Lésbicas estão sendo excluídas da Marcha Sapatão de Vancouver em nome da
Marcha Sapatão de Vancouver de 2018

Chegamos a Marcha Sapatão de Vancouver 2018 em trajes de super-heróis e camisetas com a palavra “Lésbica” escrita sobre o desenho de um útero em forma de super-herói.

Tendo escolhido “heroínas lésbicas” como nosso tema para a edição deste ano, carregamos cartazes caseiros que mostravam lésbicas que admiramos – nossas heroínas lésbicas – pioneiras que deram contribuições significativas à cultura lésbica ou aliadas na luta contínua pela autonomia sexual lésbica.

Muitas dessas mulheres estão na lista cada vez maior de lésbicas consideradas inimigas e “intolerantes” devido suas visões sobre gênero, espaço feminino ou nosso direito de se separar dos homens, entre semelhantes, e determinar por nós mesmas quem são essas semelhantes.

A lista de lésbicas cujos nomes se tornaram tabus, proibidos e sinônimo de ódio é notável. A historiadora feminista lésbica, Max Dashu, foi acusada como “TERF” (feminista trans-excludente) e fanática, sendo censurada de falar na Witches Confluence em São Francisco depois de participar da Marcha Sapatão de São Francisco, junto com lésbicas aliadas, que carregavam cartazes que diziam “Orgulho de ser lésbica” e “Visibilidade lésbica”. As obras de mulheres como Julie Bindel, Sheila Jeffreys, Janice Raymond e Mary Daly são removidas de estantes de livros, departamentos de estudos de gênero e listas de leitura de centros LGBT. Isso os torna inacessíveis para jovens lésbicas que querem saber sobre sua história. Protestos são organizados contra espaços que carregam os escritos e histórias dessas lésbicas — rasura literal (trocadilho intencional). O crime delas? Analisar como as ideologias de identidade de gênero afetam a vida material dos direitos femininos.

Nosso grupo — The Lesbians Collective — queria homenagear e tornar visível a nossa herança lésbica apresentando algumas das lésbicas que foram apagadas da nossa história. Fizemos muitos cartazes apresentando nossas heroínas lésbicas e incluímos uma citação de cada uma delas. Muitas dessas citações falavam das experiências dessas mulheres com as restrições de gênero impostas a todos nós. Uma, por exemplo, dizia: “Quando eu era pequena, eu dizia a todo mundo que era menino. Eu não queria um corpo de menino, eu só queria as coisas que os garotos têm ”, parafraseando a YouTuber lésbica, Peachyoghurt. Outro cartaz que parafraseava a jornalista lésbica Julie Bindel, dizia: “Eu perdi a conta de todas as vezes que os homens me perguntaram como as lésbicas conseguiam fazer sexo sem um pênis.”

Enquanto estávamos nos reunindo perto do McSpadden Park, onde a marcha começaria, fomos abordadas por dois membros da diretoria da Marcha Sapatão de Vancouver. Eles nos disseram que nossas camisetas e cartazes excluíam as mulheres trans e como essa era uma “marcha inclusiva” nós teríamos que removê-las se quiséssemos participar. Também nos foi dito que se algum de nossos sinais, faixas ou camisetas incluísse o símbolo de Vênus — representando “fêmea” — (os dois símbolos de Vênus entrelaçados sempre significam lésbicas) ou “XX”, simbolizando o cromossomo sexual feminino, nós também teríamos que removê-los. Fomos avisadas para não tocarmos em ninguém e mantermos nossas mãos para nós mesmas. Nada foi oferecido em termos de como nossa inclusão e segurança seriam protegidas.

Nós respeitosamente nos recusamos a seguir suas exigências para nos livrar de nossos cartazes e camisetas, e seguimos em um tom calmo, respeitoso e tranquilo, e nos juntamos à marcha. Durante a marcha, membros do conselho, organizadores, voluntários e seus apoiadores — homens e mulheres — nos cercaram, gritaram “TERFs Intolerantes”, apontaram um megafone para nós, gritando: “Mulheres trans são mulheres”, “Esta é uma marcha inclusiva” e: “Não há lugar para ódio na Marcha Sapatão.” Uma pessoa do sexo masculino particularmente agressiva que se dizia trans se direcionava repetidamente ao nosso grupo, gritando “Pegue o cartaz ‘Fodam-se as TERFs!” nos rostos de mulheres do nosso grupo, e tentando distribuir os cartazes, que nós recusamos. Outros formaram uma barricada humana à nossa frente, separando-nos do resto da marcha, o que teve o efeito de nos isolar da multidão de pessoas que estavam nos perseguindo, e protegendo o resto da marcha de testemunhar esse assédio. O grito e a hostilidade tornaram-se cada vez mais frenéticos à medida que a marcha progredia e à medida que mais espectadores se juntavam. Ficamos gratas por estar a uma distância relativamente curta do começo da marcha até o destino final. Notavelmente, nem uma única pessoa interveio, mas aproximadamente 10 mulheres se juntaram a nós. No final da marcha, nós éramos 50.

Quando perguntamos a um membro do conselho o que eles planejavam fazer sobre toda essa hostilidade e assédio, nos disseram que ninguém estava violando nenhuma diretriz da Marcha Sapatão de Vancouver (exceto nós), que qualquer pessoa tinha o direito de protestar contra o discurso de ódio (exceto nós) e nos informou que “TERF” não é discurso de ódio.

Em resposta à nossa demonstração de orgulho lésbico, o conselho da Marcha Sapatão de Vancouver publicou uma declaração após o evento, nos rotulando como um “grupo de ódio”. As lésbicas que originalmente começaram essas marchas por um desejo de celebrar lésbicas e ter um espaço próprio, separado dos homens, não seriam mais bem-vindas nos espaços ou eventos LGTBQ atualmente — até mesmo a própria Marcha Sapatão. Em 2018, a Marcha Sapatão tornou-se um evento em que lésbicas que se recusam a aceitar homens como semelhantes e/ou parceiros sexuais são informadas de que não são bem-vindas, rotuladas como um grupo de ódio e assediadas e ameaçadas se participam de maneira desafiadora e pacífica. Tudo sob a duvidosa rubrica da inclusão. É preciso perguntar como é “inclusivo” banir lésbicas da Marcha Sapatão?

Lésbicas estão sendo instruídas a aceitar homens como mulheres e, portanto, a aceitar homens como “lésbicas”. Aquelas de nós que rejeitam a noção de que um homem pode ser lésbica e continuam a manter nossos limites sexuais são rotuladas de fanáticas odiosas por serem “trans-excludentes”. Mas não existe uma lésbica “trans-inclusiva ” — lésbicas são, por definição, mulheres adultas atraídas exclusivamente por outras mulheres adultas. Se uma fêmea é atraída por pessoas do sexo masculino, ela é heterossexual. Se ela é atraída por homens e mulheres (machos e fêmeas), ela é bissexual. Essas são coisas perfeitamente normais, mas não fazem de uma mulher uma “lésbica”.

Da mesma forma, não existe tal coisa como um macho lésbico, como, novamente, uma lésbica é uma fêmea adulta atraída por outras fêmeas adultas. Isso sempre foi a verdade. Nós não inventamos essa definição — ela sempre excluiu os homens. Muito antes das pessoas trans e do movimento trans, as lésbicas eram exclusivamente atraídas pelas fêmeas. As lésbicas sempre existiram e continuarão a existir. Isso sempre irritou os homens e continua até hoje.

Não nos é dito apenas que estamos oprimindo os homens, recusando-nos a considerá-los parceiros sexuais, mas não podemos mais estabelecer nossas próprias fronteiras nem nos definir como mulheres. No entanto, os homens heterossexuais (que também são monossexuais, o que significa que são atraídos exclusivamente por pessoas de um sexo) que se dizem mulheres, podem se chamar de lésbicas. Nós fomos até classificadas como “privilegiadas” acima desses homens — homens que, não podem mudar sua orientação sexual, mas esperam que mudemos as nossas.

Estas são lutas antigas. O direito das mulheres de se reunir, organizar ou viver suas vidas diárias separadas dos homens nunca foi tolerado e em nada aceito. O direito de dizer “não” aos parceiros sexuais masculinos sempre foi recebido com reações extremas dos homens. Décadas de organização feminista radical, juntamente com o recente movimento #MeToo, resultaram na responsabilização dos homens, mas, ao mesmo tempo, estamos vendo mulheres publicamente difamadas, assediadas e até ameaçadas de estupro e morte por defenderem suas próprias relações sexuais e limites. Hoje, a mesma antiga imposição da heterossexualidade, misoginia, cultura do estupro e desrespeito pelas fronteiras das mulheres tem sido rebatizada como justiça social. Onde está a justiça nisso? Defender o senso de direito dos homens à nossa orientação sexual e aos nossos corpos, despojando-nos de nossa capacidade de definir a nós mesmas e a nossos limites não é um avanço progressivo. De fato, esse direito não é diferente, seja de Harvey Weinstein ou de Reily J. Denis.

Nos círculos de ativistas trans, da justiça social online e no mundo real, é comum e abertamente concordado que usar a palavra fêmea ou linguagem específica feminina é “excludente” e prova que alguém é intolerante — um opressor. Existe agora uma campanha para tornar a palavra fêmea e toda a linguagem feminina proibida. Este é o apagamento literal das mulheres.

Mas isso não para por aí. Ser marcada como um “TERF” garante sempre uma abordagem de “atire agora, nunca faça perguntas” ligada a uma atitude de “você pediu”, onde, cada vez mais, todo e qualquer comportamento de retaliação é considerado justificado. Uma “vaquinha” para a Baltimore Pride foi realizada este ano, chamada QueerQrush. A descrição do evento dizia:

#QueerQrush é uma festa de dança INCLUSIVA que é bem-vinda e aberta a todos que querem vir! Isso NÃO inclui você se você participa de racismo, homofobia, transfobia, preconceito com idades, misoginia, sexismo, fanatismo ou qualquer estranheza no geral. Este não é um espaço seguro para abusadores e qualquer um dos comportamentos acima não será tolerado…
…TERFs serão pendurados pelos seus pescoços.

Assim, enquanto os racistas, os predadores e abusadores sexuais reais e, ironicamente, os misóginos são simplesmente informados de que não serão tolerados, mulheres com a marca “TERFs” são ameaçadas de linchamento.

Este é um exemplo extremo. No entanto, tornou-se comum, em postagens de eventos que são supostamente inclusivos, inserir ameaças diretas de violência contra mulheres marcadas como “TERFs” que ousam mostrar sua cara. “Soque uma TERF” tornou-se um tipo de convocação comum e totalmente aceitável entre os ativistas queer. Isso resultou em violência e intimidação real de mulheres, incluindo estupro e ameaças de morte vindas de ativistas trans e seus apoiadores, muitos dos quais nem sequer entendem por quem e o pra que estão lutando. Eles apenas sabem o que lhes disseram: que somos “TERFs”.

Você notará que os “homens trans” (que são do sexo feminino) não estão fazendo campanhas para intimidar homens gays a namorá-los ou a dormir com eles. Homens trans não inventaram um termo como o “teto de algodão” para se referirem ao “problema” de gays que recusam alguém do sexo oposto como parceiro sexual. Isso tem o efeito danoso de fazer com que lésbicas bem intencionadas sintam que há algo errado com elas quando não há nada de errado com elas – elas são apenas lésbicas comuns.

Não existe um “teto escrotal”. Isso ocorre porque os gays podem se definir como machos adultos atraídos exclusivamente por outros machos adultos. Notavelmente, são lésbicas que estão sob ataque por tentar manter exatamente os mesmos limites sexuais.

Se os homens gays valorizam sua autonomia sexual, eles deveriam ficar conosco enquanto nos defendemos. Onde eles estão? Por que eles não estão falando sobre isso? Certamente, todos os homens gays não estão de acordo com a postura profundamente homofóbica que diz que as lésbicas devem ser “inclusivas” com machos. Estamos sob ataque e os gays ficaram em silêncio por tempo demais.

Todos têm o direito de estabelecer seus próprios limites sexuais. Ninguém tem o direito de definir limites para nós mesmos. Mas isso é exatamente o que está acontecendo com as lésbicas agora e não podemos permitir que o resto do mundo fique em silêncio.

As mulheres têm proteções baseadas no sexo biológico — proteções enraizadas na realidade biológica de que somos mulheres e que, sob o heteropatriarcado, somos alvo e discriminadas com base nisso. As mulheres lutaram muito por esses direitos. É por este momento, quando as fronteiras sexuais de todas as mulheres estão em risco, que essas proteções foram postas em prática.

Você está errada se acredita que essa tendência só afeta lésbicas. O apagamento da cultura lésbica é a destruição da cultura feminina. Dizer que lésbicas devem incluir homens é claramente homofóbico e incorpora a cultura do estupro. Mas também traz a consequência adicional de tornar os limites sexuais de qualquer mulher descartáveis. Se dizer “não” é intolerante, que direito tem qualquer mulher de rejeitar um parceiro sexual? Nenhuma mulher está segura se os limites sexuais das lésbicas podem ser banalizados e rebatizados como discurso de ódio. É chocante que um grupo que se afirma progressista, “feminista” e em solidariedade com o movimento LGBT, assumiria tal posição.

Nós fazemos um chamado para que mulheres fiquem conosco. Se as lésbicas perderem sua autonomia sexual, você também perderá sua autonomia sexual. É hora de aliados tanto femininos quanto masculinos se unirem a nós, enquanto nos solidarizamos com as lésbicas nos Eventos de Orgulho e de Marchas Sapatão ao redor do mundo que estão dizendo que já tiveram o suficiente. Nossa sexualidade não é fluida e nossos limites sexuais não são negociáveis.

Somos mulheres. Nós somos fortes. Nós nunca vamos parar de resistir.
Nós somos Lésbicas.


Danielle Cormier é uma ativista feminista radical há muito tempo, e atualmente uma lésbica bastante irritada.


Tradução do Feminist Current, escrito pela Danielle Cormier.