Grito vindo das sombras
"Grito vindo das sombras": Discutindo o Feminismo do Japão com Drª Setsu Shigematsu

Discutindo o Feminismo do Japão com Drª Setsu Shigematsu

Aqui no Asia Art Tours uma de nossas principais prioridades é complicar ou interrogar os estereótipos dominantes que vemos serem usados pela indústria do turismo para vender suas destinações. Para o Japão, essa é a imagem da Geisha ou da mulher japonesa “obediente” e “educada” — quando aquelas que vivem no Japão sabem que o Japão historicamente tem um dos movimentos feministas mais complexos, barulhentos e dinâmicos do mundo.

Para desmantelar e interrogar esses estereótipos do Japão, o Asia Art Tours foi extremamente bem-aventurado de falar com a doutora Setsu Shigematsu da UC Riverside. Seu livro SCREAM FROM THE SHADOWS: THE WOMEN’S LIBERATION MOVEMENT IN JAPAN [“Grito vindo das sombras: o movimento de libertação das mulheres no Japão”, em tradução livre, sem edição em português] é um dos melhores textos sobre a longa história de feminismo e ativismo do Japão.

Falamos com a doutora Shigematsu longamente sobre a história do feminismo, sobre como as feministas japonesas e ocidentais divergiam, e onde as feministas do Japão se posicionam hoje.

ASIA ART TOURS: Para falarmos primeiro de você, poderia nos falar um pouco de sua história? Houve alguma experiência pessoal que levou a seus interesses pelo Feminismo?

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SETSU SHIGEMATSU: Eu nasci em Tóquio, mas cresci em Londres, na Inglaterra, e nos subúrbios de Vancouver, na Columbia Britânica. Meus pais japoneses eram progressistas para sua geração, e apesar de que minha mãe não chamasse a si mesma de feminista, a forma como ela descrevia a desigualdade de gênero na sociedade japonesa me fez muito consciente disso conforme eu crescia. Eu me lembro de ela descrever antigos ditados japoneses, como “uma mulher deve anda três passos atrás de seu marido”, e de ela me contando a história de Madame Butterfly, que ela assistiu várias vezes performada por Takarazuka. Como jovem adolescente, eu achei que o suicídio de Cio-cio foi completamente absurdo e o sexismo romantizado dessa história ficou grudado em mim. Essa consciência cresceu, e depois que eu aprendi sobre mulheres japonesas rebeldes na graduação em livros como “Reflections on the Way to the Gallows” (“Reflexões no caminho à forca”, sem edição em português), que conta as histórias de mulheres japonesas anarquistas anti-imperialistas que eram condenadas à morte pelo Estado, isso aumentou ainda mais minha curiosidade. Para meu projeto de dissertação, eu queria pesquisar sobre mulheres japonesas revolucionárias e feministas radicais na era dos anos 60 e 70.

AAT: O que especificamente inspirou seu trabalho “Scream from the Shadows”? Você tinha algum objetivo em mente quando você estava compondo o texto? E você tinha alguma leitora em mente para quem você estava criando o livro?

SS: Eu acredito que era necessário combater o orientalismo e sua imagem predominante de mulheres japonesas e “orientais” e a ignorância geral sobre o feminismo japonês. Eu queria tornar o feminismo radical japonês não só legível para uma audiência maior, mas também analisar e argumentar sua relevância para a política do século XXI. Eu estava escrevendo um livro acadêmico, mas eu queria fazer justiça às mulheres do movimento, as quais eu cheguei a conhecer e fazer amizade ao longo dos meus anos de pesquisa.

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AAT: Para o Scream from the Shadows, por que você escolheu focar especificamente no feminismo dos anos 60 e 70, e que contexto histórico ou cultural é importante ao compreender o pensamento das feministas que você estudou (se é que é possível responder uma pergunta assim tão ampla!)?

SS: Esse período é importante dentro do contexto internacionalista mais amplo do 1968 global. O movimento ascendeu como parte de um levante mundial e movimentos de outros países e continentes estavam se fertilizando em cruzado uns aos outros. Eu escrevo sobre como movimentos domésticos contrários à Guerra do Vietnã e movimentos estudantis de esquerda eram o contexto imediato e como as notícias sobre o movimento feminista estadunidense, os discursos sobre o black power e sobre os Panteras Negras também foram catalisadores.

AAT: Nesse sentido… devemos pensar no Uman Ribu como um braço do feminismo desse momento histórico, ou COMO o Movimento Feminista Japonês, em sua totalidade, desse período histórico?

SS: Uman Ribu foi específico a esse momento histórico e um braço muito novo da libertação das mulheres ou feminismo japonês. Suas ativistas estavam respondendo criticamente ao sexismo na Nova Esquerda e no movimento estudantil dominados por homens, e reagindo criticamente a mudanças culturais da era como o “sexo livre”. Mas suas ativistas também aprenderam com o já existente movimento de mulheres de esquerda japonesas e compreenderam que havia a necessidade de uma mudança de paradigmas.

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AAT: De novo, falando de forma bem ampla, quais são algumas das diferenças mais gritantes entre as feministas japonesas que você estudou e suas semelhantes ocidentais? O que diferenciaria mais uma feminista ocidental de suas companheiras japonesas? (Isso pode ser em termos de ideologia, demografia [classe média] ou objetivos)

SS: A demografia era semelhante — mulheres de classe média com educação formal primariamente em seus vinte anos e mães jovens. Eu acho que uma das diferenças mais significativas entre esse movimento chamado Uman Ribu é que, em contraste ao feminismo estadunidense branco liberal, essas ativistas não se centravam no conceito de “direitos das mulheres” (kenri) ou igualdade com os homens como seu objetivo. Em outras palavras, [esse movimento] não aderiu ao liberalismo ou ao feminismo liberal, que enfatiza direitos individuais.

Eu descrevo o movimento como movimento feminista radical, não somente por conta da retórica militante de algumas de suas ativistas — mas porque elas clamavam por uma transformação completa das fundações socio-econômico-culturais da sociedade japonesa moderna: elas estavam nomeando o capitalismo e o patriarcado e o sistema de família e o imperialismo japonês e todas as formas pelas quais esses sistemas se interseccionavam para discriminar. Discriminação sexual era um de seus conceitos centrais.

AAT: Você tem essa passagem maravilhosa no capítulo 1 em que você declara:

Os laços próximos ao governo e investimentos nos papéis de mulheres como boas donas de casas e mães sábias formaram a base do relacionamento interligado entre a família japonesa e o capitalismo de Estado que o ūman ribucriticava como a unidade reprodutiva de um sistema social discriminatório.

Você poderia falar um pouco sobre isso? Que críticas ou contribuições o Uman Ribu teve sobre o papel da mulher na reprodução social do capitalismo de Estado no Japão, e quais aspectos dessa reprodução elas estavam tentando mudar por meio de seu ativismo?

SS: Essa pergunta ajuda a fortalecer meus comentários anteriores, porque, por exemplo, ao invés de as mulheres japonesas buscarem igualdade com seus equivalentes japoneses de classe média, elas chamavam os assalariados japoneses “escravos da corporação”. Esse tipo de discurso militante remetia uma crítica poderosa e feroz de um capitalismo patriarcal de Estado, quando não às vezes mirando num efeito retórico exagerado uma vez que homens japoneses não eram escravos no sentido de posse, mas usavam tal linguagem para enfatizar seu estado relativo de opressão e de falta de liberdade. Em outras palavras, o ativistas do Uman Ribu denunciavam essa discriminação de bases sexuais na qual homens, não porque queriam subordinar suas vidas a uma corporação, mas homens eram a força de trabalho paga para o capitalismo japonês e mulheres eram as colaboradoras-chave ao serem as trabalhadoras domésticas não-pagas que reproduziam esse sistema.

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AAT: É importante compreender as líderes do Uman Ribu (figuras como Iijima Aiko e Tanaka Mitsu)? Se sim, quais são algumas das ideias centrais das líderes, e como elas eram seguidas (ou, então, contrapostas) pelas seguidoras do movimento Uman Ribu?

SS: Eu entendia Iijima Aiko como uma precursora ao Uman Ribu. Ela já havia sido ativista socialista durante muito tempo e eventualmente rompeu com o partido socialista. Ela era casada com o homem conhecido com o pai do Trotskyismo japonês, Ota Ryu, mas o deixou declarando que ela vivenciava “a opressão de seu sexo” em seu casamento. Iijima não se identificava como Uman Ribu. A maior distinção entre Tanaka Mitsu, que se tornou a figura icônica do movimento Uman Ribu, e Iijima, teve a ver com suas diferenças a respeito de políticas sexuais, Tanaka politizava a sexualidade como nenhuma outra feminista japonesa publicamente conhecida antes dela. Seu discurso não tinha precedentes desde a forma como ela falava sobre seu próprio abuso sexual quando criança até as formas como ela denunciava a castidade das donas de casa japonesas como sendo cúmplice com o estupro e a violação das “mulheres de conforto”. Tanaka era uma mulher carismática e frequentemente líderes de tais movimentos de mudança de paradigmas eram indivíduos formidáveis cujo discurso era impressionante e até chocante porque estavam dispostas a denunciar publicamente o que a maioria das outras não ousaria dizer.

Iijima não centrava ou enfatizava a sexualidade da forma como Tanaka fazia. Iijima estava mais preocupada em concentrar a prosperidade pós-guerra da sociedade japonesa como sendo cúmplice dos esforços de guerra no Vietnã, enquanto Tanaka estava mais preocupada em liberar onna (mulheres) e com a especificidade da opressão de onna (mulheres) como sujeito sexualizado. Tanaka e algumas de suas amigas ativistas foram longe para trabalhar como anfitriãs, e o fizeram com um tipo de consciência política para desafiar a dicotomia boa mulher casta/má mulher fácil que o patriarcado japonês impõe para dividir e hierarquizar mulheres.

AAT: E para colocar o Uman Ribu no presente, por que você pensa que o clamor delas por um feminismo anti-imperialista, a noção de mulheres japonesas como vítimas-cúmplices, e o reconhecimento do papel das mulheres na produção da guerra… não parece ser tão proeminente nos movimentos feministas modernos (no Japão, ou em qualquer lugar)? Especialmente conforme múltiplas guerras estão sendo travadas atualmente e o Japão objetiva mais uma vez ter a habilidade de travar guerras ofensivas ou de motivação imperialista.

SS: Essa é uma ótima pergunta. Mas eu penso que isso deriva do excesso de ênfase no “empoderamento das mulheres” versus compreender a cumplicidade das mulheres com a violência de Estado. As feministas japonesas têm muito a oferecer nesse sentido porque a maioria tem resistido em representar mulheres como vítimas inocentes e elas têm sido críticas do poder nacional-imperial e do privilégio de classe em sistemas mundiais mais amplos.

De novo, quando falamos de feminismos, eu acho que é importante compreender as contribuições dos feminismos racializados e do feminismo de terceiro mundo e como suas críticas têm sido muito mais interseccional com suas críticas da simultaneidade de vários eixos de poder. Aumentar o número de mulheres policiais ou de mulheres soldados para esforços de guerra imperialista não era a forma de empoderamento pela qual a maioria das feministas no Japão lutaria. Esses seriam exemplos de maior cumplicidade com a violência de Estado e demonstrariam como a igualdade com os homens não deveria ser o objetivo principal do feminismo.

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AAT: Qual era a crítica do Uman Ribu da dona de casa, e que modelos alternativos elas ofereciam? (Estou pensando na construção delas de comunas exclusivas de mulheres)

SS: Ribu criticava a estrutura ie (familiar) patriarcal, que historicamente privilegiava o filho mais velho e centralizava numa chefia de família masculina. Ao invés disso, algumas mulheres ribu se recusavam a se casar, e tinham crianças deliberadamente “fora” do casamento e viviam com outras mulheres em comunas para criá-las. Muitas mulheres ribu se recusavam a se casar por razões políticas. Era assim que elas viviam sua política no dia a dia.

AAT: Que tipo de violência era cometida à mulher japonesa para segurá-la nesse papel de dona de casa, e qual violência o Ribu queria que as mulheres japonesas liberassem (por exemplo, suas campanhas de apoio a mulheres que haviam assassinado seus maridos e crianças)?

SS: A violência cometida contra mulheres japonesas para coagi-las a esse papel opera como a hegemonia o faz de forma a obscurecer o próprio continuum de coerção e de escolha ou de falta de escolha; portanto, essas instituições socio-culturais que reproduzem a normatividade de gênero dentro das famílias e escolas de fato policiam as pessoas para que cumpram o gênero requisitado. Esses processos não são tipicamente reconhecidos como violência, mas eu penso que a emergência dos movimentos feminista e LGBTQ tem feito essa forma de violência social evidente e demonstra como ela confina as pessoas ao invés de permitir a libertação de gênero para fora do binário heteronormativo.

Kogoroshi onna (mães que mataram suas crianças) eram um fenômeno que ativistas uman ribu buscavam retratar de outra forma ao enfatizar a forma extrema de alienação que algumas mulheres vivenciavam a partir desse tipo de normatização-social-enquanto violência; essas mulheres se rebelavam contra essas normas e até matariam seus bebês e crianças. Eu acho que ao enfatizar sua solidariedade com essas mulheres, essas ativistas não estavam perdoando ou louvando tal violência, mas estavam prontas a reconhecer o poder violento em potencial que toda mulher possuía mas reprimia até que ela fosse empurrada a libertá-lo.

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AAT: Que legados ou marcas do Ribu podemos ver no discurso feminista japonês moderno sobre sexo, agência, e identidade?

SS: Feministas japonesas não têm enfatizado no “direito” ao aborto, mas na ideia de que queremos criar uma sociedade em que mulheres queiram parir. Nesse tipo de slogan, havia não uma rejeição à maternidade e à sexualidade reprodutiva das mulheres, mas elas queriam criar condições por meio das quais mulheres pudessem realizar o desejo autêntico de realizar essas capacidades reprodutivas ao invés de criar uma prescrição social do que toda mulher deveria seguir; elas rejeitavam a prescrição imposta pelo Estado da boa dona-de-casa / mãe sábia (ryosai kenbo) à qual o Estado ditava que as mulheres deviam se conformar.

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AAT: Gostaria de saber se você pode fazer algumas provocações e elaborar um pouco mais sobre essa citação e qualquer relevância contemporânea que você pensa que ela possa ter para feministas modernas ou para o Neoliberalismo moderno.

Aqui fica claro que mulheres ribu argumentavam que a responsabilidade pelo assassinato de crianças não deveria ser individualizada — destacando-se um “indivíduo perante a lei” — mas deveria ser alocada coletivamente numa sociedade que faz uma mulher matar sua criança.

SS: Eu acho que podemos entender essa primeira citação como uma abordagem proto-feminista abolicionista ao dano e à transgressão. De que é imperativo perseguir a raiz do porquê e de como o dano é feito. Ao invés de enfatizar a responsabilidade individual como nossa sociedade atual neoliberal prefere que nosso foco seja, eu penso que uman ribu muda nossas perspectiva e análise para o sistema que cria tais condições opressivas e alienantes que fariam com que uma mulher matasse suas próprias crianças.

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AAT: Você poderia fazer algumas provocações sobre as redes de apoio e solidariedade entre os movimentos do Ribu e do EVU [Exército Vermelho Unido]? Por que elas como feministas buscavam solidariedade com mulheres do EVU que eram, de outra forma, difamadas pela mídia e pela sociedade japonesas?

SS: Tanaka Mitsu e ativistas ribu tinham várias afiliações com membros do Exército Vermelho Japonês e com o que se tornou o Exército Vermelho Unido (não confundir com a ala internacional do Exército Vermelho Japonês). Houve conexão relacional direta porque Nagata Hiroko convidou Tanaka e seu grupo ribu para participar do EVU em seu campo de treinamento nas montanhas. Ao ser oferecida esse convite de fusão, Tanaka sabiamente rejeitou.

Em adição a essa específica conexão histórico-relacional, também houve as dimensões políticas e filosóficas do que estava em jogo ao declarar solidariedade com as mulheres do EVU. A intervenção discursiva e filosófica que Tanaka Mitsu fez dessa vez no início dos anos 70 foi de que ela (ou qualquer pessoa) poderia ser uma Nagata Hiroko — isto é, uma mulher que buscava superar outros homens e, assim, impressionar as outras pessoas em uma sociedade competitiva. A resposta de Tanaka buscava fazer uma advertência contra a tendência de outras pessoas de pensarm de si mesmas como totalmente capazes de serem “os fodões”, os vilões ou os criminosos, e de que tais diferenças são largamente variáveis de acordo com as circunstâncias da vida de cada um. Ela não estava promovendo o relativismo na ética, mas pressionando pela compreensão das ações do outro.

O aspecto político dessa solidariedade com as mulheres do EVU também foi crucial porque o Estado estava o usando o EVU como meio para difamar todo ativismo de esquerda como perigoso e violento, aumentando o impacto de um caso de assassinato de 12 ativistas (num expurgo interno) como motivo para afastar a sociedade japonesa de aceitar atividades de esquerda como legítimas. O EVU era a forma ideal de repudiar e deslegitimar o ativismo esquerdista ao culpar misoginisticamente uma mulher pela violência militante e letal que já era sintomática da cultura andro-dominada da Nova Esquerda.

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AAT: Que lições você acha que o movimento Ribu ainda tem que ensinar aos movimentos feministas modernos no Japão?

SS: Sua recusa geral de depender de ou confiar no Estado japonês.

AAT: Que lições ele tem para movimentos feministas internacionais?

SS: A importância de solidariedade transnacional e de refletir sobre como o privilégio relativo de alguém é baseado em legados mais longos emaranhados a imperialismo, colonialismo, e racismo.

AAT: E na sua opinião, como os movimentos feministas podem construir melhor a solidariedade internacional, com ambas organizações feministas e movimentos de esquerda, globalmente?

SS: Isso é o ideal, e necessário, mas, da minha experiência, isso tipicamente se torna circunscrito por limitações materiais (24 horas num dia), falta de recursos…, mas na era digital de hoje, eu acho que a comunicação entre movimentos pode se dar rapidamente (até instantaneamente), mas a confiança e a solidariedade construída sobre confiança-e-ação requer que o teste (mais) devagar do tempo se prove sustentável, e, finalmente, queremos construir movimentos sustentáveis. Nesse sentido, penso que Women for Genuine Security fornecem um ótimo modelo para um movimento feminista transnacional sustentável de longo prazo.

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AAT: E como um PS opcional… o Uman Ribu era profundamente comprometido em centrar ativistas com deficiência e era consciente de como a aparência das mulheres era frequentemente usada para emudecer a validade de suas palavras (tanto pela mídia, quanto pelos homens, e até por outras feministas).

SS: O movimento tinha sorte de ter Yonezu Tomoko como figura central, e como alguém que era deficiente, por conta de paralisia, sua figura não-normativa era uma forma de atrair atenção visual, mas a mídia sempre tentava manipular imagens dela para tirar sarro do movimento. A compreensão do Uman Ribu de como o capitalismo valoriza o corpo reprodutivo para gerar lucro era conectada à sua análise da importância de valorizar a vida e de estar fora desse sistema de valor de beleza e capital.

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AAT: Que mensagens ou críticas as Ribu teriam sobre beleza ambos em seu tempo e sobre seu lugar no feminismo moderno ou como uma “prisão de duas vias” (prende quem está dentro e quem está fora) para mulheres que estão tentando mudar a sociedade?

SS: As mulheres Ribu de forma geral rejeitavam tais armadilhas enquanto criavam sua própria nova estética feminista e redefiniam a beleza e a força das mulheres. A organização dos “Concertos de Bruxa” em 1973 e 1974 seria um exemplo desse tipo de artes e estéticas feministas. Eu acho que feministas estão sempre tentando redefinir e ressignificar o que a beleza significa como parte de uma batalha perpétua contra a dinâmica de prender fora/prender dentro que você descreveu. Eu acho que figuras como Ariana Miyamoto e Ikumi Yoshimatsu fazem parte de uma nova geração de mulheres que participam do que se presumem ser práticas anti-feministas como concursos de beleza, mas tentam usar tais plataformas para desafiar normas duradouras de identidade racial japonesa e da dominação masculina na indústria do entretenimento, respectivamente. Essa nova geração de mulheres desafia noções racializadas de “Japonesidade” e expõe a supremacia masculina e a violência genderizada dentro da indústria de entretenimento que precisam ser expostas. Minha preocupação é que precisamos ter uma crítica de feminismos neoliberais com que o feminismo de celebridade frequentemente é cúmplice, então seria interessante dialogar com diferentes gerações de feministas para considerar como o anti-imperialismo e o anticapitalismo podem continuar a inspirar os feminismos contemporâneos no Japão.

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Tradução do artigo Scream from the Shadows: Discussing Japan’s Feminism with Dr. Setsu Shigematsu, publicado no site Asia Art Tours, em outubro de 2019. Você pode ler o original em inglês aqui.