Sobre Drake, aliciamento e o interesse de homens poderosos em jovens meninas impressionáveis
Sobre Drake, aliciamento e o interesse de homens poderosos em jovens meninas impressionáveis

Explorando mais uma área nebulosa do consentimento

Nossa adolescência é um período tênue. É quando começamos a questionar limites pré-existentes, exercitar nossa autonomia, descobrir quem somos e explorar nossa sexualidade nascente. Conectar todos esses pontos é o grande desejo de solidificar sua identidade, o que às vezes é alcançado se misturando com outras pessoas com paixões e interesses em comum — especialmente quando essas pessoas já alcançaram sucesso e status nas áreas que você está interessado.

Essa é a essência da base de fãs adolescentes que, particularmente para as mulheres jovens, tem sido uma força poderosa na cultura pop — até porque, quando essa adoração parece ser recíproca, nada terá a mesma sensação. É algo que antecede a internet, a ideia de que um artista amado, que é mais velho, mais sábio, canonizado em sua comunidade, alguém que você sente que realmente entende, vê algo em você e também te entende. Eles são uma das poucas pessoas que realmente conseguem te entender em um momento em que parece que o mundo inteiro está muito ocupado subestimando você ou muito desatualizado para se conectar com você em um nível significativo.

Ou, pelo menos, é como se sente quando você é jovem e uma pessoa mais velha e influente presta atenção em você. Mas, de um ponto de vista diferente, pode parecer que a pessoa de status está meramente aliciando a pessoa mais jovem, obscurecendo as linhas de um relacionamento consensual por meio da manipulação e da ambiguidade em benefício próprio, seja lá qual ele for. Tudo isso leva à pergunta: Como pode um relacionamento ser realmente mútuo quando existe tal desequilíbrio de poder?

Millie e Drake

Em uma parceria onde a dinâmica é extremamente distorcida, faz sentido que a pessoa menos poderosa hesite em empurrar de volta as coisas que eles acreditam que a outra quer, por medo de aliená-los ou chateá-los. É difícil o suficiente arruinar algo com uma pessoa no mesmo nível que você, então o que acontece quando a ameaça de perder um relacionamento com alguém que você admira, e sabe que você deveria se manter próximo, está presente? Essa perda potencialmente devastadora está fadada a ser algo que sempre permanece no fundo de sua mente, e os predadores sabem disso.

Talvez seja por isso que a notícia da amizade de Drake com Millie Bobby Brown tornou-se um assunto de debate na semana passada. Embora seja crível que os dois sejam fãs do trabalho um do outro, não é difícil ver por que o mais famoso homem de 31 anos do mundo enviando mensagens frequentes para uma garota de 14 anos deixou mais do que algumas pessoas preocupadas. Também porque Drake é conhecido por ter interesse em mulheres muito mais jovens. Atualmente, dizem que ele está namorando Bella Harris, uma modelo de 18 anos que ele conheceu quando tinha 16 anos. E em 2016, também foi dito que Drake estava saindo com Hailey Baldwin, então com 18 anos de idade; Ele inicialmente a conheceu quando ela tinha 14 anos. É difícil não ver um padrão aqui: Drake faz amizade com garotas jovens, aproveitando sua fama e utilizando sua ingenuidade em partes iguais. Mas isso não é apenas um problema de Drake. Esta é uma questão sistêmica em uma sociedade que tem um excedente de homens no poder, bem como uma abundância de mulheres que têm ambições de serem vistas, para serem compreendidas, para alcançar poder dentro da estrutura social existente. É uma situação que serve a vários graus de abuso.Então, e quanto as outras jovens mulheres que passam por isso que, diferente de Brown e Baldwin, não estão sob os olhos do público?

A cultura pop contemporânea e as mídias sociais criaram uma tempestade perfeita para facilitar as interações entre jovens fãs e seus ídolos artísticos. Não só parece que nossas celebridades agora são nossas amigas por causa de nossa capacidade de espiar suas vidas via Instagram, mas as mídias sociais também permitem que as celebridades se conectem discretamente com seus fãs –e, às vezes, o que começa como uma mensagem no ‘Direct’ de alguém vai longe demais.

Veja as recentes alegações feitas contra BØRNS, que foi acusado de “manipular” os jovens fãs que o “idolatravam” sob o disfarce de amizade em festivais de música e seus shows. Depois de cultivar relacionamentos via Snapchat, Instagram e SMS com duas mulheres diferentes — ambas menores de idade quando se conheceram — Garrett Borns supostamente não respondia a elas se elas se recusassem a ir ao hotel, e continuamente pedia por “fotos”.

Embora nenhuma das mulheres que se queixam de Borns tenha dito que suas interações sexuais com ele não eram consensuais (e todas aconteceram quando as mulheres eram maior de idade), essas mulheres ainda se sentiam aproveitadas e emocionalmente feridas. E é fácil perceber o porquê. Essa é uma área cinzenta do envolvimento e destaca como as disparidades de poder inerentes tornam o consentimento complicado.

O que torna esse tipo de situação, e o aliciamento em geral, tão tensa é que ela está fora dos limites de qualquer relacionamento binário consensual clássico. Só porque um encontro no aliciamento não é uma situação como as de R. Kelly ou Woody Allen, isso não significa que seja saudável para a parte mais vulnerável envolvida.

O sexo é uma moeda extremamente poderosa, e seu poder é naturalmente mais conhecido por alguém que tenha se envolvido com ele por mais tempo — a pessoa mais velha ou mais poderosa em uma situação de aliciamento. Mesmo em situações aparentemente platônicas — como a que envolve Drake e Brown — o abuso potencial da ingenuidade de alguém é uma preocupação válida, especialmente quando um padrão reconhecível começa a aparecer.

Millie e Drake

No momento, estamos em meio a uma conversa renovada e vital sobre o consentimento e a agressão sexual, que prioriza o compartilhamento de experiências como um meio de tornar claros e fáceis de entender os limites de como devemos ser tratadas. Por muito tempo as mulheres têm sido — e continuam a ser — desencorajadas a falar sobre seus encontros sexuais, tanto positivos quanto negativos. No entanto, o que devemos continuar fazendo é ouvir as que estão se expondo, para que possamos chegar a um ponto em que saibamos como é um relacionamento saudável baseado no respeito mútuo. Afinal de contas, a única maneira pela qual podemos até mesmo começar a entender a importância do consentimento entusiasmado e afirmativo é ouvir sobre o impacto emocional que o aliciamento teve em algumas dessas mulheres que foram abordadas e abandonadas, e aprendendo com elas.


Por Sandra Song — traduzido da Nylon – Matéria de 02 de Outubro de 2018