Existe um grande problema no julgamento do estupro, e ele se encontra no simples fato do reconhecimento do mesmo. A palavra estupro por si só não é compreendida de forma correta, e para entender isso, basta colocar em pauta a seguinte pergunta a qualquer pessoa: “o que você entende por estupro?”. Seja homem o mulher, a resposta em sua maioria vem com a descrição de uma cena: um homem (em sua maioria negro, porque, vamos falar a verdade, sempre associamos a violência e o esteriótipo do violento aos negros. Angela Davis diz muito sobre isso), uma rua escura, uma mulher que é agarrada, e que, enquanto se debate, é violentada e estuprada. Pronto. O estupro é definido de forma >>simples<<. A grande verdade é que o estupro envolve muitas outras questões e muitas outras situações e não apenas essa exemplificada. O estupro acontece dentro de casa, em um relacionamento sério, no casamento, entre pais e filhas (e filhos), entre colegas de trabalho, de bar, de faculdade, de amigos de infância e eu poderia citar infinitas situações.
Recentemente na Espanha, o caso de uma adolescente que “supostamente teria sofrido estupro coletivo” (coloco as aspas porque é assim que o assunto é tratado), trouxe a tona revolta em uma maioria da população e de mulheres: o julgamento do caso foi realizado e os cinco homens envolvidos foram condenados por abuso. Abuso é diferente de estupro. Além disso, a alegação dos juízes para a sentença foi de que:
Um texto publicado pouco depois da condenação dos juízes pelo jornal El País mostra a relação do estupro e uma dinâmica de conduta existe por trás do do mesmo. Primeiro, é preciso lembrar que nós mulheres somos constantemente ensinadas a não incitar e incentivar que a violência aconteça sobre nós. Somos ensinadas a não sermos estupradas, porque nos ensinam que a culpa é nossa. “Não use roupas curtas”, “não sente de pernas abertas”, “não ande de noite sozinha”, “não exagere na bebida”, “não transe com desconhecidos”, “não vá a festas”, “não faça nada que a coloque em uma posição vulnerável”, “se proteja”. Muitas são as recomendações: andar em grupos, segurar a chave de casa, andar rápido, sempre estar em alerta, deixar o celular sempre por perto, spray de pimenta, e até recentemente uma calcinha anti-estupro. Mas, mais que isso, também somos ensinadas que não podemos ter medo. Sabemos que uma das reações físicas do corpo humano é paralisar diante de ações que nos geram medo, não existe uma regra de conduta clara que se enquadre em todos os corpos. Mas para os juízes e a grande massa, isso não é aceitável. Não é permitido paralisar em momentos assim. Se sua ação a um ato desses não for imediatamente reagir de maneira agressiva, chutar, se debater, gritar, pedir socorro, me desculpe: Não foi estupro, você consentiu em algum ponto. O seu silêncio foi uma forma de aceitar o ato.
Esse “código visível” imposto desrespeita de todas as formas possíveis a mulher e a violência por ela sofrida, não existe conduta correta para um estupro. Estupro é estupro e ponto. Mais uma vez a frase ‘a culpa nunca é da vítima’ se faz presente na denúncia de uma justiça e de um mundo regido por homens brancos, por coronéis e e detentores do capital. Mais uma vez a justiça responde não a vítima, mas sim a uma parcela minúscula de pessoas. Mais uma vez a vida das mulheres é dominada por homens. Deixo abaixo alguns trechos da notícia que exemplificavam como a acusação de estupro talvez “não fosse tão correta assim”:
‘ a garota, com 0,9 miligrama de álcool no sangue, esteve falando de sexo com os meninos […]’
“Alguns juristas alegam que, se o juiz rechaçou as mensagens mas aceitou o relatório sobre a vida posterior da vítima, é porque não está julgando o caráter dos agressores, e sim os efeitos da agressão. Mas, para muitos espanhóis, isso apenas mostra que a lei foi elaborada para julgar as vítimas”.
Até quando?