Era uma vez um feminismo fofo e inclusivo. Ele era pautado em coisas fofas e necessárias como a nossa reeducação para criarmos laços umas com as outras, para aprendermos a confiar umas nas outras, ouvir-nos, ajudar-nos, e formarmos uma sororidade em oposição à broderagem tão comum e cara aos homens.
Só que essa fofura toda foi virando um monstro silenciador. Com a justificativa da “sororidade”, para evitar “rivalização feminina”, pra evitar “brigas internas” e, basicamente, pra colocar panos quentes em discussões, tornou-se impossível se criticar qualquer posicionamento ou atitude (e, principalmente, a falta de um posicionamento ou de uma atitude) de uma mulher — só por ela ser mulher.
Isso deu margem pro desenvolvimento de um pseudofeminismo (sim) extremamente individualista e egoísta (mais do que já seria esperado de um “feminismo” liberal). Vamos entender por quê.
Partamos do seguinte pressuposto: o feminismo é um movimento político. Não é sobre autoidentificação. Não é uma cultura, não é uma religião, não é uma ideologia. É um movimento social e político.
Assim sendo, é altamente desmerecedor e desrespeitoso com as mulheres que lutam e lutaram durante tantos anos pra construir esse movimento — por meio da academia, de política, do Direito, da mídia, da militância alternativa, da militância de base, enfim — você achar que pode se declarar feminista e ficar por isso mesmo, sem mexer um dedo pra ler uma linha de teoria, sem mexer um tendão pra fazer qualquer coisa de prática por mulheres reais.
Também é totalmente incoerente assumir uma postura liberal e individualista em um movimento que é, por natureza, coletivista e emancipacionista.Não se engajar em projetos, não tomar atitudes e não dar sua cara a tapa pra não “sujar” seu nome, quando esse dano sofrido individualmente não se compararia aos benefícios que viriam por conta de uma tomada de atitude coletiva, é covarde.
E evocar que é necessário avaliar a situação individual de cada uma antes de fazer julgamentos é reforçar esse individualismo todo. É claro, é óbvio que é preciso ter empatia e compreensão com cada uma de nós em momentos de decisão, mas isso não exclui nem deve excluir a necessidade de chamada de responsabilidade pra cada uma que se autointitula feminista.
Feminismo não é uma carta de yu-gi-oh que você evoca quando a julga conveniente.
Feminismo não é um clubinho que você frequenta de vez em quando, toma um chá, faz as unhas e vai embora quando quer fofocar de quem estava lá.
Feminismo não é sobre você, individualmente (acredite!!!).
Não adianta nada — nada — compartilhar foto da mana empoderada do momento na rede social azul e, no dia a dia, ser escrota com sua mãe. Ser racista com a faxineira da faculdade. Ser estúpida com a colega com quem você não simpatiza.
Não adianta nada — nada — se dizer A Feminista Afrontosa só pra causar aquele impacto e assustar uns machos mas, quando você tem a oportunidade real de ajudar uma mulher em necessidade ou em perigo, você fugir com o rabo entre as pernas com medo de retaliação ou de a coisa respingar em você.
Não adianta nada — nada — defender a ferro e fogo xs manxs trans se você se cala frente a situações de homofobia e, principalmente, de lesbofobia. E se cala só por medo de ser taxada de qualquer-coisa-fóbica.
Não adianta nada — nada — ser A Rata dos PDFs Feministas, também, se você não passa da leitura, não contribui pra difusão desse conhecimento, não tem projetos de colocar a coisa em prática, não busca nem saber se na sua faculdade, na sua universidade ou na sua cidade tem alguma coisa na qual você possa se engajar.
É por falta de iniciativa e de engajamento que vemos projetos feministas muito bacanas morrerem. É por falta de coragem e de comprometimento que não conseguimos sair dessa fase de feminismo liberal. E, por fim, é por falta de cobrança de atitude que as coisas, quando mudam, se mudam, o fazem muuuuito devagar…
(Porque se você cobra, se você dá aquele puxão de orelha, você é A Chata, A Arrogante, A Que Se Acha Melhor. Então, claro, ninguém quer ser essa figura, até porque isso geraria ranço e isolamento.)
Então, vamos tentar criar uma cultura de cobrança, sim. Cobrança não é tão negativa assim em 100% das vezes. Autocobrança e cobrança de nossas companheiras e de nossas camaradas de luta. Cobrança pra que tenhamos responsabilidade com o movimento de que dizemos participar. Cobrança pra que tenhamos mulheridade pra assumir responsabilidades e tomar ações que nem sempre vão ser o que pessoalmente queremos, mas que coletivamente nos beneficiarão.
E, até, um pouco de fé na deusa pra que nunca nos falte autocrítica.
Na dúvida, leia! Pesquise! Debata! E mãos à obra!
Vamos juntas, companheira! 💜
Engraçado vcs publicarem um texto desses considerando as nossa “conversas” em outras postagens. Vcs agiram exatamente desse jeito comigo e até insinuaram que eu “não entendia nada de feminismo”. Essa autocrítica pelo visto ,só deve ser para as “outras”, para mim, para qualquer quem não faz parte desse social club.
Mas enfim, pelo o que tenho visto por aí, nem vale a pena. Nenhuma feminista vale.
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