Experiências e reflexões sobre a organização de mulheres em Maharashtra
As experiências que gostaríamos de narrar aqui não são exaustivas em nenhum sentido. Mas poderão, contudo, indicar uma direção mais sólida. Afinal, não há nada como a própria experiência. O que se segue não seriam mais experiências, mas sim uma reflexão sobre elas. Inclui algumas reflexões de mulheres da classe trabalhadora que sofreram opressão e lutaram contra ela.
Shahada e Taloda, no distrito de Dhulia em Maharashtra, são terrenos extremamente ricos e férteis. 75% da terra está nas mãos de 15% da população, principalmente não-tribais, estrangeiros, e 25% da terra está nas mãos de 25% da população, tribais em sua maioria. São pequenas porções de terra que medem de um a três acres, insuficientes para sobreviver. Daí que os proprietários tenham de trabalhar como trabalhadores agrícolas. 40% da população, principalmente pessoas tribais, não têm terra própria e trabalham apenas como trabalhadores agrícolas. As mulheres dessas duas últimas classes têm de trabalhar nos campos para ganhar um salário, bem como trabalham em casa sem qualquer ajuda.
Em Shahada e Taloda Talukas, uma organização local chamada Shramik Sanghatana (Organização dos Peões) ocupou-se da questão das terras perdidas do povo tribal. Começaram uma agitação sistemática em torno do tema. As mulheres quase não participaram nas reuniões públicas.
Mais tarde, a questão do assédio aos trabalhadores, especialmente às mulheres, foi abordada. Começou a propaganda contra a violação de mulheres tribais pelos camponeses ricos, pelos goondas (vândalos) e pela polícia, bem como a agitação contra esses agressores. Esporadicamente, as mulheres saíram para agitar e protestar, mas isso não chegou a evoluir para nenhum tipo de organização sistemática de mulheres.
Em 1972, os trabalhadores empreenderam uma luta por salários mais elevados. As mulheres recebiam apenas 75 paise (3/4 de uma rupia) por um dia inteiro de trabalho. Em locais como Pariwardha, as mulheres eram arrastadas para a luta contra os fura-greves. Na aldeia de Mod, participaram em marchas por exigências salariais. Mais tarde, as mulheres disseram:
“Não acreditávamos que nós, mulheres, pudéssemos gritar palavras de ordem sobre nossas exigências, os nossos salários, a nossa opressão. Nunca pensamos que pudéssemos fazer isso. Diziam-nos que o nosso lugar era em casa”.
Em Pariwardha, as mulheres estavam na linha da frente para travar os dissidentes da greve. Mas elas eram vistas como meros apêndices. Quando chegava a hora de negociar, os homens diziam: “Nós vamos negociar os salários das mulheres. Elas não precisam vir”. As mulheres se ressentiam disso. As mulheres discutiram: “Nós iremos negociar os nossos salários. Nós participamos na luta e militamos também“. No entanto, a participação das mulheres permaneceu esporádica e isolada em alguns poucos cantos.
Durante a seca de 1973, as mulheres começaram a se tornar mais ativas e interessadas na luta. Mais ou menos ao mesmo tempo, o acampamento (shibar) de mulheres foi organizado pela Organização de Peões, após discussões com as mulheres ativas nas lutas. A resistência dos homens ao acampamento das mulheres foi ultrapassada após uma prolongada discussão com eles entre as mulheres.
Violência contra as mulheres
No acampamento, as mulheres narraram suas próprias experiências íntimas. Aqui, em uma atmosfera não-opressiva, elas podiam discutir seus problemas reais. Elas narravam experiências de como os camponeses ricos e outros as tratavam como objetos sexuais. Elas se ressentiam disso. Elas decidiram lutar contra isso, individual e coletivamente.
Em seguida, discutiram a questão do alcolismo e a violência doméstica que daí resultava. Elas decidiram que isso também tinha de ser combatido coletivamente – por mais pessoal que parecesse. Mulheres que já participaram de lutas, seja por atrocidades ou por salários, tinham experimentado sua própria energia, sua capacidade e seu poder.
Elas não podiam conciliar sua resistência aos ricos, sua luta contra as violações, com a aceitação dócil de serem espancadas por maridos bêbados. As mulheres de Karankheda pediram às outras mulheres do acampamento que as ajudassem a começar sua luta contra a bebida alcoólica e a violência doméstica. O acampamento todo foi para Karankheda. Elas quebraram todos os recipientes de bebida. Ameaçaram os maridos com graves consequências se batessem em suas esposas.
Com isso, começou uma série de lutas contra todas as formas de opressão das mulheres. Grupos de mulheres e jovens se deslocavam de aldeia em aldeia ameaçando maridos bêbados, os vândalos goonda, etc. e convencendo outras mulheres a se unirem a elas. “Agora não temos mais medo da polícia”, elas cantavam. Agora havia uma dimensão maior em sua luta contra o casteísmo, a corrupção, o desemprego, os baixos salários, etc.
O movimento de mulheres
O processo de desenvolvimento do movimento de mulheres em Shahada, na zona rural de Marharashtra, bem como entre as mulheres da favela de Bombaim, parece estar tomando um rumo semelhante. Uma minoria de mulheres participou da luta genérica pelas exigências da classe, tanto por condições de trabalho quanto por condições de vida. A massa de mulheres permaneceu fora dessas lutas ou esteve apenas marginalmente envolvida.
Essa minoria que estava ativa nessas lutas, contudo, enfrentou uma contradição crescente entre seu poder recém-percebido na luta pelas suas condições de trabalho e de vida, por um lado, e sua posição subordinada em casa e na sociedade. Isso, juntamente com as lutas que se desenvolveram sobre as questões de agressão de mulheres, estupro, etc., ou seja, abertamente as questões das mulheres, atraiu a maioria das mulheres para a luta contra sua opressão como mulheres. Seu envolvimento no movimento de classes também tinha agora uma dimensão e uma perspectiva totalmente novas.
As relações homem-mulher
Qual era o padrão das relações homem-mulher durante e após essas lutas? Será que mudaram durante o processo?
No início, viam as mulheres e sua participação em qualquer luta como um mero apêndice. A luta era percebida como uma preocupação principalmente masculina. A agressão de mulheres, os abusos sexuais, as expressões da posição secundária e subordinada da mulher em relação ao homem eram considerados naturais, normais ou, quando muito, um assunto privado.
Mas as lutas das mulheres desafiaram essas ideias dominantes entre os homens, bem como entre as mulheres. Consultar as mulheres durante as lutas e negociações, ajudar as mulheres ativistas com o trabalho doméstico, foram sintomas iniciais de uma mudança de atitude em relação às mulheres.
A ideia de que as mulheres não prestam para ser mais do que apenas cozinheiras e portadoras de crianças está, aqui, em processo de ser derrubada. As mulheres são consideradas não apenas líderes de mulheres, mas também são aceitas como líderes de todos os trabalhadores da aldeia. A luta das mulheres desafiou e desafia as ideias que foram dominantes até então, ajudando a criar um novo e mais elevado tipo de relacionamento entre os sexos.
Esta, no entanto, deve ser por sua própria natureza – como indicam estas experiências – uma luta contínua que desafia não apenas manifestações e expressões particulares de subordinação e opressão das mulheres, mas abala as próprias raízes da nossa opressão.
Autora: Sujata Gothoskar Kanhere
Tradução: Aline Rossi