Como enganamos a nós mesmas e umas às outras
Pensar que nosso homem é a exceção e, portanto, nós somos a exceção dentre as mulheres.
Pensar que soluções individuais são possíveis, que não precisamos de solidariedade e de uma revolução para nossa libertação.
Pensar que a libertação das mulheres é terapia. Isso, pertença você ou não à organização, pressupõe que você e outras podem encontrar soluções individuais para problemas, porque essa é a função da terapia. Além disso, essa afirmação expressa um sentimento anti-mulher ao pressupor que, quando mulheres se juntam para estudar e analisar sua própria experiência, significa que estão doentes, mas quando chineses pobres ou guerrilhas da Guatemala se unem e usam um método idêntico, são revolucionários.
Pensar que algumas mulheres são espertas e algumas mulheres são burras. Isso impede que as mulheres que pensam que são inteligentes e as mulheres que pensam que são burras conversem umas com as outras e se unam contra um opressor comum.
Pensar que, porque temos um privilégio de educação formal e conseguimos falar de maneira abstrata, de alguma forma estamos imunes a sentirmos opressão diretamente e falarmos sobre isso honestamente, e, portanto, pensamos sobre experiências pessoais como algo baixo na escala de valores (valores de classe).
Pensar que mulheres consentem à própria opressão (ou que qualquer pessoa o faz). Isso coloca a culpa no grupo oprimido em vez de colocar na classe opressora, a qual, em última análise, usa de força bruta para manter o grupo oprimido onde está. É uma afirmação anti-mulheres e anti-povo.
Pensar que apenas instituições oprimem mulheres em oposição a outras pessoas. Isso implica que você não identificou seu inimigo, porque instituições são apenas uma ferramenta do opressor. Quando o opressor é impedido, ele não pode mais manter suas ferramentas e elas se tornam inúteis. As instituições atuais e nossos sentimentos relativamente a elas devem ser analisados para que a gente compreenda o que nós queremos ou não queremos usar na nova sociedade.
Pensar em termos de eles e nós. Isso pressupõe que você está se colocando separadamente ou à parte de mulheres (o povo). Ao fazer isso, você negligencia reconhecer sua própria opressão e seus próprios interesses em comum com outras pessoas, assim como seu papel na revolução.
Pensar que a supremacia masculina é apenas um privilégio psicológico com benefícios de “ego” em oposição a privilégios de classe com benefícios econômicos e sexuais. A supremacia masculina pressupõe uma quantidade considerável de variações individuais entre homens, permitindo, portanto, que você encontre uma solução individual para o problema.
Pensar que os relacionamentos entre homens e mulheres já são igualitários e, assim, mergulhar-se em fantasias utópicas de amor livre apesar do fato de que as condições objetivas o negam. O amor entre homens e mulheres, livre ou não livre, é milenar, não real, e se o quisermos, teremos que lutar por ele.
Pensar que você pode educar o povo. Isso pressupõe que você é esclarecida e você conseguirá uma revolução indo por aí ensinando a outras pessoas o que você sabe. A educação não traz revoluções; a consciência da própria opressão e a luta talvez tragam. Infelizmente, educação formal e consciência política não costumam coincidir. Mesmo a educação formal em marxismo-leninismo costuma fazer as pessoas pensarem que sabem mais do que realmente sabem. Quando pensamos no que politiza as pessoas não é tanto sobre livros ou ideias, mas sobre experiência.
Tradução do artículo Resistances to Consciousness, de Irene Peslikis, incluída na antologia Sisterhood is Powerful, de Robin Morgan.