Por que as feministas não apoiam o sucesso das mulheres da direita na política?

Theresa May, líder do Partido Conservador do Reino Unido e sua primeira ministra em apuros, é apenas a segunda mulher a manter esses dois papéis. No dia 8 de junho de 2017, depois de uma série de erros em campanha, e o aparecimento tardio de seu rival do Partido do Trabalho, Jeremy Corby, o partido dela perdeu a maioria no Parlamento no Reino Unido, em uma eleição instantânea. May votou em si mesma para continuar como primeira ministra, apesar das crescentes pressões que sofreu para renunciar.

May, que em 2005 fundou a Women2Win (Mulheres para vencer, em tradução livre), uma organização dentro do Partido Conservador que tem o intuito de promover a representação feminina dentro dos gabinetes, se considera feminista (e tem uma camiseta para provar isso). Ela também expressou que está atenta que a qualidade de seu trabalho como política é importante para a igualdade de gênero. “Quando eu leio ou ouço sobre isso, sinto que tenho uma responsabilidade”, ela disse em 2012 sobre ter sido considerada a mulher mais poderosa na política no Reino Unido. “Existe uma outra razão para que eu faça meu melhor — mostrar que uma mulher nessa posição pode fazer o meu trabalho.”

Mesmo assim, feministas ainda não aceitaram universalmente May como uma delas. Será que elas, como muitos conservadores parecem acreditar, usam a afirmação de identidade como disfarce para promover políticas liberais, excluindo aquelas com diferentes crenças partidárias?

Afinal, Sarah Palin não se sustentou como modelo de empoderamento feminino durante sua campanha para a vice-presidência. Anterior a Palin, Phyllis Schlafly era uma líder proeminente no Partido Republicano, e teve um papel fundamental ao se mudar para a direita. Ambas mulheres, primeiras ministras no Reino Unido, são conservadoras, assim como — embora seja difícil igualar a política americana e europeia — Angela Merkel. Sem mencionar a longevidade política de Marine Le Pen, a responsável pela ascensão da extrema direita na França.

A questão sobre o que torna uma mulher poderosa em empoderadora de outras mulheres é complexa e se cruza com costumes políticos contemporâneos e a luta pela representatividade das mulheres. De um lado, existindo mais mulheres — de qualquer crença política — em posições de poder é uma pre-condição para o empoderamento das mulheres, e deveria ser celebrado. No entanto, há o argumento de que mulheres conservadoras no poder não mudam as estruturas deste, geralmente apresentando pontos de vista do mundo centrados na visão masculina, e, portanto, não contribuem para que a igualdade de gênero se torne institucional em larga escala.

Muitas mulheres liberais consideram que suas identidades de gênero são elementos fundamentais a respeito de suas escolhas políticas, explica Charlotte Walker-Said, professora de história na Universidade CUNY’s John Jay. Enquanto isso, conservadores “querem ser vistos, e ver a si mesmos, como eleitores de princípios, ao invés de aliados das mulheres”. Isso comumente leva a uma rejeição conservadora da ideia de que gênero deva influenciar escolhas políticas. (Feministas considerariam que sua luta pela igualdade das mulheres é a única razão pela qual mulheres conservadoras tem algum acesso ao poder.)

A retórica da política de direita não converge perfeitamente com os ideais acerca do empoderamento feminino que sempre foi promovido pelo discurso feito por feministas radicais. Em livro publicado em 1983 Right-Wing Women (Mulheres de Direita, em tradução livre), Andrea Dworkin argumenta que algumas mulheres podem ter preferências por políticas conservadoras porque a manutenção da hierarquia patriarcal as fazem se sentir seguras.

“Existem dois aspectos sérios em qualquer crítica à dominação masculina: a de que mulheres têm sido excluídas das formas de poder dos homens, e de que o poder tem sido definido nos termos masculinos”, Catharine MacKinnon, professora de Direito da Universidade de Michigan e residente de longo tempo da Universidade de Harvard, da qual foi autora de vários livros feministas, conta ao Quartz. Mulheres conservadoras podem ter acesso ao poder, mas não necessariamente mudam a natureza do poder vigente — especialmente se mulheres conservadoras promovem ativamente papéis de gênero tradicionais em seu caminho para o sucesso político.

Entretanto, não apenas as mulheres conservadoras que não escolhem exercer seu poder de maneira sábia, de acordo com MacKinnon: Mulheres liberais, também, falham às vezes em desafiar um ponto de vista masculino do poder. Essas mulheres, diz ela, também não devem ser vistas particularmente como empoderadas. “Se uma mulher em posição de poder definida por homens está empoderando mulheres, não é uma questão de ser liberal ou conservadora”, explica MacKinnon, “mas se ela usa do poder que ela possui para promover outras mulheres além de si mesma”.

A questão, ao que parece, é saber se é possível fazer uma crítica consciente sobre as mulheres sem diminuir os papéis delas como um todo na história e assegurar a elas um padrão mais elevado do que aos homens. Por que as feministas não podem reconhecer a importância de Margaret Thatcher como uma política astuta e uma mulher poderosa, apesar de suas políticas?

A razão é uma não resolvida — e talvez sem solução — tensão entre progressos individualistas e incrementais das mulheres (os pequenos pedaços de vidro do teto de vidro quebrado, se assim achar melhor). Feministas acreditam firmemente que mudanças institucionais só serão conquistadas se mulheres no poder implementarem políticas para mulheres que eventualmente mudem a dinâmica da sociedade.

“O importante, acho eu, é que feministas não confundam mulheres com feminismo, porque o que feministas realmente querem são mais mulheres feministas no poder”, diz Ronnee Schreiber, professora de ciências políticas da Universidade de San Diego e autora de Righting Feminism (Endireitando o Feminismo, em tradução livre), ao Quartz.

Essa é uma posição difícil de manter. Embora o entendimento global de que o objetivo do feminismo é conquistar a igualdade, a teoria do feminismo radical se posiciona dizendo que isso não é o suficiente para as mulheres procurarem promoção individual, elas devem também promover suas companheiras mulheres. O feminismo popular não é tão claro nesse segundo objetivo, em parte porque feministas estão cientes de que podem ser demandadas para “julgar ou criticar mulheres ou para dizerem que uma mulher não é feminista”.

Contudo, Schreiber nota que sempre existiu “uma vertente do feminismo que é muito inclinada a somente promover o empoderamento individual das mulheres””, e que essa atitude tem se tornado cada vez mais proeminente já que mais mulheres — que podem ou não compartilhar visões do feminismo radical — estão conseguindo papéis importantes na sociedade.

Por último, seria justo reconhecer o , embora incremental, que surge quando mulheres escalam as escadas da política ou das corporações. “Mesmo estando assustadas com Le Pen, por exemplo, diz Schreiber, “o fato de que mulheres podem conquistar esses padrões é obviamente um pequeno sinal de progresso”.

Mas também é justo fazer uma distinção entre mulheres poderosas que acreditam que conquistar influência pessoal é simbólico o suficiente, e mulheres poderosas que têm como objetivo lutar por mudanças institucionais e a promoção de todas as mulheres.


Texto de Annalisa Merelli puclicado em 9 de junho de 2017 aqui

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