Justin Trudeau demonstra acidentalmente porque homens não devem se chamar de “feministas”
Justin Trudeau, Primeiro Ministro canadense

Eu não pude evitar o alívio que senti quando Justin Trudeau foi eleito o Primeiro Ministro do Canadá em 2015. Quero dizer, que cara legal! Que cabelo bacana! Que falta de interesse em reverter o acesso ao aborto! Em meio aos políticos, ele é melhor que a maioria das alternativas. Mas, deus do céu, eu bem que gostaria que ele parasse de anunciar suas credenciais “feministas” em toda ocasião que ele tem chance.

Por que, feminista cruel, que nunca está contente com nada e sempre reclama de tudo?!” você pode perguntar.

Bem, deixe-me começar dizendo que eu conheço uma quantidade de homens que eu considero feministas. O que eu quero dizer com isso é que esses homens abordam a política e suas vidas pessoais como sujeitos que desejam desafiar e desmantelar a supremacia masculina. Eles apoiam os avanços feministas para acabar com o assédio sexual, com a violência doméstica e com a prostituição. Eles se posicionam contra a pornografia e contra os papéis de gênero. Eles responsabilizam os homens abusivos. Eles também não saem por aí anunciando para todos que possam ouvir que eles são feministas. Ao invés disso, eles simplesmente se comportam de maneiras que demonstram genuinamente seu apoio ao movimento de libertação das mulheres.

“Mostre, não fale” é a abordagem que eu sempre recomendo aos homens. A maioria dos homens que entende uma coisa ou outra sobre ser um aliado consegue entender isso. Eles entendem que aparentar virtude tem muito mais a ver com validação e fabricação de auto-imagem do que com ações. Eles entendem que feminismo é um movimento criado e direcionado a mulheres, e que não está apto a eles insistir ou cooptar o rótulo para si mesmos. Mas o jovem Trudeau não é o tipo de homem que mostra ao invés de falar.

O problema com os homens (rs) é que eles têm a tendência de se levar mais a sério do que a qualquer outra pessoa. Essa é uma parte chave do treinamento masculino sob o patriarcado. Na verdade, todos nós somos ensinados que as ideias dos homens, as vozes, as opiniões e o trabalho dos homens são mais legítimos que os das mulheres. Mulheres são muito emotivas, superficiais e sangrentas para serem levadas a sério. Esse é o motivo de homens terem historicamente sido o centro em toda arena desde a política, passando pela música até a medicina, e o motivo pelo qual Rebecca Solnit nos presenteou com a noção de “homexplicar”. Homens não só são sabe-tudo condescendentes, que não conseguem não masculinizar tudo ao redor, até quando estamos os elogiando, como eles têm aversão a ideia de que uma mulher possa ter qualquer tipo de conhecimento superior a eles em qualquer assunto que seja. A aversão é tanta, que até mesmo quando o assunto é o movimento das mulheres, entre todas as outras coisas, eles acreditam que sabem mais.

Você pode pensar que esse padrão não se repete entre homens que se afirmam feministas, mas, como evidenciado pelos próprios homens, esse não é o caso.

Semana passada, em uma conferência organizada pela Fundação Bill e Melinda Gates, Trudeau contou à plateia que a última vez em que ele esteve McGill, ele teve uma discussão com uma colega de classe sobre se um homem poderia ou não ser considerado feminista. Trudeau insistiu que sim, ele não apenas podia, como de fato era feminista.

A moça retrucou “Não, apenas mulheres podem ser feministas. Você pode ser um aliado, mas feminismo é algo nosso.” Melinda Gates, pra quem Trudeau estava retransmitindo sua história, sorri e a audiência cai em gargalhada. (Ha! Mulheres são tão estúpidas quando se trata de feminismo!) Trudeau acalma a plateia e explica que “20 ou 25 anos atrás essa era uma perspectiva forte.” Em sua defesa, ele admite que algumas pessoas ainda pensam dessa maneira e que “há espaço para discussões a esse respeito,” mas segue explicando que ele mudou de ideia e começou a se intitular de feminista no momento em que outro homem mostrou que era possível. Mais especificamente, o ator Joseph Gordon-Levitt.

Uma vez que Trudeau viu um vídeo de Gordon-Levitt se dizendo feminista, Trudeau diz que percebeu que era “ok para homens dizerem que são feministas de forma pública” e decidiu começar a fazer exatamente isso (e nunca mais parar!)

Então. Vamos recapitular: uma mulher fala para Trudeau que feminismo é a luta das mulheres, Trudeau discorda, mas (eu assumo) evita anunciar constantemente em público que ele é feminista. Aí um homem explica que homens podem ser feministas e Trudeau, empolgadamente muda de atitude e começa a anunciar seu feminismo a cada chance que recebe.

Em outras palavras, uma vez que um homem diz que homens podem adotar o título, “feminista”, Trudeau toma as palavras desse homem como certas acima da palavra de uma mulher que disse (corretamente) que era inapropriado um homem exigir para si tal título.

Pra mim, isso demonstra um ápice de masculinismo. Que de alguma forma um homem seja capaz de determinar se um outro homem pode ou não se auto-intitular de feminista, é absurdamente demonstrativo do fato de que homens apenas não aceitam as palavras ou limites das mulheres como legítimos, até mesmo quando estamos falando sobre um movimento que existe para desafiar a ideia de os limites e as palavras das mulheres não são legítimos.

Existe uma moda atual em que homens se utilizam do título “feminista” para ditar como mulheres deveriam fazer para melhor atingir sua própria libertação. E, infelizmente, esse é o risco de se permitir que homens se chamem de “feministas” — que eles vão simplesmente usar o termo e fazer dele algo sobre os homens ou usá-lo contra nós: para explicar a mulheridade às mulheres, o que é o que não é empoderador, e quem nós devemos incluir em nossa luta. (Surpresa! São os homens!) Considerando todo fator histórico, é digno de nota que até algumas mulheres insistirão que homens devem ser incluídos no movimento feminista, mas de alguma forma, compreensível. Mulheres são socializadas para centrarem suas vidas em homens e a assegurar que todos ao redor se sintam bem-vindos e inclusos, não ostracizados ou de alguma forma desconfortáveis. Enquanto homens historicamente não fizeram nenhum esforço notável para garantir que seus movimentos políticos fossem inclusivos com as mulheres, mulheres continuam pulando cercas para evitar que homens se sintam deixados de lado.

Eu estou aqui para dizer que é OK que mulheres tenham um movimento apenas para nós. Na verdade, eu argumento que é necessário. Existem infinitas oportunidades de nos colocarmos em perigo fazendo alianças com os misóginos corajosos que fazem parte da esquerda de hoje. Homens liberais certamente não vão cessar de oferecer às mulheres a opção de gastar nossas vidas fingindo que essa “libertação sexual” se parece exatamente com um filme pornô apenas por coincidência… Por que não podemos ter apenas um movimento que não se pareça com isso?

Para ser clara, eu acho que Trudeau tem boas intenções. Mas a questão de para quem o movimento feminista foi criado é uma questão importante. Homens não podem apoiar o movimento feminista se eles não entendem de antemão e de uma vez que feminismo é para as mulheres. É um movimento político que se centra em nós: nossas vozes, nossos corpos, nossos interesses, nossos espaços, e nosso ativismo. Não é para que eles possam possuir, nem para que possam anunciam para as mulheres ao seu redor, como se eles merecessem um prêmio por se intitularem feministas.

Eu fico muito feliz de ver Trudeau se juntar a nós na luta contra o mercado do sexo e de legislações que normalizam ideias retrógradas sobre gênero, mas essa luta não se vence apenas anunciando sua identificação como feminista repetidas vezes. Ele tem que, de fato, fazer essas coisas, se ele pretende apoiar os direitos humanos das mulheres. Não importa o que Joseph Gordon-Levitt diga.


Tradução do texto de Meghan Murphy
Post original do site Feminist Current