1.
A prostituição é uma instituição global que cresce na interseção simbólica e material do sistema patriarcal e do capitalismo neoliberal. Essa instituição é um dos núcleos, junto à família patriarcal, sobre os quais as sociedades patriarcais têm se erguido. Carole Pateman (1995) explica que em ambas as instituições se incorpora a divisão de mulheres sobre a qual o patriarcado tem se construído e que garante o acesso sexual masculino aos seus corpos.
O fato de que a prostituição tem um caráter fundamental para o patriarcado é a origem da criação de discursos de legitimação dessa realidade social. Em outros termos, o domínio masculino tem construído um relato hegemônico sobre a prostituição no qual se nega seu caráter socio-histórico e ela é apresentada como uma construção natural. O objetivo é de que a sociedade assuma a prostituição como algo inevitável, como parte de uma ordem natural das coisas impossíveis de erradicar. Esse relato é, precisamente, sua principal e primeira fonte de legitimação.
Se o primeiro degrau legitimador é ocultar seu caráter social, o segundo consiste em mascarar sua origem patriarcal. O fato de que são mulheres aquelas que se veem obrigadas a se vender e homens aqueles que escolhem livremente comprá-las evidencia que a prostituição está alicerçada sobre uma articulada ordem patriarcal. Essa questão mostra em sua nudez a estratificação patriarcal, quer dizer, quem são os que têm uma posição de poder e quem são as que estão em espaços de subordinação.
Aliás, essa desigualdade de poder também é econômica, pois os homens são os demandantes e os corpos das mulheres são a mercadoria que eles consomem. Os homens que pagam por sexo são a demanda e as mulheres prostituídas são a oferta. O eixo econômico, pois, conecta a prostituição ao capitalismo liberal. A indústria do sexo tem um forte impacto econômico no PIB daqueles países que elegeram essa indústria criminal como estratégia de desenvolvimento. Além disso, a conversão dos corpos das mulheres em mercadorias supõe um salto qualitativo na criação de uma cultura global da mercantilização.
A prostituição é o coração de uma poderosa indústria do sexo que se alimenta da expulsão de mulheres de suas comunidades, famílias e países. Essas expulsões se encarnam em migrações dos países com altas taxas de pobreza aos que têm mais qualidade de vida, mas também das comunidades rurais às urbanas. Do mesmo modo, é preciso apontar que as mulheres que vão ocupar os bordéis, clubes, apartamentos e ruas dos países do Norte, como é o caso das mulheres de Edo, na Nigéria, e também as que desembocam nas cidades de seus próprios países de origem, pertencem majoritariamente a comunidades culturais inferiorizadas e discriminadas, não só pelo Ocidente como também pelas elites culturais e econômicas de seus próprios países. Esse eixo racial e colonial se vincula aos dois outros eixos, o patriarcal e o neoliberal, dando lugar a novas formas de escravidão.
Essas expulsões não são processos espontâneos originados somente pela pobreza extrema. Para que isso ocorra, são necessários “circuitos semi-institucionalizados”, criados por redes mafiosas com a cumplicidade de setores das elites econômicas e do Estado. O espaço natural em que a indústria do sexo se desenvolve é o da economia ilegal.
A prostituição é o coração de uma grande indústria que contribui com a globalização do capitalismo neoliberal. Essa indústria opera como uma estratégia de desenvolvimento para certos países cujas elites políticas e econômicas decidiram que as economias ilícitas podem se converter em uma via de desenvolvimento econômico para seus países. Nesse sentido, é necessário refletir não só sobre que tipos de sociedades resultarão de economias cujo desenvolvimento se fundamenta na mercantilização da sexualidade e dos corpos das mulheres, mas também sobre a desvalorização simbólica do feminino.
2.
A prostituição é uma prática social que contribui para reforçar outra instituição central para os sistemas patriarcais: a masculinidade hegemônica. E, além disso, reforça a ordem heteropatriarcal. Na prostituição a heterossexualidade e o patriarcado se fundem a serviço de um modelo de hipermasculinidade que silencia a empatia dos homens e promove a objetificação e coisificação das mulheres.
Os homens que demandam prostituição — aproximadamente 40% do total da população masculina na Espanha — fazem isso porque existem estruturas culturais e ideológicas que não penalizam esse consumo. De fato, a figura do dele é quase invisível, não está exposta à crítica política e sua ação é vista por setores importantes da opinião pública como uma prática natural. A figura do homem que paga por sexo encontrou um lugar estável no imaginário coletivo. Por que grupos quantitativamente importantes de demandantes renunciam à reciprocidade emocional na sexualidade e substituem-na pelo domínio, pelo abuso e pela violência? Com efeito, alguns prostituidores podem viver em seus lares certa fratura subjetiva devido à autoafirmação das mulheres e de certo clima ideológico propício à igualdade. Pois bem, essa fratura subjetiva se recompõe no prostíbulo. Como pontua Beatriz Ranea, os espaços de prostituição são “cenários de reconstrução subjetiva da masculinidade”.
O uso sexual do corpo de uma mulher na prostituição é um ato de poder e de violência. Com seus atos de poder, os consumidores de prostituição estão mostrando uma profunda saudade dos patriarcados mais duros, aqueles que negavam qualquer condição de agente às mulheres e organizavam institucional e socialmente o poder patriarcal sobre a coação e a violência. Os esforços das elites patriarcais, capitalistas e coloniais para mascarar o ato prostitucional em um ato de consumo não impedem que a prostituição seja um exercício de exploração sexual e de violência patriarcal.
A prostituição é um ato violento que devolve aos demandantes a imagem de que o comum é que as mulheres sejam propriedade coletiva dos homens. Todas elas, as “prostitutas”, pertencem a essa representação masculina que compra sexo. E esse ato lhes restitui a ficção da igualdade, lhes torna uma fratria em que o substancial não é a classe nem a raça, nem a cultura, nem a qualificação profissional. A hierarquia intramasculina passa a um segundo plano. No bordel, diante da mulher prostituída, se restaura a igualdade original.
3.
A prostituição é uma prática social que deve ser analisada no marco da violência contra as mulheres, pois nessa instituição se incorporam as três violências que são correlativas aos três sistemas de poder em cuja interseção se desenvolve a indústria do sexo: a patriarcal, que é a que homens exercem contra mulheres apenas pelo fato de serem homens; a capitalista neoliberal, em que os corpos das mulheres são utilizados como mercadorias; e a racial/cultural, em que as mulheres prostituídas são usadas como mercadorias exóticas em função de seu pertencimento cultural ou racial.
Por que a prostituição deve ser entendida como violência? Porque as sociedades patriarcais colocam à disposição masculina os corpos de um grupo de mulheres, com escassos recursos econômicos e culturais, migrantes e a maioria delas sem direitos de cidadania, pelo menos nos países com maior qualidade de vida, mas também porque a prostituição incorpora com precisão o mandato patriarcal de que as mulheres são para outros e não para si mesmas. Na prostituição o desejo é masculino, pois para elas é só um meio de sobrevivência alheio ao desejo.
A pornografia e a prostituição são uma forma brutal de violência porque os corpos das mulheres são mercantilizados, apesar de os prostituintes terem encontrado um relato para tranquilizar sua consciência: o ato prostitucional é consentido pelas duas partes e se assemelha a uma relação mercantil — cada um coloca o que tem: dinheiro e corpo. Colocar os corpos das mulheres no mercado implica sua desumanização. Além disso, todas essas razões são as que fazem com que uma parte cada vez maior das práticas masculinas que os homens executam na prostituição e na pornografia sejam explícita e fisicamente violentas.
Essa análise teórico-crítica sobre a prostituição desemboca em uma proposta política abolicionista. A proposta ético-normativa que subjaz a esse artigo é a de que na prostituição se incorporam tantas violências materiais e simbólicas contra as mulheres prostituídas, mas também contra todas as mulheres, que só cabe sua abolição. O modelo sueco, em que se penaliza qualquer atividade prostitucional por parte de cafetões e homens que pagam por sexo, e não se penalizam nem perseguem as mulheres que estão em prostituição, representa em chave política a posição ética normativa que esse artigo fomenta. No marco das políticas públicas abolicionistas, a educação tem um lugar preferencial. Por isso, se reflete sobre todas essas questões nesse artigo.
A publicação do artigo original, “Pornografía y prostitución en el orden patriarcal: perspectivas abolicionistas”¹, pode ser acessada aqui.
¹ Publicado em 2019 pela autora espanhola Rosa Cobo, que é também professora titular de sociologia da Universidade da Corunha.
Grifos da tradutora.