Por que feminismo não é sobre igualdade de gêneros?

Para começar: o que é igualdade?

No sentido político, ela pode ser definida por: identidade de condições entre os membros da mesma sociedade. Geralmente, as pessoas que afirmam buscar a igualdade de gêneros almejam que homens e mulheres possuam as mesmas condições sociais, políticas e econômicas na sociedade. Ainda assim, tal expressão não faz sentido por definição, e mesmo que fizesse, não é só a isso que se resume a política do movimento feminista.

A expressão igualdade de gêneros é um paradoxo. Para se entender o porquê disso, é necessário definir politicamente o que se entende por gênero. Qual a diferença entre gênero e sexo? Sexo é a biologia. Seres humanos são fêmeas ou machos, inclusive os intersexuais. Os sistemas reprodutivos de homens e mulheres e por consequência algumas outras características físicas de seus corpos diferem. Gênero, por outro lado, é o construto ideológico e inteiramente social que se dá a partir disso.

Para exemplificar de forma bem didática: um bebê é do sexo feminino ou do sexo masculino, fêmea ou macho. Isso é sexo. A partir de uma construção social, se diz que um brinquedo é de meninas (feminino) ou de meninos (masculino): isso é gênero. É o pressuposto social colocado em cima de indivíduos a partir de seu sexo biológico. É o sapatinho cor de rosa que sua família comprou pra você, mulher, antes mesmo de você nascer. É o furo na sua orelha, a boneca no seu travesseiro, a maquiagem infantil cheia de glitter. Quando as feministas alinhadas à teoria radical afirmam que gênero é isso, estão reconhecendo como a sociedade vê e doutrina os homens e mulheres e pautando sua política feminista a partir daí.

Gênero é o conjunto de imposições sociais que culminam na masculinidade e na feminilidade. E elas não são opostas, não são dois pólos, a partir do momento que não há simetria: uma está acima da outra. O homem é o ser humano absoluto, a mulher é o ser humano possuidor de uma particularidade: o útero. O homem é a normalidade, é o indivíduo masculino e o todo, e a mulher é a alteridade, é o indivíduo masculino com uma certa carência de qualidades. Eles não são opostos e por isso não compõem um binário. A masculinidade não existe sem a feminilidade para dominar, e a feminilidade não existe sem a masculinidade pra lhe impor submissão. Um não existe sem o outro, e dessa forma o gênero se fecha enquanto sistema, não dando espaço para quaisquer variações. E a partir do gênero e da validação política e institucionalizada que ele possui, a sociedade estrutura homens e mulheres em duas classes sexuais.

Essas classes sexuais não estão apenas em desigualdade: sua relação é de dominação e exploração. Homens não são apenas privilegiados em relação às mulheres, eles são agentes ativos de sua submissão e se beneficiam diretamente dela. A manutenção dessa relação de poder entre as classes sexuais se fundamenta, além de no sistema de gêneros, na heterossexualidade e maternidade compulsórias, na indústria do sexo (prostituição e pornografia), na exploração do trabalho doméstico, na pedofilia, no estupro enquanto arma de guerra, entre outros. Mas é o sistema de gêneros que faz as mulheres tão dóceis ao patriarcado — através de uma ferramenta chamada socialização.

A socialização é o que molda as pessoas. É como são criadas desde a barriga de suas mães. É o que as fazem crer que, por serem mulheres, devem ser dóceis, comportadas, submissas, cuidadoras, mães, esposas, mulheres de bem. É o que diz às mulheres que nunca serão bonitas, sensuais e atraentes o suficiente, e que estar agradável aos olhos dos homens é essencial para sua validação enquanto seres humanos. A socialização é o conjunto de políticas culturais praticadas pela família, escola e sociedade que encaixa as pessoas na classe que lhes é devida. E ela se dá a partir da leitura social que existe desde antes do nascimento. É por isso que a maternidade compulsória também afetará a mulher que por quaisquer motivos de saúde é estéril ou não possui útero: porque independente disso, a sociedade a marcou socialmente pelo seu potencial reprodutivo, pelas características secundárias de seu sexo biológico.

As mulheres que questionam esse sistema ouvem que os frutos da socialização, as chamadas diferenças entre homens e mulheres, na verdade são biológicos: mulheres são assim. Homens são assim. É natural. Você cresce acreditando que isso é o que você é, é inato, é a sua essência enquanto ser humano do sexo feminino. Você nasceu para isso. Não há como fugir. Essa imposição social atrelada ao biológico é o que dificulta tanto a luta feminista: como lutar contra algo que supostamente é “essência feminina”? A resposta é que tal essência não existe.

Então, o termo “igualdade de gêneros” não faz sentido porque, por definição, gênero é uma hierarquia, não uma dualidade. Não há como igualar masculinidade e feminilidade, pois elas são fundamentadas nessa hierarquia. Uma não existe sem a relação de poder sustentada pela outra.

Quando se quer falar do pareamento das condições sociais, políticas e econômicas de homens e mulheres, então, se deve falar de uma suposta igualdade entre as classes sexuais homem e mulher, que na realidade é inviável enquanto tais classes existirem pautadas no gênero. Porque mesmo que, utopicamente, as feministas conseguissem mudar todas as leis que institucionalizam a misoginia, mesmo que conseguissem leis novas que garantissem os direitos da mulher e se afirmassem contra a violência masculina, mesmo que toda essa mudança descomunal de alguma forma fosse feita, nada iria mudar enquanto mulheres continuassem a ser criadas para serem mulheres, para acreditarem que a vocação de suas vidas é cuidar dos filhos do marido que, ele sim, tem potencial para se realizar plenamente enquanto ser humano.

É por isso que o feminismo precisa ir além de reformismos e pensar em revolução. Porque não se muda uma ideologia tão arraigada e institucionalizada com alterações nas leis e emendas constitucionais. O patriarcado não vai encontrar seu fim enquanto existir o conceito de essência feminina e essência masculina, enquanto as próprias mulheres acreditarem que são o que são porque nasceram com vagina. O fim do patriarcado só se dará com o fim do gênero: com o fim de qualquer imposição social dada a partir do sexo biológico, e com o fim de toda e qualquer institucionalização da misoginia.