EL PASO, Texas — Um menino de 2 anos preso quer ficar no colo o tempo todo. Algumas meninas, com idades entre 10 e 15 anos, dizem que têm feito o possível para alimentar e acalmar a criança pegajosa que foi entregue a elas por um guarda, dias atrás. Advogados alertam que crianças estão cuidando de crianças e que a comida, a água e o saneamento são inadequados para 250 bebês, crianças e adolescentes na instalação da Patrulha da Fronteira
Esse triste retrato surgiu em junho de 2019, depois que uma equipe jurídica entrevistou 60 crianças em uma instalação perto de El Paso, que se tornou o mais recente lugar onde os advogados dizem que jovens migrantes estão descrevendo negligência e maus-tratos nas mãos do governo dos EUA.
Dados obtidos pela Associated Press mostraram que havia três bebês na instalação, com suas mães adolescentes, junto a um de 1 ano, dois de 2 anos e um de 3 anos. Existem dezenas de outras crianças com menos de 12 anos. Quinze estão gripadas e outras 10 estão em quarentena.
Três meninas disseram aos advogados que estavam tentando cuidar do menino de 2 anos, que havia feito xixi nas calças, não tinha fralda e vestia uma camisa suja de muco quando a equipe jurídica o encontrou.
“Um agente da Patrulha da Fronteira entrou em nosso quarto com um menino de 2 anos e nos perguntou: ‘Quem quer cuidar desse menino?’ Outra menina disse que cuidaria dele, mas perdeu o interesse depois de algumas horas e eu comecei a cuidar dele ontem”, disse uma das meninas em entrevista aos advogados.
A professora de Direito Warren Binford, que está ajudando a entrevistar as crianças, disse que não conseguiu saber nada sobre o bebê, nem mesmo de onde ele é ou quem é sua família. Ele não está falando.
Binford descreveu que, durante as entrevistas com crianças em uma sala de conferências nas instalações, “as crianças estão tão cansadas que têm adormecido nas cadeiras e na mesa de conferências”.
Ela disse que uma criança de 8 anos cuidando de uma criança muito pequena de 4 anos com cabelo emaranhado não conseguiu convencer a menor a tomar banho.
“Em meus 22 anos de visitas a crianças detidas, nunca ouvi falar desse nível de desumanidade”, disse Holly Cooper, que co-dirige a Clínica de Leis de Imigração de Davis na Universidade da Califórnia e representa os jovens detidos.
Os advogados inspecionaram as instalações porque estão envolvidos no assentamento Flores, um acordo legal da era Clinton, que rege as condições de detenção para crianças e famílias migrantes. Os advogados negociaram o acesso às instalações com as autoridades e dizem que a Patrulha da Fronteira sabia as datas de sua visita com três semanas de antecedência.
Muitas crianças entrevistadas chegaram sozinhas à fronteira dos EUA com o México, mas algumas foram separadas de seus pais ou de outros cuidadores adultos, incluindo tias e tios, disseram os advogados.
As regras do governo determinam que as crianças sejam mantidas pela Patrulha da Fronteira por no máximo 72 horas, antes de serem transferidas para a custódia dos Serviços Humanos e de Saúde, que abriga jovens migrantes em instalações em todo o país.
As instalações do governo estão superlotadas e cinco crianças imigrantes morreram desde o final do ano passado após serem detidas pela Alfândega e Proteção de Fronteiras. Uma mãe adolescente com um bebê prematuro foi encontrada na semana anterior a esta reportagem em um centro de processamento da Patrulha da Fronteira do Texas, após ser detida por nove dias pelo governo.
Em entrevista à Associated Press, o comissário interino de Alfândega e Proteção de Fronteiras, John Sanders, reconheceu que as crianças precisam de melhores cuidados médicos e de um lugar para se recuperar de suas doenças. Ele instou o Congresso a aprovar um pacote de financiamento de emergência de 4,6 bilhões de dólares, que inclui quase 3 bilhões para cuidar de crianças migrantes desacompanhadas.
Ele disse que a Patrulha da Fronteira está mantendo 15.000 pessoas, mas considera-se que a capacidade seja de 4.000.
“A morte de uma criança é sempre uma coisa terrível, mas aqui está uma situação em que, porque não há financiamento suficiente… eles não podem tirar as pessoas de nossa custódia”, disse Sanders.
A chegada de milhares de famílias e crianças na fronteira a cada mês não apenas esgotou os recursos, mas também colocou os agentes da Patrulha da Fronteira no papel de cuidadores, especialmente para os muitos jovens migrantes que vêm sem os pais.
Mas as crianças da instalação em Clint, que fica no meio do deserto, a cerca de 40 quilômetros a sudeste de El Paso, dizem que tiveram que assumir algumas das funções de cuidar das crianças mais novas.
Uma menina de 14 anos da Guatemala disse que cuidava de duas meninas, carregando no colo.
“Eu também preciso de conforto. Sou maior do que elas, mas também sou criança”, disse ela.
As crianças contaram aos advogados que recebiam aveia, uma bolacha e uma bebida adoçada pela manhã, macarrão instantâneo no almoço e um burrito e uma bolacha no jantar. Não há frutas ou vegetais. Eles disseram que passaram semanas sem tomar banho ou sem trocar de roupa.
Um pai migrante, falando sob condição de anonimato por causa de seu status de imigração, disse à AP quinta-feira que as autoridades separaram sua filha da tia dela quando entraram no país. A menina seria uma aluna da segunda série em uma escola dos EUA.
Ele não tinha ideia de onde ela estava até segunda-feira antes desta reportagem, quando um dos membros da equipe do advogado que visitava Clint encontrou seu número de telefone escrito em marcador permanente em uma pulseira que ela estava usando. Dizia “pai EUA”.
“Ela está sofrendo muito porque nunca esteve sozinha. Ela não conhece essas outras crianças”, disse o pai.
O congressista republicano Will Hurd, cujo distrito inclui Clint, disse que “situações trágicas” ocorrendo na fronteira sul estão levando agências governamentais, organizações sem fins lucrativos e comunidades do Texas ao limite.
“Este último acontecimento demonstra a necessidade imediata de reformar as leis de asilo e fornecer financiamento suplementar para enfrentar a crise humanitária em nossa fronteira”, disse ele.
A Dra. Julie Linton, que co-preside o Grupo de Interesse Especial de Saúde do Imigrante, da Academia Americana de Pediatria, disse que as instalações da Patrulha da Fronteira não são um local apropriado para manter crianças.
“Essas instalações são tudo menos adequadas para crianças”, disse a Dra. Julie Linton. “Esse tipo de ambiente não é apenas insalubre para as crianças, mas também inseguro.”
O governo Trump tem se esforçado para encontrar um novo espaço para manter os imigrantes, já que enfrenta críticas de que está violando os direitos humanos das crianças migrantes ao manter tantas delas detidas.
O psicanalista de São Francisco Gilbert Kliman, que avaliou cerca de 50 crianças e pais em busca de asilo, diz que o trauma está causando danos permanentes.
“Crianças cuidando de crianças constitui uma traição da responsabilidade adulta, da responsabilidade governamental”, disse ele.
[Nota da tradutora]
Apesar das alegações governamentais (motivadas pela pressão de órgãos humanitários) de que estaria tentando melhorar as condições das crianças imigrantes, passado mais de um ano após a reportagem, o governo Trump continua a não apenas praticar a detenção de crianças, como segue constantemente fazendo declarações xenófobas que aumentam o ódio a imigrantes de forma geral, prejudicando a situação dessas crianças e insensibilizando pessoas para o problema.