ZAIDMAN, Claude. Educação e socialização. In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 80–84.
A educação consiste em permitir a entrada individual e coletiva de novos membros numa sociedade. Nesse sentido, faz parte dos processos de reprodução social. A definição de Durkheim (1922/1977), fundador da Sociologia da educação na França, associa dois conceitos: “A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social…”; ela consiste numa “socialização sistemática da geração jovem” que visa “constituir o ser social em cada um de nós”. Segundo o autor, trata-se, antes de tudo, do meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua própria existência.
Opõe-se, frequentemente, o caráter intencional da educação — que realiza um ou vários projetos — e da socialização — que funcionaria mais por osmose — no conjunto das interações sociais. Um dos problemas suscitados é, então, o modo de compartilhamento e os sistemas de relações entre as diferentes instâncias de socialização, como a escola, a família, o grupo de pares, as mídias, os meios profissionais etc.
A Sociologia da educação e as relações sociais de sexo
Nos anos 70, a Sociologia da educação francesa é, sobretudo, centrada na escola, sua estrutura e os fluxos de entrada e saída de alunos. A principal problemática é a das desigualdades sociais do resultado escolar, e o debate fundamental é sobre o papel da escola como fator de mobilidade social ou de reprodução. Nessa perspectiva, as desigualdades de sexo não são levadas em conta (Kandel, 1975; Duru-Bellat, 1994) e os poucos trabalhos relativos à educação de meninas são o resultado de uma história à parte.
A generalização das escolas mistas nos anos 70, como aplicação — atrasada –, em termos de gênero, do princípio da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos perante a educação, permite educar juntos meninas e meninos e comparar diretamente os seus desempenhos. Depois de ter recuperado o atraso no que se refere à escolarização, as meninas exibem um “melhor resultado escolar” em número de anos de estudo e essa constatação vai incidir sobre o conceito de reprodução das desigualdades pela escola.
Porém, trabalhos recentes — baseados na problemática das relações sociais de sexo — moderam esse otimismo, mostrando que, se os mecanismos de seleção de classe e sexo diferem em seus princípios, a escola permanece um elo importante na manutenção da divisão sexual do trabalho. O ponto de vista longitudinal permite analisar os diferentes percursos escolares mediante a observação dos comportamentos diferenciados dos diversos atores escolares, na vida cotidiana dos estabelecimentos, nos vários níveis de orientação, e nos processos de inserção e rentabilização dos diplomas na vida profissional.
Constatamos então que, se as meninas têm melhores resultados do que os meninos no ensino primário e no ensino geral, o que as leva a serem maioria entre os que realizam o exame final do segundo grau (baccalauréat) e no ensino superior, mesmo assim continuam concentradas num pequeno número de áreas que em geral resultam em profissões que representam as formas socializadas de funções tradicionalmente atribuídas à mulher dentro da família, como é o caso dos serviços, do comércio, da educação, da saúde, enquanto se mantêm as desigualdades de acesso às carreiras científicas e técnicas.
A questão se volta, então, para os processos que expliquem essa má rentabilização da escola pelas meninas. Estudos baseados na análise das competências escolares demostraram que, para entender os mecanismos de reprodução da divisão sexual do trabalho, é preciso se interessar pelos mecanismos de orientação mais do que pelas diferentes aptidões “naturais”.
Alguns pesquisadores veem, acima de tudo, nessa desvalorização escolar das meninas no momento da orientação, o efeito da socialização primária de meninos e meninas, reforçado por comportamentos diferenciados dos professores de acordo com o sexo dos alunos. Outros interpretam tal resultado como uma “escolha racional” das meninas, um cálculo que antecipa os problemas postos pela difícil “conciliação” entre vida familiar e vida profissional, conciliação cujo peso ainda repousa amplamente sobre as mulheres devido à manutenção da divisão sexual do trabalho.
Além disso, há o debate sobre o papel próprio da escola em relação ao da família ou ainda das estruturas profissionais: a escola é um fator de emancipação ou de manutenção das relações de dominação?
A socialização diferencial dos sexos
Outro modo de abordar o problema do papel específico da escola é utilizar a noção de socialização. Esse conceito é usado em diversas disciplinas, como a Antropologia Social, a Psicologia Social ou, ainda, a Economia.
Na Sociologia, esse termo foi inicialmente usado pela abordagem funcionalista a fim de descrever como são inculcados os papéis de sexo. Nessa perspectiva, a sociedade funciona com base num consenso social quanto à dualidade fundamental dos sexos. Essa dualidade se basearia numa diferença natural, uma bicategorização de ordem biológica que implica a complementaridade dos papéis sociais. Para manter o equilíbrio social, os novos membros individuais da sociedade devem interiorizar as normas de comportamentos esperados. Uma segunda abordagem critica essa perspectiva e enfatiza o aspecto coercivo e repressivo da transmissão de modelos.
Uma série de trabalhos feministas denuncia a fabricação de uma diferença hierarquizada dos sexos pela educação e, especialmente, o processo de produção social dos corpos sexuados desde a infância. Em 1914, Madeleine Pelletier destacava esse processo de formação à submissão, que se prolonga nas aprendizagens intelectuais. Simone de Beauvoir (1949) descreve a educação tradicional que limita a atividade e a autonomia das meninas, impedindo-as de se afirmar como “sujeito” da mesma forma que os meninos. Elena G. Belotti (1974) mostra como se constrói a diferença entre os sexos por meio do comportamento de pais e professores conforme o sexo da criança.
No contexto do movimento de libertação das mulheres, nasce um debate entre as feministas voltado para a noção da identidade feminina (Les temps modernes, 1976), debate que se inscreve na oposição entre feminismo da igualdade e feminismo da diferença, que marcará os anos 70. Algumas feministas reprovam a abordagem de Elena G. Belotti, que promove o modelo “masculino” como o único modelo universal para a plena realização das qualidades humanas. Ora, elas dizem, “por que negar o que a especificidade feminina — mesmo tendo nascido da opressão — poderia nos dar?”.
Recentemente, as teorias da dominação abrem um novo campo de reflexão e de debates com respeito às relações sociais de sexo. A importância da construção dos corpos sexuados nos mecanismos de socialização é teorizada por Colette Guillaumin (1992). Na sua abordagem materialista da dominação, ela salienta a “aprendizagem corporal sexuada” que conduz dos jogos infantis ao trabalho das mulheres. Para Pierre Bourdieu (1998), a socialização como processo de produção dos hábitos passa, em primeiro lugar, pela produção social do corpo sexuado que se torna, assim, o “lembrete da dominação” masculina. Sua teoria, que convida a grandes polêmicas, se apoia na noção da “violência simbólica” que, segundo ele, assegura a submissão das mulheres à ordem estabelecida, seu consentimento à dominação.
A produção do gênero
Podemos nos referir a trabalhos da Psicologia Social, da Antropologia e da Sociologia interacionista de origem anglo-saxônica para encontrar novas abordagens à socialização como processo ativo. Trata-se de descrever as situações de interação social nas quais a diferença dos sexos, o gênero, é produzido e reproduzido socialmente: “A ‘socialização’ de cada nova geração de crianças pela sociedade adulta não é só o resultado do reforço e da repressão diretamente exercidos sobre os indivíduos… mas dos materiais a partir dos quais as crianças constroem as categorias de sexo que servem, em seguida, para guiar seu comportamento” (Jacoby, 1990). Nessa perspectiva, acentuam-se as situações nas quais as relações sociais de sexo se atualizam, como as escolas mistas onde os jovens “socializados” podem aprender os comportamentos de gênero esperados nas diversas situações e construir respostas consideradas apropriadas. Essa abordagem permite considerar as diferentes relações sociais que estruturam uma determinada situação, e as relações de gênero podem ser consideradas um protótipo ou uma simples reprodução das relações entre grupos dominantes e dominados.
Assim, na escola, a produção de categorizações sexistas ou racistas intervém de modo complexo nas relações entre adultos e crianças e entre as próprias crianças por meio de comportamentos cotidianos na instituição ou nos conflitos entre indivíduos. Na França, as novas pesquisas em Sociologia da educação sobre a experiência escolar, sobre o “currículo oculto” e sobre a interação família/escola, incluem, com cada vez mais frequência, a variável da diferença dos sexos. Entretanto, ainda existem poucos trabalhos que integram as problemáticas de gênero, tais como os que abordam a relação com o saber e o acesso das mulheres a carreiras científicas, as modalidades de escolas mistas em diferentes etapas da escolaridade, a visão global das trajetórias escolares em função do sexo, e outras características sociais dos alunos, tais como a classe social ou a nacionalidade dos pais.
Referências
Baudelot, Christian; Establet, Roger. Allez les fi lles !, Seuil, 1992, 351p.
Duru-Bellat, Marie. La ‘découverte’ de la variable sexe et ses implications théoriques dans la sociologie de l’éducation française contemporaine, Nouvelles questions féministes, 1994, v.15, n.1, p.35–68.
________. Note de synthèse: Filles et garçons à l’école, approches psychologiques et psychosociales. 1. Des scolarités sexuées, refl et de différences d’aptitudes ou de différences d’attitudes?, Revista francesa de pedagogia, 1994, n.109, p.111–43; 2. La construction sociale de la différence entre les sexes, Revista francesa de pedagogia, 1995, n.110, p. 75–111.
Manassein, Michel de (Dir.). De l’égalité des sexes, Paris, CNDP, 1995, 317p.
Mosconi, Nicole. Femmes et rapport au savoir. La société, l’école et la division sexuelle des savoirs, Paris, L’Harmattan, 1994, 362p.
Zaidman, Claude. La mixité à l’école primaire, Paris, L’Harmattan, 1996, 238p.