O termo “trabalho sexual” tem substituído a palavra “prostituição” nas discussões contemporâneas sobre o assunto. Isso não é acidental. A frase “trabalho sexual” tem sido adotada por feministas liberais e poderosos lobistas numa tentativa deliberada de conduzir a narrativa sobre a prostituição.

Fumaça e espelhos

Superficialmente, o termo “trabalho sexual” pretende fazer a prostituição soar mais palatável. É usado para remover as conotações negativas da indústria sexual e daqueles que trabalham nela. Entretanto, limpar o horror da prostituição com tais termos benignos é um desserviço monumental às dezenas de milhões de mulheres prostituídas ao redor do mundo. Suas experiências não podem ser celebradas como “trabalho”. A vasta maioria de suas experiências são sujas e degradantes. O que um punhado de mulheres ocidentais relativamente privilegiadas trabalhando no comércio sexual possa considerar “trabalho” é compreendido como humilhação e degradação por milhões de outras.

Algumas pessoas argumentam que o termo “trabalho sexual” remove o estigma e o criticismo cruel dirigido a mulheres prostituídas, mas isso falha na abordagem do problema. Mulheres prostituídas são machucadas e violadas por compradores porque o comércio sexual torna isso possível para homens abusivos — não por conta da linguagem usada para discuti-lo. Sugerir que a palavra “prostituição” é a culpada pelo sofrimento de mulheres prostituídas tira a culpa dos perpetradores da violência masculina e deixa passar os sistemas institucionais que permitem que esse sofrimento cresça. É absolutamente vital que nós de fato falemos sobre a crua realidade da prostituição, e para fazê-la precisamos começar nomeando a questão em termos precisos: prostituição.

Reinventar a prostituição como “trabalho sexual” também mascara a natureza profundamente misógina do comércio sexual. [Em inglês, que não possui gênero gramatical,] A palavra “prostituta” [prostitute] é fortemente atravessada pelo gênero; ela conota mulheres. O Dicionário Oxford de Inglês reconhece isso em sua definição da palavra: uma pessoa, particularmente uma mulher, que se envolve em atividades sexuais por pagamento. A palavra é tão atravessada pelo gênero, de fato, que quando se refere a homens na indústria do sexo, o descritivo “homem” [male] é acrescentado para fazer essa distinção (male prostitute). Essa não é uma concepção ultrapassada e sexista, mas uma reflexão precisa da proporção de gênero no comércio sexual. A vasta maioria das pessoas prostituídas são mulheres e meninas, enquanto a vasta maioria dos compradores e cafetões são homens. Ofuscar a natureza de gênero da prostituição ao renomeando-a como “trabalho sexual” apaga os milênios de opressão misógina inerentes ao comércio sexual.

É provável que a prostituição comercial (separada e distinta da prostituição de templos religiosos) seja derivada das primeiras formas de escravidão. A fisicalidade de escravos significava que eles eram frequentemente utilizados para trabalho manual, enquanto que escravas tinham mais chances de serem reservadas para propósitos domésticos ou de entretenimento. Em muitas civilizações antigas, mulheres não podiam possuir propriedades, e portanto donos de escravos eram predominantemente homens. Como resultado, escravas eram frequentemente usadas para o entretenimento sexual de seu proprietário. Proprietários de escravos frequentemente alugavam suas escravas como prostitutas e até organizavam bordéis comerciais. A prostituição, nascida da escravidão sexual, sempre afetou desproporcionalmente mulheres pertencentes a classes socioeconômicas mais baixas. É crucial reconhecer a origem e a história da prostituição para compreender que não é um “trabalho como qualquer um” mas uma indústria construída sobre a opressão de mulheres pobres.

Um vasto “guarda-chuva”

“Trabalho sexual” é um termo vago que se refere a pessoas vendendo seu próprio trabalho ou performance sexual. Isso portanto pode incluir um sem-número de profissões tais como webcamming, stripping, hostess de clubes masculinos, acompanhantes, etc. Ainda que qualquer profissão que exista unicamente para sexualizar mulheres seja objetivamente antifeminista, é importante reconhecer que a prostituição é distinta dessas formas mais brandas de objetificação. Claramente, as experiências de uma estudante flertando com estranhos via webcam para terminar de pagar a faculdade diferem enormemente de uma menina vulnerável de dezesseis anos, traficada da Romênia, andando na rua.

A descrição do trabalho de uma prostituta lista atos e riscos que não são comuns a outras ocupações: risco de DSTs; gravidez indesejada; manuseio desprotegido de fluidos corporais; sexo degradante, doloroso e até tortuoso; rasgos anais e vaginais; alto risco de transtorno de estresse pós-traumático — sem mencionar o risco significativamente mais alto de estupro, assédio sexual e homicídio. Mesmo dentro da indústria sexual, as experiências de mulheres prostituídas são excepcionalmente angustiantes, então é essencial que priorizemos essas mulheres em legislações sobre a reforma da prostituição. Ao agrupar todas as profissões relativas ao sexo sob o vasto guarda-chuva de “trabalho sexual”, aquelas em ocupações menos perigosas e menos degradantes agora foram concedidas a autoridade de falar em nome de mulheres prostituídas, assim silenciando as vozes mais oprimidas de dentro da indústria do sexo.

Pessoas cujas experiências têm pouco em comum com aquelas de prostitutas estão liderando movimentos cujos objetivos terão efeitos diretos e adversos sobre a segurança e o bem-estar dessas mulheres vulneráveis. O largo escopo do termo “trabalho sexual” permite que lobistas endinheirados usem mulheres liberais complacentes como as porta-vozes de sua narrativa prejudicial, ao mesmo tempo em que, simultaneamente, empurra as experiências daquelas que são afetadas de forma pior pelo comércio sexual para o segundo plano.

Em alguns casos, o termo “trabalhador(a) sexual” é tão amplo que inclui cafetões/cafetinas. Pegando emprestado a linguagem do movimento trabalhista, o lobby pró-descriminalização se vende como “coletivos” ou “sindicatos” e demandam a descriminalização sob máscara de “direitos trabalhistas”. Douglas Fox, da International Union of Sex Workers, descreve a si mesmo como um trabalhador sexual; ainda assim, é o co-proprietário de uma das maiores agências de acompanhantes do país. O site da agência argumenta que cafetões são “trabalhadores sexuais” e Fox também surpreendentemente afirma que “o fato de que pedófilos produzem e distribuem e ganham dinheiro por meio da venda de sexo os torna trabalhadores sexuais”. Semelhantemente, o Sex Workers’ Outreach Project USA foi fundado por Robyn Few, um auto-proclamado trabalhador sexual que possui uma condenação por conspiração para promover prostituição interestadual (cafetinagem). Sindicalizar a prostituição legitima uma indústria que causa sofrimento sem precedentes a milhões de mulheres ao redor do mundo. É absurdo permitir que cafetões entrem nesses sindicatos ao lado de quem eles abusam e exploram. Nenhuma quantidade de “direitos trabalhistas” fará da prostituição uma profissão segura ou humana. Um sistema inerentemente antiético não pode ser consertado por meio de reformas. Uma solução radical é necessária: abolição.

Um apelo a socialistas

Descrever a prostituição como “trabalho” e suas vítimas como “trabalhadoras” é um apelo a socialistas. Usar jargões marxistas para descrever a prostituição como “um trabalho como outro qualquer” é um insulto a grandes comunistas da história que condenavam a prostituição como contrarrevolucionária. Sob Mao, cuja política de criminalizar cafetões foi implementada tão logo ele chegou ao poder, a prostituição era virtualmente inexistente. O próprio Engels afirmou que o comunismo “transformaria as relações entre os sexos em relações completamente pessoais”. Assim, qualquer relação econômica entre homem e mulher, particularmente aquela grosseiramente exploratória entre mulheres prostituídas e compradores, é inerentemente anticomunista. Lênin, também, comentou que “enquanto a escravidão do salário existir, inevitavelmente a prostituição também existirá”, demonstrando que ele também considerava a prostituição intimamente conectada à exploração capitalista.

Entretanto, uma porção significativa da esquerda “desconstruída” insiste em interpretar mal e em aplicar mal a teoria marxista para legitimar a continuidade do comércio sexual. Alegam que ao declarar a prostituição uma “expressão específica da prostituição geral do trabalhador”, Marx entendia a posição das mulheres prostituídas como idêntica àquela de todos os trabalhadores explorados. Entretanto, isso ignora deliberadamente o uso de Marx da palavra “específica”. Em realidade. Marx sugere que, ainda que a prostituição caia sob o manto geral de exploração, sua dependência na opressão das mulheres a diferencia da “prostituição geral dos trabalhadores” e a torna “específica” à condição feminina. Se a exploração capitalista fosse removida, o trabalho continuaria a ser necessário para a subsistência de qualquer dada sociedade. Em contraste, a prostituição sem exploração capitalista cessa de acontecer; sexo, desprovido de coerção econômica, se tornaria uma relação puramente interpessoal. Em Propriedade Privada e Comunismo, Marx diz que o comunismo visa “acabar com o status das mulheres como meros instrumentos de produção”. Argumentos pró-prostituição que caracterizam prostituição como “trabalho” inerentemente reforçam a percepção de corpos femininos como máquinas que produzem uma commodity (sexo) para consumo masculino. A objetificação de corpos femininos, seja para exploração ou não, é plenamente incorreta e, portanto, não pode ser apoiada por qualquer movimento marxista.

Há mais coisas envolvidas do que dinheiro

Definir a prostituição como “trabalho” deliberadamente a reduz a uma análise puramente econômica. Qualquer análise desprovida de materialismo histórico é completamente inadequada e invariavelmente falhará em oferecer um exame compreensivo da questão. É vital reconhecer os fatores sociais que levam mulheres à prostituição: baixa autoestima, trauma sexual na infância, incesto, etc. Não é de se surpreender que algumas dessas mulheres abracem a narrativa de “trabalho sexual é empoderador”. A linguagem que turva a realidade abjeta de sua situação é sem dúvidas chamativa, então é ainda mais imoral e manipulativo que cafetões, traficantes e lobistas empurrem essa linguagem ambígua sinistra. A alegação insistente de feministas liberais de que a prostituição é só “trabalho sexual” não reconhece a existência dos fatores sociais que predispõem mulheres a vender sexo e, portanto, naturalmente impede mudanças positivas para combatê-los. A prostituição, assim, é muito mais do que a escravidão capitalista do salário, e devemos rejeitar qualquer tentativa de transformá-la em simples “trabalho”.


Tradução do artigo Prostitution or Sex Work? Language Matters, de Laura Briggs, publicado originalmente no blog On The Woman Question. Você pode ler o original em inglês aqui.