Texto de Carol Hanisch

(A maior parte deste artigo foi escrita em 1973. Aparece no livro Revolução Feminista, autopublicado pela Redstockings em 1975 e na edição abreviada publicada pela Random House em 1978.)

Foi há pouco mais de cinco anos, em 1967, que começaram a surgir os primeiros grupos independentes de libertação de mulheres. Este artigo não se preocupa tanto com a história dos eventos que se seguiriam, mas sim com a história das ideias, da ideologia e da teoria.

Naqueles dias, imersas como estávamos em um daqueles raros momentos da história em que a verdade brilha tão fortemente que se torna a experiência mais comovente e profunda de nossas vidas, pensamos que seria apenas uma questão de alguns anos até derrubarmos a supremacia masculina.

Em retrospetiva, essa ideia parece um pouco ingênua — quase boba. Mas naqueles dias, ainda unidas em um grupo (New York Radical Women), pensávamos que nossas diferenças poderiam ser resolvidas, que as mulheres experimentariam o mesmo alívio e entusiasmo que estávamos experimentando e se uniriam em uma força tão forte que os homens não teriam chance.

Ao compartilharmos com outras mulheres a abundância de nossas experiências como mulheres e depararmo-nos e varrermos muitas mentiras sobre nós mesmas da nossa mente, juntamente com a autoculpa e a culpa que nos atormentaram por toda a vida, não podíamos deixar de acreditar que todas as mulheres (ou quase todas) chegariam às mesmas conclusões a que chegamos. Compartilhamos as mesmas experiências e, com base nisso, baseamos nossas esperanças.

Quando outras chegaram a conclusões diferentes das nossas (sustentaram a atual ordem masculina da esquerda liberal), pensamos que elas seriam persuadidas rapidamente à medida que mais mulheres se manifestassem. Foi aqui que cometemos o nosso primeiro erro significativo: subestimamos o poder da supremacia masculina e, portanto, subestimamos a prontidão, a vontade e a capacidade das mulheres de se unirem, lutarem e vencerem.

Hoje [1973], o movimento de libertação das mulheres está nas mãos de um grupo de oportunistas liberais e, portanto, nas mãos do establishment masculino da esquerda liberal. Essas mulheres — da Ms. Magazine, algumas das escritoras do Village Voice e as “senhoritas do movimento de libertação das mulheres” nas comunidades de todo o país — estão lutando freneticamente pelas poucas migalhas que os homens jogaram quando nós radicais começamos a expor a verdade e exigir algumas mudanças. Estas são as mulheres que têm acesso à imprensa e ao dinheiro. Elas são supostamente “as líderes” do movimento de mulheres, mas estão nos levando pelo caminho de algumas reformas respeitáveis ​​e nada mais.

Como essas mulheres conseguiram seu poder? A resposta é dupla.

Primeiro, elas não pedem muito e realmente não demandam o que pedem. Elas se recusam a nomear os homens como inimigos (opressores) e falam incessantemente sobre esse vago monstro “sociedade” como sendo responsável por tudo. Para elas, não há pessoas reais envolvidas nem interesses pessoais conflitantes. Elas alegam que as mulheres são submetidas a lavagem cerebral, danificadas e consentem com sua própria opressão e que os homens, coitadinhos, tratam mal as mulheres porque foram socializados num “papel”. Como a NOW declara em um folheto chamado “NOW GOALS”:

“Questões de direitos e responsabilidades estão entrelaçadas na complexidade dos papéis e divisões do trabalho impostos aos homens, bem como às mulheres, por educação, tradição, legislação e prática. A NOW incentiva o alavancar de consciências acerca dos efeitos da estereotipagem de papéis sexuais de ambos os sexos.”

Além disso, elas falam sobre a opressão das mulheres como uma questão legal, como se a aprovação de alguma legislação resolvesse nossa situação. Para elas, é sempre uma questão social (societal) ou jurídica. Nunca é uma questão de realidades de poder, poder real — econômico (quem possui), militar (força física de quem) e político (quem governa). Nunca se trata do que significa tomar esse poder e distribuí-lo entre todas nós.

Essas mulheres têm poder dentro do movimento porque não ameaçam seriamente os poderes masculinos que existem. São o braço-direito feminino do homem da esquerda liberal. Gloria Steinem, por exemplo, escreve na revista Ms. (Outubro de 1972) como “um discurso beneficente na Flórida sobre o Movimento das Mulheres poderia trazer US$ 10.000 em vendas de ingressos para os cofres da campanha (Partido Democrata)”.

Uma coisa é apoiar um candidato político porque sua eleição nos dará certas reformas que são úteis para nosso objetivo. Outra questão é arrecadar dinheiro e apoio em nome da libertação das mulheres e colocar nossos recursos muito limitados no controle do menor dos dois inimigos. Esse dinheiro (e outros tipos de apoio) deve ser mantido em nosso próprio controle.

Por mais desconfortáveis ​​que essas mulheres possam ser para os homens às vezes, elas devem soar ótimas em comparação com as “pobretonas chauvinistas”, como Betty Friedan chama às militantes do movimento de libertação de mulheres.

A outra principal razão pela qual essas oportunistas foram capazes de dominar o movimento das mulheres foi que elas foram capazes de dividir e silenciar e/ou expulsar as feministas radicais pró-mulher. Sua maior tática era sempre transformar todas as discussões, todas as divergências, tudo numa estrutura em oposição ao conteúdo.

As verdadeiras questões políticas que dividiram o movimento desde os primeiros dias foram submersas em debates sobre problemas estruturais. A mudança estrutural foi apresentada como uma solução de longo alcance (abolir a família) e de curto alcance (estilos de vida alternativos) para o problema da supremacia masculina. A estrutura substituiu a supremacia masculina como o problema, com novas estruturas colocadas como a solução. Assim, elas nunca atacaram o problema diretamente.

Aquelas que contestaram essas suposições estavam sujeitas ao assassinato de caráter ou a ataques às suas “más personalidades”. Construir a própria estrutura “sem estrutura” no movimento tornou-se o teste para determinar se era radical ou não. Assim, a estrutura se tornou uma excelente ferramenta para manter certas pessoas e ideias sob controle, para evitar que elas fossem longe demais rápido demais.

Não era que as feministas radicais pró-mulher se opusessem à estrutura em si. A estrutura foi vista como necessária para atingir uma meta. O que elas contestaram foi que se tornou um dogma, uma ideologia, um objetivo em si. A estrutura deve ser flexível, usada quando necessário, descartada quando necessário, alterada quando necessário — tudo com o objetivo de atingir uma meta da melhor maneira possível.

A QUESTÃO DA LIDERANÇA

A principal questão “estrutural” tem sido a da liderança. A linha que ganhou destaque no início foi a de que não deveríamos ter líderes. De quem veio, não tenho certeza. Mulheres diferentes queriam dizer coisas diferentes e apoiavam por diferentes razões.

Eu fui uma das suas defensoras a princípio. Junto com muitas mulheres, eu estava cansada do tipo de liderança que havia experimentado em outros grupos e organizações. Fiquei particularmente chateada com a liderança hierárquica da esquerda, com a qual tentei trabalhar por vários anos. Nenhuma liderança, nenhuma porta-voz, nenhum voto, ação por consenso. Parecia tão bom.

Mas o que começou como uma visão utópica terminou como um pesadelo. Esta linha, juntamente com suas linhas complementares de [ultra] igualdade, o sistema de núcleos e irmandade distorcida, provou os veículos pelos quais as feministas radicais foram divididas e silenciadas e nenhuma nova liderança feminista radical foi criada.

Sem dúvida, algumas mulheres gostaram da linha “sem liderança” porque as membros desses primeiros grupos, apesar dos acordos básicos, tinham posições políticas diferentes em algumas questões cruciais. Algumas diziam que os homens eram o inimigo (opressor); algumas diziam apenas capitalistas ou “o sistema”. Algumas queriam trabalhar dentro da esquerda; algumas não. Algumas culpavam as mulheres por nossa opressão; algumas culparam homens; algumas culpavam “papéis sexuais” ou sociedade.

Portanto, a linha de não-liderança era um meio de manter o outro sob controle para garantir que o grupo não apresentasse uma posição política que não fosse sua. Por exemplo, nunca surgiu realmente uma posição política clara como um grupo, embora as Notas do primeiro ano representassem algumas posições muito importantes em algumas dessas questões: na época do Miss America Protest, havia se tornado ainda mais difícil afirmar uma posição política claramente definida: grupos que deixaram a NYRW por causa de algumas dessas questões se juntaram ao Protest, trazendo para o grupo as suas posições confusas e labirínticas baseadas no popular “faça o que quiser”.

A linha “sem liderança/igualdade total” teve efeitos prejudiciais no movimento de libertação das mulheres. As Mulheres Radicais de Nova York tinham crescido para cerca de 20 a 30 mulheres que vinham regularmente, sendo que nossa reunião semanal chegava a ter entre 50 a 60 mulheres. Algumas mulheres achavam o grupo pesado (incontrolável — na verdade estávamos discutindo ideias políticas) e queriam dividir-se em grupos menores criando núcleos (estrutura). Quase todas as fundadoras queriam manter o grande grupo, ou dividir-se de acordo com as pessoas com quem queriam trabalhar, se tal divisão fosse necessária. Foi decidido pela regra da maioria que o grupo se dividiria por sorteio — em nome da democracia. As pessoas temiam que fosse “elitista” querer trabalhar com certas mulheres com quem compartilhavam uma direção política comum. O resultado disso foi a primeira divisão das militantes originais em vários grupos onde elas foram menos efetivas.1 Essa foi uma vitória temporária do grupo desconectado, aleatório e pequeno em relação à célula de conscientização como a forma organizadora do movimento.

Um dos grupos que se formou a partir desse rompimento da NYRW não era um grupo aleatório, mas um grupo de ação, posteriormente denominado Redstockings. Ele liderou algumas ações inovadoras importantes que colocavam princípios e práticas de conscientização em uso público. Ele publicou literatura que refletia o desenvolvimento de uma análise radical da condição das mulheres — a linha pró-mulher — originária da NYRW. O grupo estabeleceu um conjunto de princípios, uma declaração de propósito e sessões de orientação, tudo na esperança de que apenas as mulheres que estavam em acordo político se unissem. Mas aquelas que discordavam vieram do mesmo jeito.

Mais uma vez, as estruturalistas conseguiram impor a estrutura restritiva do sistema de núcleos, etc., para que a política feminista radical pró-mulher que o grupo estava formulando pudesse ser efetivamente resguardada do público. Algumas desses estruturalistas se uniram a Ti-Grace Atkinson, que havia saído do NOW pelos mesmos fundamentos estruturalistas para formar (o grupo) As Feministas. Esse grupo operou estritamente nessas regras e regulamentos anti-liderança, além de vários outros (como apenas 1/3 dos membros poderiam ser casadas ou estar num relacionamento com um homem) e, a partir dessa posição, passava grande parte de seu tempo atacando a Redstockings, tanto no grupo quanto publicamente, pela sua falta de “democracia”, embora naquela época a Redstockings também tivesse se submetido ao sistema de núcleos. A política sempre foi secundária à estrutura, de modo que a estrutura pudesse controlar a política.

O principal efeito da linha de não-liderança foi impedir que a facção pró-mulher continuasse a levar sua política às massas de mulheres. Simultaneamente, serviu às ambições pessoais de algumas.

Mas vamos olhar mais de perto essa linha de “igualdade” e como ela funcionava:

  1. Não deve haver líderes ou porta-vozes. Para algumas, isso geralmente significava que as decisões deveriam ser tomadas por todas as envolvidas, e não apenas algumas pessoas no topo, e que nenhuma “celebridade” deveria ser criada pela imprensa. Para outras, no entanto, era uma negação de que qualquer liderança ou a necessidade dela existisse. Com base no dogma da exata igualdade entre as mulheres, negava a realidade de que algumas pessoas são as primeiras a ousar e a fazer, fornecer clareza e discernimento, ensinar outras, falar por si e por outras que ainda não estão falando diretamente por si mesmas. Negava ainda que algumas pessoas realmente sabiam mais por causa do tipo e combinação de experiências em suas vidas e, portanto, tinham mais a ensinar. Este conhecimento, por ser radical ou novo, normalmente não é aceito como conhecimento pelo stablishment.
    Outra razão pela qual algumas de nós apoiamos a linha de não-liderança é porque queremos que todas as mulheres sejam líderes, sejam porta-vozes, porque “Isso torna o movimento (…) mais forte, também protege contra o tempo em que essas líderes poderiam ser isoladas e escolhidas de uma maneira ou de outra.”. Isso também foi uma negação utópica da realidade e impediu ainda o desenvolvimento de um meio de proteger as líderes radicais porque elas são necessárias para o movimento.
    Dois tipos de liderança surgiram nos grupos: 1) pessoas diretas que se tornaram líderes, expondo suas políticas em campo aberto e lutando por elas. 2) “anti-líderes” sorrateiras que gritavam mais alto contra a liderança, mas manobravam silenciosamente para empurrar o grupo em sua direção, ocultando informações, sem dizer as suas políticas e liderando assassinatos de personalidade daquelas que se pronunciavam honestamente. Ironicamente, as mulheres se tornaram líderes lutando pelo princípio de que não deveria haver líderes. Além disso, essas anti-líderes geralmente são ou dão apoio às superestrelas criadas pela imprensa e pelo establishment masculino.
  2. Todos os trabalhos devem ser divididos igualmente porque todas as mulheres têm habilidades iguais. Sou da opinião de que todas as mulheres, como os homens, são potencialmente mais ou menos iguais em habilidades, mas se isso é verdade ou não, não é importante para o problema imediato de quem fará o que em um movimento político. O fato é que, neste ponto da história, as mulheres diferem em habilidades e capacidades e em clareza política, comprometimento e compreensão. Segue-se que, se nosso maior interesse é avançar na revolução feminista, a pessoa que faz um trabalho melhor deve ser a responsável. Outras aprenderão mais rápido trabalhando com quem faz bem as coisas. Qualquer pessoa que leve a sério o que está fazendo prefere entrar em batalha com pessoas comprovadamente experientes na liderança.
  3. Se uma irmã tem uma habilidade específica, ela deve dedicar seu tempo a ensinar a outras mulheres essa habilidade, em vez de usá-la para falar, escrever ou o que for. Essa linha também foi usada para impedir as feministas radicais pró-mulher de escrever e falar e levar suas ideias para mais e mais pessoas. Em muitos dos primeiros grupos radicais, foi usado contra certas mulheres com o argumento de que o “privilégio de classe” lhes dava certas habilidades que outras mulheres não tinham; portanto, elas deveriam se conter até que as outras mulheres “alcançassem” o suficiente, essa linha foi apresentada com mais força por aquelas mulheres que tinham background da “classe trabalhadora”, mas que possuíam um diploma universitário ou a oportunidade de trabalhar em trabalhos profissionais ou artísticos.
  4. Ninguém fala com a mídia mais do que ninguém e somente com a aprovação do grupo. Eu fui uma das principais autoras dessa linha. Como ex-jornalista, eu sabia muito bem o que a mídia faria com nosso movimento. Eles colocavam palavras em nossas bocas, faziam montes de distorções, nomeavam nossas líderes para nós e assassinavam as melhores de nós, seja pelo ridículo ou fingindo que não existíamos. Eles fizeram isso. Mas deveríamos ter apresentado nossas melhores mulheres e exigido que fôssemos ouvidas. Pois enquanto estávamos sendo contidas e nos contendo, as oportunistas estavam fazendo nome sem sequer terem lutado direito.
  5. Todas as habilidades de liderança são resultado de privilégios da classe média. As habilidades em questão aqui são as habilidades de escrever e falar publicamente. Pelo menos essas eram as habilidades que supostamente estavam sendo discutidas. O que realmente estava sendo discutido era o discernimento político e a disposição de correr riscos.
    Quando eu era adolescente, queria desesperadamente ser escritora e lamentava constantemente o fato de que nada havia acontecido comigo e que eu não tinha nada para escrever. Eu nunca fui para a Europa ou fui pega numa inundação. O verdadeiro problema era que eu estava vendo o mundo apenas em termos de eventos, nunca em termos de ideias. Eu não tinha consciência nem discernimento sobre minha própria vida.
    Mais tarde, no movimento de libertação das mulheres, eu sabia escrever, mas sentia que não sabia falar bem, especialmente em uma situação “hostil” ou em uma situação em que tinha que “pensar por mim própria”. Isso era parcialmente verdade. Minha mente muitas vezes fica em branco ou tem tantas ideias circulando que eu não consigo me apossar de nenhuma delas.
    No começo, pensei que devia estar “estragada”, mas, através da conscientização, aprendi que estava oprimida e comecei a procurar outras explicações. Às vezes eu me preocupava que as palavras não saíssem bem e que eu seria mal compreendida. Eu relutava em tomar partido, a menos que pudesse explicar exatamente o porquê para mim e para as outras. Pensei que, se pelo menos tivesse tido uma educação formal melhor, com mais experiência em falar em público e debater, não demoraria tanto para pensar por mim.
    Pode ser verdade que tudo aquilo me daria mais autoconfiança, mas sem a percepção política sobre o que eu quero falar, sem uma perspectiva política básica do mundo e como ele funciona, eu ainda não teria nada a dizer. Foi mais conhecimento e experiência de um tipo geralmente não encontrado na educação formal que me deram confiança.
    Cinco anos no movimento de libertação das mulheres me ensinaram mais do que toda a educação formal no mundo. Ouvir outras pessoas que descobriram mais coisas do que eu (e que considero corretas) esclareceu meu próprio pensamento repetidas vezes. Através da observação e da minha própria experiência de colocar o conhecimento em uso, aprendi a sobreviver em um confronto.
    Agora, muitas vezes, consigo identificar os pequenos “truques de debate” (exagerar, fingir não entender etc.) que as pessoas usam. Houve momentos em que tive que pensar por minha própria conta e risco, quando tive que lutar pelo que acreditava, quando sabia que algo tinha que ser dito e ninguém estava dizendo isso.

Obviamente, para as piores oportunistas estruturais, nada disso era realmente o problema; todo o objetivo dos argumentos sobre “privilégios da classe média” era calar as feministas radicais pró-mulher e lançarem a si mesmas.

GRUPOS DE CONSCIENTIZAÇÃO

Juntamente com o estruturalismo, as liberais também usaram o revisionismo para tomar o poder no movimento de libertação das mulheres. Um caso em questão é a conscientização. Esse método de organização das mulheres foi originalmente percebido e defendido por feministas radicais pró-mulher como a base contínua da teoria e da ação do movimento.

No começo, tivemos que lutar contra a esquerda e outros que colocavam nossos grupos de conscientização como grupos de terapia; infelizmente, hoje as oportunistas perverteram o propósito original da conscientização até que seja praticamente terapia. Em muitos casos, os grupos se tornaram locais de encontro social onde as mulheres são apoiadas e apoiam seus problemas imediatos e tentam “se desenvolver”.

A conscientização para a ação política ainda continua, é claro, mas entre aquelas que estão de acordo básico de que o objetivo da conscientização é a teoria e a ação.

A IRMANDADE É PODEROSA

Há quem até tente revisar a irmandade, tornando-a novamente um meio de controle e mudando totalmente seu significado. Para deixar registrado, a frase “A Irmandade é Poderosa” foi criada por Kathie Sarachild. Como ela mesma disse recentemente ao ouvir as palavras iniciais da música de Helen Reddy, “Eu sou mulher” (“Eu sou mulher, ouça-me rugir em números grandes demais para ignorar…”), “É isso que «a irmandade é poderosa» realmente quer dizer!

Hoje quase ninguém usa dessa maneira. Foi alterada de “um meio para o poder” para “um meio para controlar as mulheres”, para mantê-las preocupadas com o modo como se relacionam — procurando aprovação novamente em vez de descobrir o que pode ser feito para eliminar a supremacia masculina. Desafiar as ideias de outra mulher é “desagradável”.

Que estupidez! A única maneira de alcançarmos uma irmandade real para que possamos rugir em números grandes demais para ignorar é desafiar as ideias de outras mulheres, expondo as nossas e apontando onde achamos que as outras pessoas estão erradas e fazendo-as apontar para onde nós estamos erradas politicamente. A luta interna de nosso movimento torna possível a luta externa contra o inimigo real. Não é fácil e não é agradável, mas é necessário.

ATAQUES DE PERSONALIDADE / ASSASSINATOS DE CARÁTER

Ataques de personalidade/assassinatos de caráter sempre foram maneiras eficazes de calar um oponente ou interromper um movimento. Novamente, essa foi uma tática empregada dentro e fora do movimento para manter a tampa no caldeirão fervente de feministas radicais que queriam ir até o fundo, até a supremacia masculina. Os conflitos entre posições políticas resultaram em uma torrente de ataques pessoais a feministas radicais. Os mais comuns eram que éramos dominadoras, agressivas, masculinas, sedentas por poder, manipuladoras, dogmáticas, sem noção, antidemocráticas, burguesas, odiadoras de homens e intolerantes. No entanto, o contrário — passiva, feminina, amantes de homens, etc. — foi utilizado quando parecia mais adequado.

O TRATAMENTO INVISÍVEL

Como as liberais conseguiram o controle do movimento de libertação das mulheres, suas táticas mudaram. Em vez de ataques, elas agora fingem que as feministas radicais pró-mulher e a política que representamos simplesmente não existem ou não existem mais. Não somos chamadas para falar ou escrever para programas de movimento, periódicos e jornais, agora controlados pelas liberais da pseudoesquerda. Não estamos listadas na maioria das bibliografias de artigos de movimento, publicações e agências de palestrantes. Nosso trabalho foi retirado da lista recomendada da Biblioteca de História da Mulher. Um livro representando a revista feminista radical Notes deixou de fora toda a linha pró-mulher e artigos de conscientização que apareceram originalmente nessa revista.

Tornou-se cada vez mais claro que elas tentavam nos enterrar historicamente, bem como nos afastar do presente.

EM CONCLUSÃO

O sucesso geral da tomada liberal do movimento de libertação das mulheres depende de uma convergência das suas poderosas “costas-quentes” e dos nossos erros, muitos dos quais são discutidos neste artigo e nesta revista [Feminist Revolution]. Um grande problema foi que demoramos um pouco para entender o que estava acontecendo, e algumas de nós percebemos algumas coisas e algumas pessoas mais rapidamente que outras. Como resultado, ficamos confusas e divididas umas com as outras, cada uma lutando em seu próprio dilema, sem perceber a necessidade ou a incapacidade de operar como um grupo.

Mas há evidências. Agora que sabemos mais sobre o que estamos enfrentando, sabemos melhor como combatê-lo. Ficou claro que chegou a hora de reunir nossas forças para uma nova ofensiva pela libertação das mulheres.


Nota

1. No Relatório de 1975 ao Presidente da Comissão sobre as atividades da CIA nos EUA (a comissão chefiada por Nelson Rockefeller), o Movimento de Libertação das Mulheres é listado como uma das várias organizações-alvo do “Operation Chaos” da CIA. (p. 144). As operações do FBI ao MLM, incluindo a vigilância de Redstockings, são reveladas em testemunhos divulgados pelo Senado dos EUA em suas audiências perante o Comitê Selecionado para Estudar Operações Governamentais com respeito às Atividades de Inteligência (Vol. 6; nov.- Dezembro de 1975) pp. 98–103, 360–366, 540–585, Washington, 1976. Esses relatórios estão disponíveis na Superintendência de Documentos, Escritório de Impressão do Governo dos EUA, Washington, DC 20402.

Carol Hanisch foi uma feminista radical e uma das pioneiras na organização do Movimento de Libertação das Mulheres nos anos 60. Ficou conhecida pelo seu texto “O Pessoal é Político”, que eventualmente tornou-se o mote da segunda onda feminista.