O Método de Autocuidado da QG Feminista para Espaços Virtuais
Colagem de Letícia a partir da história contada por Mariana, para o grupo de Autocuidado da QG

Acreditamos na importância de proporcionar bem-estar às militantes, especialmente por meio do autocuidado, entendido aqui como ajudar as mulheres a se sentirem bem consigo mesmas, ao mesmo tempo que fortalecem umas às outras. Desenvolvemos estratégias nesse sentido, em que o reconhecimento mútuo era o principal eixo das atividades.

Nossos encontros foram conduzidos seguindo um roteiro inspirado no método do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), mas adaptado às nossas necessidades. Eles foram feitos no espaço virtual, sempre em alguma plataforma que oferecesse conversa por vídeo. O primeiro encontro começou com todas as mulheres se apresentando, falando um pouco sobre si e sobre suas expectativas. Os demais encontros seguiram a seguinte ordem:

1. Saudações e técnicas de respiração e relaxamento corporal.
2. Impressões sobre a leitura programada para aquela semana.
3. Dinâmicas de autoconhecimento e/ou reconhecimento mútuo.
4. Organização do próximo encontro e conversa livre.

Os encontros foram semanais e organizados em formato de roda de conversa, sempre no mesmo dia e horário, porque achamos importante que se criasse uma rotina e compromisso. Mesmo que algumas pessoas não pudessem participar daquele encontro específico, não remarcávamos, para não se perder a rotina. Nosso menor público foi de cinco pessoas e, nosso maior, nove. A duração deles era de cerca de uma hora e meia.

A rotina é também necessária na criação de vínculos. Quando determinamos um dia e horário para acontecerem, os encontros vão “tomando forma” ao longo da semana e do espaço entre eles. Toda a nossa consciência trabalha para que pensemos no que dizer, no que levar e no que resolver até a próxima roda. A organização dos encontros nos ajuda a nos preparar mentalmente, individualmente, e nos permite voltar com mais conteúdo e mais conscientes para dividir com as outras. O prazo ajuda o corpo a se organizar.

Da mesma forma, tornou-se uma demanda percebida logo no início a criação de um livreto que pudesse orientar outras coletivas que desejassem se organizar para o autocuidado (a ser lançado, com as ideias que já adiantamos aqui). A ideia da formulação de um produto final colaborou como linha-guia de nossos encontros e da nossa metodologia. As mulheres envolvidas, o tempo todo, tínhamos em mente que tudo que fazíamos deveria nos servir e servir como exemplo para outros grupos que pudessem se utilizar dos nossos métodos. Essa postura muda tudo. Demanda um ainda maior compromisso de todas.

Concordamos que o espaço construído deve ser um ambiente que seja propício à troca de experiências e que proporcione aprendizado, por meio do fortalecimento de vínculos afetivos. Nesse sentido, cada encontro foi conduzido por uma pessoa diferente, para o estabelecimento de uma horizontalidade entre as participantes e a criação de um ambiente colaborativo. Por mais difícil que possa ser não hierarquizar pessoas em um espaço específico, é preciso tentar no ambiente da militância feminista. A busca pela horizontalidade deve ser uma responsabilidade feminista.

As tarefas realizadas foram desenvolvidas para estimular a criatividade das participantes. Entendemos que o estímulo da criatividade é essencial para o feminismo. O que queremos é a construção de uma outra realidade. Precisamos nos manter criativas para poder ter no nosso horizonte esse mundo novo que queremos criar.

É importante destacar que nosso método não era fechado e ele não se esgota, fomos desenvolvendo aos poucos, durante os encontros, para que atendesse às necessidades das participantes. Ele podia ser revisto e reinventado a qualquer hora.

1. Técnicas de Respiração e Relaxamento

Fizemos exercícios simples de respiração e relaxamento, sempre com uma das mulheres guiando a respiração das demais. O objetivo aqui era relaxamento corporal e diminuição da ansiedade, para que pudéssemos começar o encontro de forma mais tranquila.

A guia de cada encontro então pedia para as demais que sentassem de forma confortável e relaxassem os ombros, braços, costas etc. Na sequência, a respiração era conduzida, sendo que o exercício mais feito foi o de inspiração profunda, por 4 segundos e, depois, expiração lenta também por 4 segundos. O exercício era repetido 4 vezes.

Outro exercício feito foi o de sentir a respiração abdominal e a pulmonar, em duas fases diferentes. Colocamos uma das mãos no abdômen e a outra no peito e sentimos expandir primeiro o abdômen, depois o peito, também a expiração foi sentindo primeiro um esvaziar, depois outro. Deve ser feita de forma lenta e repetida 4 vezes.

2. Impressões Sobre a Leitura

Após o relaxamento, discutíamos o capítulo do livro que havia sido combinado na semana anterior. As leituras foram curtas, para facilitar o engajamento de mulheres, considerando a carga mental e o acúmulo de tarefas que está presente no cotidiano da maioria de nós. Ainda assim, fazíamos um pequeno resumo do capítulo para aquelas que não conseguiram ler durante a semana.

Essa parte seguia o formato de roda de conversa e todas eram estimuladas a participar e opinar, mesmo que não tivessem lido o capítulo.

As conversas seguiam sempre na direção de uma tarefa principal, que foi proposta desde o primeiro encontro, que era “como promover o autocuidado e o acolhimento de militantes no meio virtual?”.

3. Dinâmicas

As atividades propostas e realizadas na roda de conversa do grupo de autocuidado se dividiam em duas frentes, como sugerido na metodologia da CFEMEA; reconhecimento mútuo e expressão artística. As de reconhecimento mútuo consistiam em conversas guiadas e compartilhamento de vivências em apresentações orais; as atividades de expressão artística requeriam uma produção criativa feita durante a semana e apresentada na rodas de conversa. A linguagem artística era livre, podendo ser poema, música, colagem, desenho, fotografia etc.

As dinâmicas tiveram resultado positivo, foram bem acolhidas e as mulheres gostaram muito de fazer. De forma geral, as primeiras dinâmicas que fizemos foram produções em que cada participante pensava em si mesma, como produzir um autorretrato. Com o tempo e o desenvolvimento de um vínculo maior entre as mulheres, as dinâmicas começaram a envolver produções em que uma criava algo para outra.

Um fato importante que notamos durante nossos encontros foi que a produção de artes para as atividades foi essencial para que as mulheres criassem um compromisso de participar dos encontros. Quando não havia dinâmicas para apresentar algo que desenvolvemos durante a semana, o comparecimento era menor.

Somos socializadas a nunca pensarmos em nós mesmas em primeiro lugar, assim, muitas de nós acabamos por acreditar que autocuidado não é algo a ser priorizado, de modo que sempre há outra coisa mais importante a ser feita. Assim, as dinâmicas foram uma forma que encontramos de mulheres criarem um compromisso consigo mesmas e com as outras.

A seguir, descrevemos as que foram feitas durante nossos dois primeiros meses de grupo, a fim de inspirar outras mulheres.

Palavra da semana

  • Escolher uma palavra que defina a semana que se passou e falar sobre ela;
  • Escolher uma palavra que você gostaria que definisse a próxima semana;
  • Na semana seguinte, falar se a expectativa foi atendida.
    Importante para dar uma direção e um objetivo a perseguir na semana.

2 verdades e 1 mentira

  • Escolher 2 fatos aleatórios sobre si e inventar outro;
  • As demais participantes devem adivinhar qual é o fato inventado.
    Importante para nos fazer conhecer melhor as outras.

Autorretrato

  • Fazer um autorretrato de linguagem livre, durante a semana;
  • Apresentar durante o encontro.

Quadro de Emoções

  • Fazer uma colagem com imagens que refletem o que se está sentindo ou o que se gosta, durante a semana;
  • Apresentar durante o encontro.

Inspiração da amiga oculta

  • Apresentar algo criativo de sua autoria, de linguagem livre durante o encontro;
  • Sortear em segredo os nomes das participantes, usando um site sorteador de amigo oculto;
  • Cada uma deve produzir algo em cima do que foi apresentado pela pessoa que tirou no amigo oculto, durante a semana;
  • Revelar a amiga oculta e apresentar o que foi produzido durante o encontro.

Troca de histórias

  • Dividir as mulheres em duplas, de modo aleatório, usando um site sorteador;
  • Cada dupla deve se reunir durante a semana e trocar uma história sobre si mesmas;
  • Produzir algo criativo em cima da história ouvida durante a semana;
  • Apresentar a história da companheira e o que foi produzido durante o encontro.

Presente virtual

  • Criar uma pasta virtual com objetos que as mulheres gostariam de ganhar, pode ser feito por uma, algumas ou por todas as participantes, durante a semana;
  • Sortear nomes durante a reunião, no estilo amigo secreto;
  • Presentear simbolicamente a amiga secreta com algum dos objetos que estavam na pasta e explicar por que escolheram aquele presente.

4. Organização do Próximo Encontro

Por fim, deliberávamos sobre o próximo encontro, combinando o capítulo a ser lido e a dinâmica a ser realizada.