A abordagem do Modelo Nórdico para prostituição (também conhecida como Lei Do Comprador de Sexo) descriminaliza todas aquelas que estão em situação de prostituição, oferece serviços de apoio para ajudá-las a sair dela, e torna comprar pessoas para sexo uma infração penal, com o objetivo de reduzir a demanda que impulsiona o tráfico sexual.
Como surgiu essa abordagem?
O Modelo Nórdico surgiu na Suécia após extensa pesquisa. Uma das pesquisadoras foi Cecilie Høigård. Aqui ela descreve o que aconteceu (traduzido por Daisy Elizabeth Sjursø e editado ligeiramente):
“Passamos vários anos fazendo trabalho de campo e desenvolvemos relacionamentos próximos com as mulheres prostituídas. Ouvimos falar de suas experiências de abuso passado, pobreza extrema e violência. Estávamos preparados para essas histórias, por causa de nossos estudos anteriores sobre pessoas marginalizadas. Mas o que as mulheres nos disseram de suas experiências concretas na prostituição foi inesperado e chocante.
Elas nos contaram o que era usar seus corpos e vaginas como apartamentos de aluguel para homens desconhecidos invadirem, e como isso requiria que elas dissociassem seus corpos de si mesmas: ‘Eu e meu corpo somos duas partes separadas. Não sou eu, meus sentimentos ou minha alma que ele fode. Não estou à venda. ’
As mulheres tinham inúmeras estratégias para manter essa dissociação. Para serem agentes das suas próprias vidas, elas mostravam grande criatividade e vigor para viver nas condições sufocantes da prostituição. No entanto, ao longo do tempo, tornava-se cada vez mais difícil para elas manter a separação entre seu corpo e o “eu”. Depois que o prostituinte(1) acabava, tornava-se cada vez mais difícil trazer o “eu” de volta. Eventualmente, as mulheres vieram a se sentir sem valor, sujas e nojentas.
Essas histórias eram muito semelhantes aos relatos que ouvimos de vítimas de outras formas de violência sexual, como o incesto, estupro e violência doméstica.
O grupo de pesquisa discordou sobre muitas coisas, mas compartilhamos os mesmos sentimentos de desespero sobre a dor das mulheres e a falta de entendimento dos prostituintes sobre as conseqüências de suas ações.
Então a ideia da criminalização unilateral do prostituinte me atingiu como um raio. A ideia aumentou minha frequência cardíaca, e me deu uma sensação de que tudo estava se encaixando. Houve grande oposição à proposta no início, mas depois de alguns anos os opositores no grupo de trabalho mudaram seu ponto de vista.
O debate que se seguiu serviu como uma campanha educacional em larga escala. Na Suécia, as atitudes em relação à lei mudaram rapidamente em uma direção positiva, e a proporção de homens suecos que compravam corpos de mulheres diminuiu.”
Qual é o objetivo do Modelo Nórdico?
A criminalização tem o propósito primordial de deixar claro o que nós, como sociedade, consideramos inaceitável e desencorajar as pessoas a fazerem essas coisas.
Eu acredito que não há um único de nós que não quis socar alguém no nariz, pelo menos uma vez na vida. Mas esse pensamento é seguido rapidamente pela imagem de ser preso, e assim passamos a considerar outras soluções mais positivas.
O Modelo Nórdico não é diferente. Ele deixa claro que comprar pessoas para sexo é errado e tem sanções que desencorajam os indivíduos a fazê-lo.
Os valores da sociedade mudam ao longo do tempo e algumas coisas que costumavam ser consideradas aceitáveis no passado agora são consideradas inaceitáveis, e vice-versa.
Por exemplo, costumávamos pensar que fumar era inofensivo e, portanto, fumar nos locais de trabalho não era considerado um problema. Depois aprendemos que fumar, mesmo o fumo passivo, é prejudicial, e foi estabelecido que é errado expor as pessoas ao tabagismo passivo no trabalho. Então nós mudamos a lei para proibir fumar nos locais de trabalho.
No período de conscientização para a introdução da legislação, houve uma enorme resistência. Eu mesma resisti. “Como o Estado se atreve a me tutelar e me dizer onde eu posso fumar!”, eu disse. E, em seguida, a minha jovem filha disse que ela achava que se a lei tivesse sido implementada uns anos antes, alguns dos seus amigos não teriam começado a fumar. Isso e meu conhecimento da minha própria luta de décadas contra o vício da nicotina me fizeram mudar de ideia. Se a nova lei conseguiu salvar um único jovem de uma vida de dependência de nicotina, então a minha inconveniência valeu a pena.
1º de julho de 2007 chegou e todos os que queriam fumar nos bares iam para o lado de fora. No final da semana, todos, até mesmo os fumantes, diziam o quanto era mais agradável o ambiente dos bares agora, sem estarem cheios de fumaça, e nos perguntamos por que não mudamos a lei mais cedo.
A prostituição causa danos às prostituídas e nunca poderá ser tornada segura e sua existência faz dos direitos humanos das mulheres à igualdade um sonho distante. Grandes somas de dinheiro são geradas a partir do comércio hediondo (principalmente) dos corpos das mulheres e das crianças e isso leva inexoravelmente ao tráfico sexual.
É hora de deixar claro que comprar seres humanos para o sexo é inaceitável e criar sanções legais que desencorajem as pessoas a fazê-lo.
Não queremos criminalizar as pessoas. Queremos mudar comportamentos. E para aquelas que estão na prostituição, queremos oferecer apoio para ajudá-las a construir uma vida nova fora dela.
O que está sendo feito no Reino Unido
Cada país que introduziu o Modelo Nórdico implementou-o de forma um pouco diferente. Ele foi mais bem sucedido na Suécia, onde foi proposto como parte de uma série de medidas legislativas para combater a violência masculina contra mulheres e meninas e atuar contra a desigualdade sexual.
Acreditamos que devemos aprender com a experiência de outros países e introduzir o modelo nórdico como parte de uma série de medidas.
1. A descriminalização total das pessoas prostituídas.
As evidências sugerem que a maioria das mulheres e crianças entra na prostituição como resultado de abuso, da pobreza e do infortúnio na infância, do aliciamento, da coerção e/ou ludibriação, e não como uma escolha livre entre várias opções viáveis. E a evidência é clara de que a prostituição é inerentemente violenta e prejudica àquelas que estão nela e que sair dela é muito mais difícil do que entrar. E uma ficha criminal torna sair ainda mais difícil. Portanto, pedimos a revogação de todas as leis que penalizam as prostituídas e a remoção de seus antecedentes criminais de quaisquer condenações anteriores por delitos relacionados à sua própria prostituição.
2. Serviços de apoio de alta qualidade para as prostituídas.
Requisitamos o financiamento de serviços de suporte de alta qualidade para as pessoas prostituídas. Estes devem ser livres de julgamentos morais e abranger a redução de danos, bem como apoio para deixar a prostituição, incluindo habitação, aconselhamento jurídico, serviços de toxicodependência, apoio psicológico e emocional de longo prazo, educação e formação, e assistência e cuidado das crianças.
Como os prostituintes são quase inteiramente do sexo masculino, os serviços para as mulheres devem ser apenas para mulheres e os serviços para os homens e as pessoas transgêneros devem ser separados.
3. Comprar sexo deve ser considerado uma infração penal.
Reivindicamos que a compra e tentativa de compra de seres humanos para o sexo seja considerada uma infração penal, independentemente de onde ela ocorra no mundo. Nós não acreditamos que os homens britânicos devem ser livres para causar danos em outros países. Como explicado anteriormente, o objetivo é mudar o comportamento e não criminalizar as pessoas. Recomendamos uma pena máxima de um ano de prisão.
4. A legislação referente ao lenocínio(2), à cafetinagem(3) e ao tráfico sexual deve ser endurecida.
Acreditamos que a legislação do Reino Unido em matéria de cafetinagem e tráfico sexual não é adequada para os fins e pedimos que seja substituída por uma legislação mais dura que reconheça o lenocínio, a cafetinagem e o tráfico sexual como abusos contra os direitos humanos e com penalidades que reflitam isso. O policiamento desses crimes deve ser totalmente provisionado e priorizado.
5. Todos os fatores que levam as pessoas à prostituição devem ser tratados.
Não aceitamos a prostituição como a alternativa para as pobres e desfavorecidas, para as novas imigrantes, para as mães solteiras, para as mulheres e crianças. Ou mesmo para qualquer um.
Por conseguinte, clamamos por uma sociedade mais justa e mais igualitária, com renda mínima garantida a todos, a eliminação das disparidades salariais entre homens e mulheres, melhores recursos e apoio aos pais e às crianças. O fim de taxas para estudantes, da precarização dos direitos dos trabalhadores, e o combate de todos os outros fatores que prendem os povos na pobreza.
6. Uma abordagem holística
· Campanha de informação pública: para ser eficaz, o modelo nórdico deve ser acompanhado por uma ampla campanha de informação pública (como a que acompanhou a mudança nas leis de fumo).
· Programas de educação nas escolas: que expliquem honestamente o dano que a prostituição causa.
· Treinamento para a polícia e outros: a experiência de outros países mostrou que, para que o modelo nórdico seja eficaz, deve ser acompanhado por uma formação aprofundada da polícia, do judiciário, do Ministério Público e dos trabalhadores de linha de frente da educação, dos serviços sociais, etc.
· A lei deve ser priorizada e coordenada nacionalmente: Para que a abordagem do Modelo Nórdico seja eficaz, ela precisa ser priorizada e implementada de forma consistente em todo o país, caso contrário os cafetões e prostituintes simplesmente irão para áreas onde a lei não é cumprida. Da mesma forma, os serviços para as vítimas da prostituição devem ser coordenados nacionalmente e não ser deixados para as instancias municipais ou estaduais.
Nós não aceitamos que as mulheres e as crianças possam estar à venda. NUNCA
Notas da tradução:
(1) Prostituinte: o “cliente” da prostituição. O “comprador” de sexo. Denominação utilizada por Sonia Sánchez, ativista feminista abolicionista argentina.
(2) Lenocínio é uma prática criminosa que consiste em explorar, estimular ou facilitar a prostituição sob qualquer forma ou aspecto, havendo ou não mediação direta ou intuito de lucro.
O lenocínio compreende toda ação que visa a facilitar ou promover a prática de atos de libidinagem ou a prostituição de outras pessoas, ou dela tirar proveito, que é um grave problema social.
O crime de lenocínio não pune a própria prática da prostituição, mas sim toda conduta que incentiva, favorece e facilita tal prática, com intenção lucrativa ou profissionalmente (conhecido juridicamente como lenocínio questuário).
Este crime está tipificado no artigo 227 ao 230 do Código Penal Brasileiro. De acordo com a lei, a pena pode variar de um a três anos de reclusão; se o crime for praticado contra maiores de 14 anos e menores de 18 anos, a reclusão pode variar entre os dois e cinco anos; no entanto, caso seja cometido seguido de violência ou ameaça, a pena pode chegar aos oito anos de reclusão. https://www.significados.com.br/lenocinio/
(3) Quando há mediação no lenocínio, esta é chamada de cafetinagem, ou seja, é feita por um sujeito nomeado de “cafetão”, que é um agente para as prostitutas, responsável por recolher parte dos seus lucros em troca de serviços de publicidade, proteção física, ou para fornecer um local onde elas possam “atender” seus clientes. Este crime está previsto no artigo 230 do Código Penal Brasileiro, sendo a pena de um a quatro anos de reclusão, mais o pagamento de multa. https://www.significados.com.br/lenocinio/