à polícia. Nada, no entanto, impediu o sucesso de seu trabalho — ela até precisou contratar uma segunda empresa de impressão para acompanhar a demanda.
A própria autora é uma sobrevivente de abuso sexual e violência doméstica, e o seu vasto material de pesquisa pode ser uma ferramenta para mudar esse cenário sombrio, onde mulheres e meninas não têm para onde fugir depois de serem negligenciadas pela sociedade.