Existe uma teoria, defendida por algumas pessoas, de que você não pode ser nacionalista negra e feminista ao mesmo tempo.

Essa teoria está incorreta e esse erro é baseado numa ideia equivocada a respeito desses dois movimentos. Ambos são movimentos revolucionários.

No sistema econômico americano, negros e mulheres são mantidos em um estado de alto desemprego. Ambos servem como fonte de mão-de-obra reserva, sendo empregados apenas em casos de emergências nacionais, como durante a Segunda Guerra Mundial.

Ambos ficam com os trabalhos que têm as piores remunerações — ou são relegados a executar trabalhos não-remunerados, como por exemplo quando as mulheres ficam encarregadas de cuidar e alimentar, por conta própria, a próxima geração de trabalhadores a serem explorados pelas indústrias. Geralmente, pessoas negras ficam com os trabalhos mais indesejados, aqueles que ninguém mais quer. Nessa função, pessoas negras e mulheres podem ser usados como uma ameaça contra os homens brancos privilegiados, que podem ser condenados ao mesmo destino dos negros caso se mostrem mal-agradecidos ou arrogantes.

Esse acordo é, ao mesmo tempo, conveniente e rentável para os capitalistas americanos. Racismo e sexismo, aspectos tradicionais do sistema social americano, servem para manter esse acordo rentável. A classe dominante americana não é capaz de satisfazer as necessidades de Negros e mulheres e ao mesmo tempo manter os altos lucros para financiar as guerras frequentes, que estão se tornando outra tradição americana.

A libertação das mulheres das garras do machismo requer que o sistema atual seja substituído por um melhor, um sistema socialista, e para isso será necessária uma revolução.

A mesma mudança radical nas características básicas da sociedade americana é necessária também para a Libertação Negra das garras do racismo.

Os mesmos capitalistas que privam negros de bons empregos e educação são os que privam as mulheres de bons empregos e educação. O governo que não permite aos negros o controle de suas comunidades é o governo que não permite às mulheres controlarem seus próprios corpos. Os publicitários que negam o ‘Negro é Lindo’ são os mesmos publicitários que negam a beleza natural das mulheres. Fica claro como negros e mulheres têm o mesmo inimigo.

Alguns nacionalistas negros, como os muçulmanos, acreditam que todos os brancos são, até certo ponto, inimigos dos negros, uma vez que todos os brancos se beneficiam, e em parte participam, da opressão do povo negro.

Outros acreditam que os brancos pobres são aliados em potencial dos negros e que se tornarão aliados de fato na luta para destruir o sistema que os explora.

Nacionalistas membros do Partido Socialista dos Trabalhadores, como eu, defendem que a revolução americana acarretará na união de todos da classe proletária, negros e brancos, na luta comum contra a classe dominante, e que os grupos mais oprimidos, como negros e outras nacionalidades oprimidas, estarão na vanguarda dessa luta.

Para todos os nacionalistas revolucionários, o inimigo principal é irrefutavelmente o mesmo: um pequeno grupo de homens brancos da classe dominante em cujas mãos está concentrada a maior parte da riqueza e, portanto, do poder desse país.

Da mesma forma, algumas feministas pensam que todos os homens, de todas as classes econômicas, são inimigos das mulheres por razões similares apresentadas pelos nacionalistas: todos os homens de certo modo se beneficiam da opressão da mulher. Ademais, homens trabalham como agentes do sistema na manutenção da opressão das mulheres.

Outras feministas, principalmente feministas negras, veem homens negros como aliados em potencial, uma vez que homens negros também fazem parte de um grupo oprimido. E essas mulheres encaram com suspeita as declarações de solidariedade das mulheres da classe dominante, às vezes até recusam mulheres brancas e pobres como aliadas.

Feministas marxistas revolucionárias, como eu, defendem que todas as mulheres são aliadas em potencial, mas aquelas que mais sofrem nesse sistema — como as mulheres negras — serão as líderes da luta pela nossa libertação.

Contudo, todas as feministas são unânimes em colocar a maior parte da responsabilidade pelo seu sofrimento nos homens brancos da classe capitalista. E, cada vez mais, conforme o movimento evolui, esse grupo de homens que detém toda a riqueza e a maior parte do poder torna-se o alvo da luta feminista, como nas manifestações da New York Women’s Strike Coalition de 26 de agosto e de 12 de dezembro, onde as feministas reivindicaram a gratuidade do aborto e protestaram contra o enriquecimento dos médicos com os preços exorbitantes dos abortos; e exigiram daqueles que possuem e comandam os que governam o país que transfiram parte do seu lucro para que seja possível fornecer creches 24 horas e gratuitas para todas as mulheres.

Na verdade, nossos governantes já começaram a sentir a força que a pressão unificada dos nacionalistas e feministas podem produzir sobre os capitalistas para que estes cedam uma parte dos seus lucros, que durante muito tempo nos foram roubados.

No Manhattan Community College, o grupo nacionalista Golden Drum Society e o Grupo pela Libertação das Mulheres no Campus começaram a ver ganhos mútuos ao apoiarem suas causas pelo controle do Programa de Estudos Negros pelos Negros e pela reivindicação de creches com funcionários e instalações adequadas oferecidas no campus.

Essa espécie de união causa um compreensível desconforto nas altas esferas e não é de surpreender que a classe dominante faça de tudo para semear desconfiança e confusão e tente cortar pela raiz todas essas alianças ‘nocivas’. Nocivas de acordo com os capitalistas, claro.

Para desencorajar tais parcerias perigosas, a classe dominante faz o seu melhor para distorcer a imagem de ambos os movimentos frente à mídia. Eles publicam artigos atrás de artigos assegurando às mulheres negras de que o Movimento de Libertação das Mulheres é louco e bobo, e que não têm nada em comum com elas. E quando feministas negras tentam dizer o contrário, nada é publicado. Eles tentam fazer parecer que o Nacionalismo Negro odeia todos os brancos, menospreza mulheres e ataca tudo o que vê pela frente sem bons motivos.

Quando, na verdade, a essência do Nacionalismo é a reivindicação — muito racional — de que a apenas uma minoria dos negros americanos tem direito à autodeterminação. E que a essência do feminismo é a válida reivindicação dos seres humanos mulheres de se autodeterminarem e de controlarem seus próprios destinos, livres da exploração e da dominação dos outros serem humanos, que são homens.

Outra forma de promover vigorosamente um suposto antagonismo entre o Nacionalismo Negro e as feministas é apoiar a ideia de que ambos os Movimentos, de alguma forma, competem entre si por migalhas das mesas capitalistas, de forma que o sucesso de um depende do fracasso do outro.

Na raiz dessa ideia equivocada está uma falta de compreensão sobre as reivindicações econômicas da comunidade negra e do real significado a respeito das reivindicações por igualdade de oportunidades de emprego e educação exigidos pelo Movimento de Libertação das Mulheres.

Há algum tempo, trabalhadores brancos de Pittsburgh acreditavam que os candidatos negros iam roubar suas vagas de trabalho. Eles interpretaram erroneamente a simples reivindicação dos negros pelo fim do desemprego da mão-de-obra negra. Da mesma forma, alguns Nacionalistas interpretam erroneamente os objetivos econômicos das reivindicações do Movimento pela Libertação das Mulheres. Mas é falso dizer que mulheres e negros tenham que lutar pelos mesmos trabalhos indesejados. Há trabalhos urgentes a serem feitos nesse país, como a construção de moradias adequadas, mas as pessoas não estão sendo contratadas para fazer trabalhos necessários como esse porque os capitalistas estão mais preocupados com os trabalhos que dão maior lucro.

A reivindicação das mulheres por oportunidades iguais é uma ameaça — e é mesmo — mas não à comunidade negra. Mas sim à manutenção da existência de um sistema econômico que sacrifica os interesses básicos humanos de negros e das mulheres.

Nessa altura, alguns nacionalistas diriam, e alguns já estão dizendo, ‘Sim, o Movimento pela Libertação das Mulheres não é ruim, mas é coisa de mulheres brancas, não é para mulheres negras’.

Mas o exame da tripla opressão que sofrem as mulheres negras — por serem mulheres, negras e da classe trabalhadora — fornece argumentos eloquentes de que essas objeções estão baseadas na falta de informação.

Feministas brancas reivindicam igualdade de oportunidade no mercado de trabalho. Trabalhadoras negras, mais ou menos 3.000 por ano, recebem a menor média salarial do país.

O Movimento pela Libertação das Mulheres reivindica abortos gratuitos controlados pela comunidade, sem esterilizações forçadas. Mulheres negras morrem 4x mais de problemas relacionados à gravidez do que mulheres brancas. Essa reivindicação também diz respeito aqueles que receiam que o aborto, controlado pela comunidade e sem esterilização forçada, seria genocídio. Nenhuma comunidade, no entanto, vai exterminar a si própria.

Feministas reivindicam creches 24h controladas pela comunidade. Os números da Bureau of Labor Statistics demonstram que, em comparação com mulheres brancas, uma proporção maior de mulheres negras de todas as faixas etárias mantém-se empregadas, com exceção do grupo de 16–24 anos, idade em que muito provavelmente as mulheres já tenham filhos e, devido à ausência de creches, não têm com quem deixá-los. De acordo com esses fatos, é óbvio que as questões do Movimento pela Libertação da Mulher, longe de se restringirem às mulheres brancas, são ainda mais pertinentes às necessidades das mulheres negras.

Outra justificativa que opõe a participação de Negros no Movimento pela Libertação da Mulher seria que os esforços das mulheres Negras são necessários para a luta Negra, e de que sua responsabilidade principal seria a de criar e educar uma nação Negra.

Mas as questões que mais preocupam as mulheres negras — emprego, baixos salários, assistência médica controlada pela comunidade — são a própria luta negra! Como essas questões poderiam de alguma forma desviar as mulheres negras da luta negra é um mistério. E quando as mulheres negras se organizam em torno desses assuntos, torna-se evidente que essas questões estão intrinsecamente ligadas. Por exemplo, quando se fala da inflação que reduz salários e subsídios públicos, é necessário considerar a Guerra do sudeste asiático, que tem papel fundamental no aumento da inflação.

Os companheiros nacionalistas que aconselham mulheres negras a apenas se preocuparem em criar e educar crianças negras como forma de construir uma nação negra, esquecem-se de que um lar negro não existe em um vácuo. Mulheres negras têm filhos há muito tempo nesse país. O que nós queremos não é apenas mais bebês negros, mas uma nação negra livre. E para alcançar isso, nós temos que destruir essa sociedade, que determina que as aspirações de crianças negras são impossíveis, e cujo desemprego negro e o desespero se fazem presentes todos os dias em qualquer esquina do bairro.

Mulheres negras não têm como modificar essa realidade cozinhando ou engravidando. A luta que substituirá esse sistema encontra-se fora da cozinha. Usar a energia de mulheres negras apenas para costurar ou servir os homens é um luxo do qual não dispomos, mesmo se fosse desejável (o que não é). Nós não podemos poupar metade dos cérebros do nosso povo, nós vamos precisar de todos eles.

E quanto à afirmação de que o feminismo negro divide e, por isso, atrasa a luta revolucionária, é mais correto afirmar que a supremacia masculina negra é uma força reacionária que precisa ser corrigida.

Algumas vezes se diz que a dominação masculina é uma herança cultural proveniente da África e que, ao destratarem as mulheres, homens negros estão desfazendo a tentativa na nossa sociedade de invalidar a masculinidade negra. Mas a análise da nossa herança cultural revela que ela é diversa — tão diversa quanto a submissão das mulheres Zulu e dos diferentes níveis de agressividade das mulheres nigerianas.

Por exemplo, entre os integrantes da tribo Sul Africana Balonda, mulheres detêm uma posição economicamente superior aos homens. Eram as mulheres que comandavam os Conselhos Tribais, e quando um jovem Balonda se casava, ele deixava a sua aldeia para viver na casa da sua mulher. E no Egito antigo, o marido tinha de prometer amar, honrar e obedecer à sua mulher.

Isso não parece nada com uma tradição de superioridade masculina intacta, não é mesmo? Portanto,

quando homens negros defendem que as qualidades humanas de respeito mútuo e assertividade pertencem apenas ao sexo masculino é tão errôneo quanto quando os brancos defendem que a inteligência e sensibilidade pertencem apenas à raça branca.

Com exceção das desvantagens óbvias para as mulheres negras, o sexismo dos homens negros favorece o jogo da classe dominante branca. O sexismo, branco e negro, é um componente essencial do capitalismo americano e desempenha uma função importante na manutenção desse sistema.

O papel dos homens negros como agentes da opressão das mulheres negras é muito conveniente para os exploradores capitalistas. A classe dominante, na verdade, tornou-se muito proficiente na promoção da supremacia masculina negra.

Por exemplo, uma das suas iniciativas mais eficazes foi presentear o mundo com o Relatório Moynihan, o qual divulgou como notícia de última hora a existência de uma Matriarcado Negro Americano — apesar de que, nessa sociedade, nem homens nem mulheres negras tenham estado em uma posição de controle de suas vidas e de suas comunidades, muito menos de exercitar qualquer poder sobre o resto da sociedade.

É a supremacia masculina, e não o Feminismo, que compromete a luta pela Libertação Negra ao atrasar a vida de metade de nossos combatentes e ao ajudar nossos opressores.

Para os capitalistas, é muito útil ter homens negros segurando as mulheres negras de se tornarem insolentes porque negros presunçosos de ambos os sexos são perigosos.

E mulheres insolentes definitivamente precisam ser controladas.


Publicado originalmente em: The Militant, 2.04.1971
Autora
: Myrna Hill
Tradutora: Luciana Milton
Revisoras: Andreia Nobre; Aline Rossi