Paus e pedras podem quebrar os ossos de mulheres. Mas erre o pronome ou ameace a nova militância ortodoxa LGBTQ+ e assista como o inferno se estabelece
Como estamos à beira de um novo ano, uma nova década, é impossível não imaginar que o país ficou completamente louco. Enquanto batalhas bizarras estão sendo travadas on-line — testemunhe as mídias sociais implodindo em uma orgia de ódio venenoso voltada para J. K. Rowling por “direitos trans” — no mundo real, tragédias obscenas estão ocorrendo a portas fechadas. Os assassinatos domésticos atingiram um máximo em 5 anos, com duas mulheres sendo assassinadas por semana, por seu atuais ou ex companheiros. No entanto, onde está o ultraje para essas vítimas?
Em Manchester, um tribunal ouviu como um capitão de companhia aérea, Peter Chilvers, abusou e humilhou de sua noiva Magda Lesicka, 33, a ponto de ela sofrer um colapso mental e esfaquear seu filho de um ano, James, até a morte, antes de tentar se matar.
Chilvers, também com 33 anos, enfurecia-se e intimidava sua parceira nascida na Polônia, enquanto abertamente mantinha um caso extraconjugal. O tribunal ouviu como ele chamava Lesicka de “ovelha”, referia a si mesmo como seu “proprietário”, e como usou ou ameaçou violência física, forçando-a a atos sexuais degradantes, isolando-a de seus amigos e restringindo suas finanças.
Em algumas ocasiões ele demonstrava sua dominância puxando fios de sua face e forçando ela a engoli-los. Mesmo ele tendo encontros com outra mulher, ameaçava matá-la caso ela o deixasse. Ela finalmente foi à polícia, mas Chilvers descobriu e sua raiva vulcânica assustou Lesicka tanto que ela tentou retirar a queixa. No entanto, a polícia disse a ela que era tarde demais e que ele teria que ser interrogado.
Aterrorizada, Lesicka teve um colapso nervoso e naquela noite matou seu filho antes de tentar se suicidar. Na semana passada ela foi sentenciada a 15 anos por homicídio culposo devido a sua capacidade reduzida para ser totalmente responsabilizada.
Seu artomentador foi condenado a 18 meses por comportamento coercitivo ou controlador, e logo será solto para voltar aos braços de sua parceira e suas duas filhas mais novas.
Dados oficiais do Escritório de Estatísticas Nacionais deste ano mostram que os incidentes e crimes de abuso doméstico aumentaram quase 25% no ano passado, para 1,316,800, enquanto o número de casos encaminhados para o Ministério Público da Coroa caiu 11% , de 110,653 para 98,47.
Esses números aparentemente chocantes foram minimizados, com afirmações de que são devido a melhorias policiais nos registros de ofensas, ao invés de um aumento da violência.
Não sou uma teórica da conspiração, mas não tenho certeza se acredito nessa explicação à luz da revelação feita em outubro de que a proporção dos estupros relatados processados na Inglaterra e no país de Gales caiu em 1,4%. Não, isso não é um erro de impressão.
Parece-me muito como se a violência contra as mulheres tivesse escandalosamente desrespeitado a lei e a ordem do dia em favor do patrulhamento do ciberespaço por crimes de ódio que estão somente nos olhos de quem vê.
Julie Cooke, vice-chefe de polícia de Cheshire, é um exemplo disso. Ela postou no Facebook, também em outubro, destacando a importância do Dia Internacional dos Pronomes: “Ser chamado pelo pronome errado pode ter um enorme impacto sobre alguém e seu bem estar pessoal”, disse ela. “Também pode ser uma forma de abuso para alguém e isso simplesmente não está certo.”
Como mais de uma pessoa sarcástica respondeu: É uma pena que a Polícia de Cheshire não esteja mais se identificando como uma força policial.
Eu me pergunto se uma força tão dolorosamente acordada pode ser convocada para investigar a confusão sobre a J. K. Rowling? Ela está em uma doca virtual, acusada de ser uma TERF, ou feminista radical trans-excludente, depois de postar um tweet em apoio a Maya Forstater, pesquisadora que foi demitida por twittar “homens não podem se transformar em mulheres”.
Transativistas acusam a autora de Harry Potter de defender “uma cultura de bullying implacável que contribui para a tentativa de suicídio de quase metade dos jovens trans do Reino Unido”.
Um ex-fã, que é trans, escreveu sobre seu coração partido: “Essa decisão, apoiar pessoas que me odeiam e que querem me fazer mal. Isso me leva às lágrimas… Por que? Por que?”
Essa é uma pergunta muito boa. Por que diabos alguém deveria se sentir oprimido por uma declaração de biologia?
A citação de Rowling na íntegra foi perfeitamente razoável: “Vista-se como quiser. Chame a si mesmo como quiser. Durma com qualquer adulto que aceite você. Viva sua melhor vida em paz e em segurança. Mas forçar mulheres a deixar seus empregos por afirmarem que o sexo é real? #IStandWithMaya #ThisIsNotADrill
Sinceramente, não tenho vontade de me atolar na lama da discussão de gênero versus sexo, meus sentimentos feridos versus fatos sem coração. Aqueles que estão desesperados para começar uma briga podem dizer que não estou interessada porque não é minha causa, e, embora eu tenha sido a primeira jornalista do Reino Unido a (com sucesso!) fazer campanha pelos direitos de transmissão no início dos anos 90, isso seria verdade.
Mas eu também não estou interessada porque existem males reais perpetrados contra as mulheres dos quais precisamos de todas as nossas energias e recursos para enfrentar.
Basta perguntar a Amy King, 32 anos, de Totnes, Devon, cujo violento parceiro Jack Farley, 25, foi preso brevemente em maio depois de submetê-la a um reinado de terror.
“Quando eu disse a ele que estava grávida, ele ameaçou espancar nosso bebê”, disse ela. “Passei meses infernais com um monstro e fiquei decepcionada principalmente com o sistema judiciário. Meu ex-parceiro se declarou culpado de uma série de ataques e foi condenado só a 21 meses de prisão. Então, ele serviu apenas quatro meses”.
King, mãe de quatro filhos, montou uma linha de ajuda chamada Unidade de Pessoal de Violência Doméstica, para oferecer apoio a mulheres — e homens — em sua posição. Sua vida ainda está em frangalhos, seus filhos, traumatizados. No entanto, ela é uma das sortudas.
Quase um ano atrás, no dia do Ano Novo, Charlotte Huggins, 33, foi esfaqueada até a morte por seu namorado ciumento e controlador, Michael Rollins, poucos dias após ela dizer que queria terminar a relação.
Ela tem a amarga distinção de ter sido a primeira vítima a morrer de forma violenta no ano de 2019. Quais terríveis perdas teremos em 2020, eu me pergunto?
Uma prévia | Questões de Transgêneros
Transgênero
“Transgênero” é um guarda-chuva para pessoas que se identificam com gênero diverso do sexo biológico — geralmente diagnosticados com “disforia de gênero”. O termo “transexual” se refere especificamente às pessoas que passaram por cirurgias e tratamentos médicos, hoje considerado arcaico.
Sensibilização do Público
Com a sensibilização do público, o número de pessoas diagnosticadas com “disforia de gênero” tem aumentado. Quando Caitlyn Jenner foi capa da Vanity Fair em 2015 — sua primeira sessão de fotos desde que se assumiu transgênera — buscas da palavra “transgênero” no Google tiveram seu pico no mundo inteiro.
Cirurgias e hormônios
No Reino Unido e na maioria dos países do mundo, crianças precisam esperar até a idade adulta para fazer cirurgias de redesignação de gênero, mas elas podem tomar hormônios sintéticos para suprimir a puberdade. O NHS diz que os efeitos são totalmente reversíveis, então pode-se interromper o tratamento a qualquer momento.
Limites de idade
Não existe idade mínima em que bloqueadores de puberdade podem ser prescritos: isso depende da idade em que a criança entra na puberdade. O estado do Oregon, nos EUA, recentemente tornou legal adolescentes de 15 anos de idade fazerem a cirurgia de redesignação de gênero; a maioria dos países que permitem a cirurgia de redesignação de gênero (incluído o Reino Unido) requer idade mínima de 18 anos ou mais.
Serviço Militar
Sob o governo de Obama foi apresentado um projeto de lei para permitir que transgêneros possam servir ao exército abertamente. Seu sucessor, Donald Trump, anunciou seus planos para revogar essa política. Todos os ramos das forças armadas britânicas dão boas vindas a recrutas transgêneros.
Texto de Judith Woods, 21/12/2019, original pode ser lido aqui.